O aproveitamento de créditos de pis e cofins em relação aos valores pagos a título de condomínio e fundo de promoção nas locações em shopping center

AutorRenato Teixeira Mendes Vieira
Páginas207-221

Page 207

I - Introdução

Os contornos próprios ao direito à apropriação de créditos no regime não cumulativo da contribuição ao Programa de Integração Social ("PIS") e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ("COFINS") constituem, atualmente, um dos temas mais controversos no direito tributário, gerando grandes: discussões nos tribunais administrativos e judiciais, em especial com relação à correta identificação, nos diferentes setores produtivos, dos custos ou despesas que ensejariam a tomada de créditos por parte dos contribuintes.

A importância dessa questão se verifica com o destaque de recentes decisões sobre o tema que, reavivando o debate, prometem iniciar uma verdadeira reviravolta na diretriz de interpretação do princípio da não cumulatividade dessas contribuições. Nesse sentido, é válido citar a recente discussão a respeito do conceito de "insumos" para fins de creditamento de PIS e COFINS.

Com efeito, a decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais ("CARF"), proferida na seção de julgamento de 8 de dezembro 2010, no Processo n. 11020.001952/2006-22, inovou o entendimento da Corte Administrativa a respeito das hipóteses de creditamento do PIS e COFINS, caminhando em sentido contrário à interpretação há muito firmada pelas Autoridades Fiscais Federais, ao afirmar que o conceito de insumo dentro da sistemática de apuração de créditos pela não cumulatividade dessas

Page 208

contribuições deve ser entendido como todo e qualquer custo ou despesa necessária à atividade da empresa, nos termos da legislação do IRPJ, não devendo ser utilizado o conceito trazido pela legislação do IPI, tendo em vista tratar-se de tributos com materialidades distintas.

Ademais, em 16 de junho de 2011, durante o julgamento do Recurso Especial n. 1.246.317-MG no Superior Tribunal de Justiça ("STJ"), o Ministro Relator Mauro Campbell Marques mostrou-se sensível à tese de ampliação do conceito de insumo aplicável às contribuições ao PIS e COFINS, autorizando uma indústria de produtos alimentícios a apropriar crédito decorrente da aquisição de materiais de limpeza e desinfecção, bem como serviços de dedetização aplicados no ambiente produtivo, no que foi acompanhado pelos Ministros Castro Meira e Humberto Martins. Contudo, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista do Ministro Hermán Benjamín.

Especificamente com relação ao tema que nos propomos a analisar, não podemos deixar de mencionar que a Receita Federal do Brasil já se manifestou no sentido de que inexiste a possibilidade de interpretação extensiva da norma que prevê o crédito sobre despesas de aluguel, para incluir nesse cálculo o valor das despesas condominiais e de fundo de promoção cobradas nos contratos de locação em shopping center. Vejamos:

"COFINS não cumulativa. Crédito. Atividade comercial: Taxas de condomínios de áreas (lojas) em centros comerciais ('shopping centers ) pagos por pessoa jurídica no exercício de atividade comercial não se confundem com aluguéis, inexistindo a possibilidade de interpretação extensiva que permita o desconto de crédito correspondente. (...)" (Solução de Consulta n. 266, de 31.7.2009, 8-Região Fiscal).

"Locação em shopping center. Despesas de condomínio e fundo de propaganda. A pessoa jurídica sujeita à apuração não cumulativa da COFINS pode descontar o crédito calculado em relação ao valor dos aluguéis, de prédios, utilizados em suas atividades, desde que pagos a pessoa jurídica. Inexiste a possibilidade de interpretação extensiva da norma para incluir nesse cálculo o valor das despesas condominiais e com fundo de propaganda cobradas nos contratos de locação em 'shopping center '" (Solução de Consulta n. 79, de 23.3.2005, 8* Região Fiscal).

Aqui, destacamos que os conceitos adotados pela Receita Federal do Brasil fundamentam-se numa interpretação restritiva do rol trazido nos arts. das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003. Trata-se de atribuição de significado distinto ao termo "aluguel" daquele que desenvolveremos no presente trabalho.

E é neste cenário de debates, sob uma perspectiva que prestigia o valor constitucional da não cumulatividade, que o presente trabalho pretende analisar a possibilidade de apropriação de créditos relativos às despesas com condomínio e fundo de promoção nos contratos de locação em shopping center.

Por se tratar de trabalho que tem por objetivo delimitar os contornos semânticos de termos e expressões à luz de uma determinada situação concreta, previamente delimitada, houvemos por bem, antes mesmo de iniciarmos a atividade exegética propriamente dita, tecer algumas considerações a respeito do modelo hermenêutico-jurídico que norteará nossa análise.

Para tanto, falaremos brevemente sobre o chamado "processo de construção do sentido", tal qual sugerido por Paulo de Barros Carvalho, que propõe a análise (interpretação) dos enunciados jurídico-prescritivos passando pelos três planos semióticos: (i) o sintático; o (ii) o semântico e (iii) o pragmático.

Ademais, por ser uma típica "análise de caso", daremos ênfase ao aspecto pragmático do referido processo interpretativo, o qual nos fornecerá, ao final, os instrumentos necessários à precisa delimitação dos contornos significativos do vocábulo "aluguel" no contexto próprio à tomada de créditos de PIS e COFINS que circunda a situação concreta sob análise.

Page 209

Estabelecidos esses pontos, iniciaremos a análise propriamente dita do problema, ocasião em que abordaremos a sistemática não cumulativa das contribuições ao PIS e COFINS no plano constitucional e infra-constitucional.

Nesse contexto, trataremos da técnica de apuração de crédito adotada pelo legislador e os valores que devem guiar o hermeneuta na concretização dessa sistemática de tributação que foi, posteriormente à efetivação no plano legal, elevada à categoria de princípio constitucional, a fim de delinearmos a ope-racionalização da não cumulatividade para o PIS e COFINS, bem como a extensão do direito ao crédito.

II - Construção de sentido e interpretação do direito

Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, se é verdade que não há fenômeno jurídico sem prescrições escritas ou não escritas, também é certo que não podemos cogitar manifestações do direito sem uma linguagem, idiomática ou não, que lhe sirva de veículo de expressão.1

Desta feita, por ser o direito positivo constituído, essencialmente, por linguagem, consubstancia-se num conjunto estruturado de signos. A respeito da investigação dos sistemas sígnicos, Charles S. Peirce e Charles Morris distinguem três planos de análise: (i) o sintático; (ii) o semântico e, (iii) o pragmático.

No plano sintático conseguimos averiguar a relação intersígnicas, ou seja, a relação que um signo mantém com os demais signos pertencentes ao mesmo enunciado tais como as palavras nas frases e as frases no discurso. É nas regras gramaticais que encontraremos a forma de se estruturar uma unidade lingüística transmissora de mensagem. No plano semântico, estudam-se os conteúdos significativos atribuídos aos signos positivados, é a relação do signo enquanto veículo de informação para com seu objeto. E, por fim, no plano pragmático, estudam-se as relações dos signos com os uténtes de linguagem, o relacionamento lingüístico entre o emissor da mensagem e seu destinatário, permitindo que este interprete o enunciado.2

O intérprete que se coloca diante do direito positivo com fins cognoscitivos vê--se obrigado, ainda que inconscientemente, a utilizar-se dos três planos de linguagem mencionados para construir sentido ao direito posto. Assim, pela análise sintática é possível um exame estrutural dos enunciados prescritivos, tanto nas composições frásicas como nas relações entre artigos, leis e constituição. Por outro lado, o ingresso no plano semântico e no plano pragmático nos autoriza a verificar o significado e tratamento dado aos textos jurídicos pelos aplicadores do direito (Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e particulares).3

Nessa medida, verifica-se que os enunciados prescritivos do direito são fonte para a construção de infinitos conteúdos significativos, dependentes da valoração que lhes é atribuída pelo intérprete e condicionados pelos seus horizontes culturais. Por essa razão, não há que se falar em um único conteúdo significativo próprio, tampouco em esquema hermenêutico que aponte qual o sentido correto do enunciado. Tudo dependerá do contexto histórico-cultural em que o intérprete encontra-se imerso e dos valores que buscou prestigiar.

A respeito da inesgotabilidade do processo interpretativo, Paulo de Barros Carvalho4 assevera:

Page 210

"O programa de pesquisa para acesso à compreensão é, efetivamente, interminável. Conhecer e operar os textos, aprofundando o saber, é obra de uma vida inteira, mesmo que se trate de algo simples, aparentemente acessível ao exame do primeiro instante. A instável relação entre os homens, no turbulento convivio social, gera inevitáveis mutações semânticas, numa sucessão crescente de alterações que se processam no interior do espírito humano. Aquilo que nos parecia objeto de inabalável convicção, em determinado momento de nossa existência, fica desde logo sujeito a novas conformações que os fatos e as pessoas vão suscitando, no intrincado entrelaçamento da convivência social. O mundo experimenta mudanças estruturais de configuração sob todos os ângulos de análise que possamos imaginar. E essa congênita instabilidade, que atinge as quatro regiões ônticas, está particularmente presente no reino dos objetos culturais, território onde se demoram as prescrições jurídico-normativas. Os signos do direito surgem e vão se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT