A aquisição de participações acionárias pela preferência: breves considerações

AutorRafael Medeiros Mimica
Páginas199-218
A AQUISIÇÃO DE PARTICIPÕES ACIONÁRIAS
PELA PREFERÊNCIA: BREVES CONSIDERAÇÕES
Rafael Medeiros Mimica
Mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado.
Sumário: 1. Introdução – 2. O direito de preferência, suas características, funções e interpretação; 2.1
A distinção do direito de preferência em relação a outros negócios jurídicos; 2.2 Natureza jurídica da
preferência – 3. A preferência na aquisição de participação acionária – 4. Conclusão – 5. Referências
1. INTRODUÇÃO
A Lei 6.404/76, apesar de prever a possibilidade dos acionistas acordarem entre
si um direito de preferência na aquisição das suas respectivas participações acioná-
rias, não regulou a forma do seu exercício. O legislador deixou para os interessados,
valendo-se da autonomia da vontade e observando os limites legais pertinentes à
validade dos negócios jurídicos de um modo geral (art. 104 e 166 do Código Civil),
decidirem a respeito dos limites e implementação de tal direito.
Por vezes, a falta de um regramento legal específ‌ico e a impossibilidade das partes,
por motivos diversos, conseguirem regular adequadamente o direito de preferência
na aquisição de participações acionárias gera dúvidas e, consequentemente, conf‌litos,
não raramente decididos em processos judiciais ou arbitragens.
Contudo, ante a relevância do direito de preferência, também comumente
conhecido como prelação, para o direito societário, o seu estudo se mostra re-
levante. Ele desempenha relevante papel na dinâmica acionária, especialmente
quando se considera que as suas funções primordiais, para esse tipo de situação,
são a manutenção ou o aumento da participação do benef‌iciário da prelação
no capital social, preservando os seus interesses econômicos e políticos, ou o
impedimento do ingresso de terceiros estranhos no quadro de acionistas, como
mais adiante se tratará.
Dito isso, o que aqui se propõe, longe de se tentar esgotar o assunto, é contri-
buir para a discussão, apresentando os principais aspectos do direito de preferência
envolvendo a aquisição de participação acionária.
Para tanto, o presente artigo está estruturado de forma a se analisar a preferência
de uma forma geral, distinguindo-a de outros negócios que com ela algumas vezes
se confundem.
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RAFAEL MEDEIROS MIMICA
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Seguindo, trataremos das discussões que ainda envolvem a natureza do direito
de preferência, indicando a direção para a qual a mais respeitada doutrina a respeito
do assunto tem apontado.
Especif‌icamente quanto à prelação envolvendo a aquisição de participações acio-
nárias, abordaremos as suas funções e como elas devem ser consideradas para a inter-
pretação do negócio, especialmente para as situações envolvendo alienações indiretas.
2. O DIREITO DE PREFERÊNCIA, SUAS CARACTERÍSTICAS, FUNÇÕES E
INTERPRETAÇÃO
A preferência é o dever que alguém, a quem nos referiremos como sujeito pas-
sivo ou outorgante, tem de oferecer a outrem, a quem nos referiremos, para manter
coerência, como sujeito ativo ou outorgado, a celebração de um eventual contrato
futuro, em detrimento de um terceiro com quem o primeiro [sujeito passivo] já terá
negociado e ajustado as condições da contratação def‌initiva, cabendo ao sujeito ativo
se sub-rogar, ou não, na posição daquele terceiro no negócio entabulado.
O primeiro traço de destaque da preferência corresponde à inexistência de uma
obrigação do outorgante de contratar. Trata-se de uma faculdade do sujeito passivo
que, caso exercida, dará início à relação dinâmica que envolve a preferência.
A prelação tem origem em lei ou em negócio jurídico convencionado entre as
partes interessadas.
São exemplos sempre lembrados de preferências legais (a) o direito do locatário para
adquirir o imóvel locado nos casos de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de
cessão de direitos ou dação em pagamento (art. 27, caput, da Lei 8.245/91), (b) o direito
do arrendatário rural no caso de alienação do imóvel arrendado (art. 92, § 3º, da Lei
4.504/64) e (c) o direito do condômino em coisa indivisível à fração ideal vendida por
outro condômino a estranhos ao condomínio (art. 504, caput, do Código Civil).
Por sua vez, a prelação convencionada encontra campo fértil na autonomia da
vontade das partes integrantes do negócio jurídico, sem que se descuidem, obvia-
mente, dos limites estabelecidos em lei para a sua validade.
Apesar da preferência convencional mais usualmente constar de ajustes que
envolvem a alienação de bens, não nos parece que as partes estejam impedidas de
contratar a prelação em outros negócios bilaterais, tais como, por exemplo, em lo-
cações e prestações de serviços.1 Aqui como lá, a essência do instituto é garantir a
1. “O instituto da preferência tem como f‌im último proporcionar ao sujeito ativo, futura e eventualmente, a
celebração de um contrato. A estrutura da relação prelatícia, tal como prevista no sistema jurídico brasileiro,
não restringe a aplicação do instituto a negócios jurídicos translativos de propriedade. Signif‌ica dizer que,
apesar de, em grande parte das vezes, o direito de preferência [tanto o legal, quanto o convencional] estar
atrelado a um contrato de alienação, em especial de compra e venda, é possível instituir preferência na cele-
bração de outros negócios jurídicos, desde que com ela compatíveis. Assim, nada impede que as partes, via
pacto de prelação, ou até mesmo a lei, estabeleçam relações jurídicas de preferência envolvendo contratos
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