Jurisdição à arbitragem e aspectos conceituais

Páginas53-92
Alfredo Bochi Brum
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CAPÍTULO II JURISDIÇÃO À ARBITRAGEM E
ASPECTOS CONCEITUAIS
Talvez neste capítulo resida um dos maiores desafios deste
estudo, através do qual se buscará efetivar o enfrentamento da
jurisdição e sua correlação com o instituto da arbitragem.
1. Jurisdição e arbitragem
Como já adiantado anteriormente, questão de relevo, porém
não menos polêmica, a ser enfrentada no avanço do estudo sobre a
arbitragem, é efetivar uma verificação sobre o enfoque conceitual de
jurisdição (jus dicere, jurisdictio) que, a b initio, pode ser vista como
o poder de dizer o direito, e se a mesma mantém alguma correlação
com o instituto ora investigado.
Antes de mais nada, deve ser referido que o exercício da
jurisdição é um poder autônomo
112 e dependente de provocação113
da parte interessada. Na sua forma tradicional (jurisdição judiciária),
geralmente, a provocação é efetivada através do direito subjetivo do
autor que, com base no direito objetivo que julga ter, apresenta seu
pleito ao poder judiciário que, por sua vez, é independente dos
demais poderes (executivo e legislativo). Nesse aspecto, deve ser
reportado que também a arbitragem depende de provocação e esta
deve sempre advir de um ajuste bilateral entre os contendores
(provocação conjunta).
Talvez por isso, poder-se-ia referir que a arbitragem até
mesmo possui um maior grau de legitimidade em sua provocação, já
112 Princípio da autonomia ou princípio da independência. “A jurisdição não pode sofrer
interferência de fatores externos a ela, nem mesmo de outros órgãos superiores do próprio
Poder Judiciário”. (PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1995, p. 72)
113 Princípio da inércia da jurisdição. “Não proceda o juiz de ofício (Ne procedat juidex ex
officio). Ninguém é juiz sem autor (Nemo judex sine actore)”. (PORTANOVA, op. cit., p. 69).
A Arbitragem na Seara dos Conflitos Coletivos e
Individuais de Trabalho
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que esta é efetivada, em geral
114, conjuntamente. Ainda dentro dessa
análise inicial, deve ser destacado que a arbitragem contém uma
grande carga de a utonomia (como na jurisdição estatal), que é
outorgada pela provocação das próprias partes envolvidas na relação
conflituosa, segundo a lei.
Quanto à autonomia ou independência115, destaca-se que,
por vezes, pode assumir a arbitragem uma maior amplitude se tiver
em vista a possibilidade de utilização de um juízo por equidade, não
necessariamente arraigado estritamente ao direito objetivo. Não se
pode pensar que nessa busca de abertura conceitual sobre a
jurisdição, na tentativa de alcançá-la também à arbitragem116, não
estejam presentes elementos que possam filtrar a independência
supramencionada, seja da jurisdição tradicional (judiciária), seja da
jurisdição arbitral. Em ambas, devem estar presentes a provocação
da parte ou das partes (esta pluralidade provocativa muito mais afeta
à arbitragem), a observância da imparcialidade117 do julgador (juiz
togado ou árbitro) e o respeito aos princípios da ampla defesa e do
114 Fala-se “em geral”, em vista de que pode ocorrer, excepcionalmente, que uma das
partes que tenha firmado a cláusula compromissória relute em fixar o compromisso arbitral,
questão que enfrentaremos mais adiante. Todavia, essa não é e nem deve ser a regra.
115 “As zonas cinzentas instaladas nas fronteiras dos encargos afetados aos três órgãos da
soberania o executivo, o legislativo e o judiciário não comprometem a essência e o
fundamento da separação. Se, na partilha c onstitucional, alguma atribuição não respeita
com rigor aquilo que fundamentalmente deveria, em princípio, pertencer a cada um dos
órgãos da soberania, isso se dá apenas em aspectos periféricos ou marginais, que não
invalidam a essência da distinção entre as suas genuínas e específicas funções. Não será,
portanto, em razão desses pequenos desvios de competência que a doutrina se verá
impedida de pesquisar e indivi duar aquilo que forma a substância da função de cada
segmento da soberania”.
116 O jurista Carlos Alberto Carmona, um dos integrantes da Comissão que elaborou o
projeto da atual Lei da Arbitragem ( Lei 9.307/96), desde 1993, defendia a
jurisdicionalidade da arbitragem, referindo que “parece ser universal a tendência de ampliar
o conceito de jurisdição”. (CARMONA, A arbitragem no Processo Civil Brasileiro. São
Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 13).
117 Convém distinguir independência de imparcialidade: “A independência diz com a função,
com o ofício de julgar. É porção técnica jurisdicional do Estado. Já a imparcialidade diz com
o juiz, com o homem julgador”. (PORTANOVA, op. cit., p. 73).
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contraditório
118, tudo de modo a não inquinar de vício o processo
jurisdicional, seja judiciário, seja arbitral. Com isso, desde já,
expõe-se a posição favorável à tentativa de abertura conceitual da
jurisdição, estendendo este poder também à arbitragem.
Interessante referir que uma das justificativas do princípio
da inércia da jurisdição está exatamente na “alegação de
preservação da imparcialidade, já que, se ao juiz fosse dado iniciar
um processo, ele estaria psicologicamente comprometido com a
solução final”119.
Sabe-se que, numa análise mais simplória do termo
jurisdição, esta significa “dizer o direito” (jus dicere, jurisdictio).
Esta foi uma noção sumária com que se abriu o presente capítulo.
Agora, resta definir se o direito só pode ser dito pelo Estado ou se a
arbitragem é uma das formas de dizer o direito sem a intervenção
estatal (ao menos direta120), ou seja, se também o instituto da
arbitragem pode assumir a categoria de instrumento jurisdicional.
Como foi adiantado, desde o projeto inicial deste
trabalho, aqui reside um dos maiores desafios, pois existe um sem
número de posicionamentos reportando que a atividade jurisdicional
seria exclusiva do Estado.
Inúmeras foram as tentativas de caracterização conceitual
de jurisdição, com vistas a destacar qual seria o seu traço mais
marcante. Dentre elas, para fins de não se estender ao extremo,
optou-se por referir às que foram efetivadas por Chiovenda, Allorio
e Carnelluti.
Ao final, serão feitas referências de juristas pá trios, a
exemplo, dentre outros, de Humberto Theodoro Júnior e Nilton
César Antunes da Costa, com manifestações publicadas no ano de
119 PORTANOVA, op. cit., p. 71.
120 Diz-se isto pois a arbitragem advém de uma autorização estatal emanada do legislador,
o qual permite que não seja o Estado/Judiciário o órgão julgador de um conflito, mas que,
como dito, tem sua origem no permissivo legal que advém do Estado .

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