Arbitragem como forma de solução de conflitos: conceito e aplicabilidade

AutorAntônio Raimundo de Castro Queiroz Júnior - Eliane do Carmo do Nascimento
Ocupação do AutorMestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes.
Páginas423-436

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1. Introdução

O instituto da Arbitragem compreende uma das formas alternativas de solução de conflitos inserida dentro da heterocomposição1.

O seu estudo não é recente, existindo desde fase anterior à própria institucionalização da jurisdição estatal. Contudo, sua abrangência ganha maiores contornos no atual contexto de globalização, em que as relações e contratos ultrapassam limites geográficos.

O presente trabalho pretende tecer considerações sobre a arbitragem nacional e internacional, a evolução histórica do instituto, sua regulamentação nacional pela Lei n. 9.307/1996, sua área de aplicação: Administração Pública, Direito Individual e Coletivo do Trabalho.

2. Etimologia e conceito

A etimologia da palavra arbitragem é derivada do latim arbiter, que significa juiz, jurado2 e remonta à origem do instituto, no processo romano, em que o arbiter ou iudex correspondia a um sujeito idôneo que não pertencia ao quadro funcional do Império e julgava a lide após o pretor preparar a ação3.

De acordo com Mauricio Godinho Delgado, a "arbitragem é um tipo procedimental de solução de conflitos mediante o qual a decisão, lançada em um laudo arbitral, efetiva-se por um terceiro, árbitro, estranho à relação entre os sujeitos em controvérsia e, em geral, por eles escolhido". 4

Adriana Goulart de Sena compreende que a arbitragem: "Ocorre quando a fixação da solução de certo conflito entre as partes é entregue a um terceiro, denominado árbitro, em geral por elas próprias escolhido"5.

A Comissão de Mediação e Arbitragem da Seção de Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/MG - destaca a arbitragem como sendo uma forma de solução de controvérsias, caracterizada pela especialidade do julgamento, que, de forma sigilosa e definitiva, resolve a lide atacando

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diretamente o centro do conflito, através da escolha de um ou mais árbitros especializados no assunto6.

3. Natureza jurídica

O estudo da natureza jurídica de um instituto reflete sua expressão ontológica, considerando seus elementos constitutivos.7

Lutiana Nacur8 citando Franco Filho, relaciona as características da arbitragem: negócio jurídico típico, puro (não derivado de outro instituto), consensual ou formal, bilateral, de execução diferida, individual ou coletivo.

Márcio Yoshida enumera três correntes doutrinárias em torno da discussão da natureza jurídica da arbitragem: (a) - teoria contratualista, (b) - teoria jurisdicional e (c) - teoria mista.

A teoria contratualista se justifica na autonomia da vontade das partes que, sem interferência estatal, convencionam em torno da solução do conflito, dependendo essencialmente da expressão da vontade destas para o alcance dos fins almejados.

Para a teoria jurisdicional, a arbitragem se assenta na atribuição de julgar litígios, sendo conferida aos árbitros competência para proferir laudos com a qualidade de título executivo judicial, sendo dispensável a homologação judicial das sentenças arbitrais. Segundo ainda tal teoria, o art. 14 da Lei n. 9.307/1996 expressa que os árbitros são juízes de fato e de direito, submetendo-se aos meus casos de impedimentos e suspeições aplicados aos juízes estatais.

Divergindo das correntes publicistas e privatistas, surge uma terceira corrente que procura conci-liar as duas posições. Nas lições de Irineu Stenger: "Arbitragem é instância praticada em função de regime contratualmente estabelecido, para dirimir controvérsias entre pessoas de direito privado e/ou público, com procedimentos próprios e força executória perante tribunais estatais"9.

Sérgio Pinto Martins, citado por Márcio Yoshida, afirma sobre a teoria mista:

[...] Envolvendo o contrato e a jurisdição, em que as partes contratam com um terceiro para dizer quem deles tem o direito. A primeira fase da arbitragem é contratual, tendo como base a cláusula compromissória, que decorre do acordo de vontade. A segunda fase é jurisdicional, em que o árbitro irá dizer o direito aplicável à espécie.10

Márcio Yoshida aponta a posição que compreende ser a mais adequada:

A teoria mista parece-me a que melhor compreende o instituto da arbitragem, impondo ressaltar que as premissas para o enquadramento jurídico no âmbito da dicotomia do direito público ou privado se revelam precárias e insuficientes, diante da complexidade, da dimensão e da diversidade dos fenômenos sociológicos e jurídicos hodiernos.11

4. Considerações históricas

A arbitragem é considerada um dos institutos de solução de controvérsias mais antigos que se conhece na história do Direito. Especificamente, em um momento em que prevalecia a justiça privada, aproximadamente 3000 anos a.C, entre os povos antigos, a arbitragem e a mediação constituíam meio comum para sanar os conflitos entre as pessoas.

Posteriormente, atribui-se a terceiros ou grupos sociais a solução dos conflitos, não sendo mais realizada diretamente pelo ofendido. Somente após este passo histórico, surge a justiça pública tutelada pelo Estado.

De acordo com Figueira:

Essa etapa da forma de solução de conflitos aparece em quatro etapas: a) - a resolução das questões pela força individual ou do grupo (autotutela), sendo que os costumes, com o passar dos tempos, foram estabelecendo as regras para distinguir a violência legítima da iletígima; b) - arbitramento fa-

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cultativo, através do qual o ofendido ao invés de usar da força e violência individual ou coletiva contra o ofensor, opta em comum acordo com a parte contrária, por receber uma indenização ou escolher um terceiro (árbitro) - para fixá-la; c) - arbitramento obrigatório determinado pelo Estado quando os litigantes não indicavam árbitros e sua escolha para dirimir a controvérsia. O Estado passou também a assegurar a execução forçada da sentença, caso o sucumbente não a cumprisse espontaneamente; d) - justiça pública, porque encampada pelo Estado para a solução dos conflitos, com execução forçada da sentença, se necessário.12

Ainda, prossegue Figueira, no Direito Romano, tais fases foram aplicadas: a primeira, com a pena de Talião, instituída nas XII Tábuas; a segunda, durante o desenvolvimento do Direito Romano, com a admissão de terceiros (árbitros), independente da presença estatal, para solucionar conflitos; a terceira, nos sistemas processuais romanos, o da legis actiones (mantinha traços da justiça privada, porém, com uso de formalismo) - e o per formulas (aplicado aqueles que não podiam se utilizar da legis actiones, superado o rigor formalista, com a utilização de fórmulas nas pretensões); e a quarta, a cognitio extraordinária (tornou-se a única forma de processo civil romano, caracterizada pelo abandono da formalidade e com a participação do Estado).13

No Digesto14 (Liv. IV, Tít. 8, Cód. Liv. II, Tít. 55), sob o nome de receptis, o pretor dispunha sobre as responsabilidades de sujeitos, árbitros, armadores de navios, entre outros. O ato do árbitro em aceitar o encargo se denominava arbitrium recipere e ao julgamento se chamava sententia.

Com a instituição do pacto de compromisso, no qual ocorria o juramento das partes e do árbitro. Caso ocorresse o inadimplemento por uma das partes, tal fato era objeto de ação ajuizada perante o magistrado para compelir a parte inobservante à execução do laudo arbitral, sendo ainda, vedado ao juiz o julgamento do mérito.

Na história da Grécia Antiga, há traços de utilização da arbitragem como forma de solução de conflitos. Com base nos estudos de Pedro A. Batista Martins, Esparta e Atenas (455 a.C.) - firmaram um tratado que continha cláusula compromissória para utilização da arbitragem como solução pacífica de interesses15.

Entre os povos hebreus, a prática da arbitragem reservava-se à solução dos conflitos de natureza privada, por um colegiado denominado Beth-Din, "formado por três árbitros, considerados ‘doutores da lei’, competentes para julgar todas as matérias, atendendo-se aos princípios bíblicos" 16.

Na Idade Média, também era comum a adoção da arbitragem como meio de resolver os conflitos entre nobres, cavaleiros, barões, proprietários feudais e, fundamentalmente, entre comerciantes. Nessa época se deu o surgimento da arbitragem comercial, vez que era considerada mais eficiente e dinâmica na solução dos conflitos do que os tribunais estatais.

O Direito Lusitano medieval previa a utilização da arbitragem. As ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas disciplinavam este sistema de composição dos conflitos.

Na primeira metade do século XX, a American Arbitration Association - AAA - surge como referência na aplicação da arbitragem como forma de solução de conflitos. Segundo Sidnei Agostinho Beneti "a arbitragem é amplamente utilizada no comércio internacional, que dela não pode prescindir em sua modalidade contratual, à vista da inexistência de jurisdição estatal que sobrepaire sobre as relações internacionais [...]"17.

Números colhidos por José Maria Rossine Garcez demonstram acentuada difusão da arbitragem no Estado norte-americano, a partir do trabalho promovido pela AAA, que alcançou um grupo de mais de 57.000 árbitros e 35 sedes físicas espalhadas em todo o...

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