Natureza da Arbitragem como Método Alternativo de Resolução de Disputas e sua Aplicabilidade na Justiça do Trabalho

AutorMorgana de Almeida Richa
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, especialista em Direito do Trabalho e pós-graduanda em Direito Constitucional, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. É Juíza do Trabalho Titular da 15ª Vara do Trabalho de Curitiba e foi conselheira junto ao Conselho Nacional de Justiça, de 21.7.2009 a 20.7.2011.
Páginas164-178

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Introdução

A arbitragem nada tem de moderna, ao contrário, é um instituto dos mais longevos na história da humanidade, utilizada já na Babilônia 3.000 anos antes de Cristo; evidenciou-se no Direito Romano como uma modalidade obrigatória que antecedeu a solução estatal clássica; esteve presente, outrossim, na Grécia antiga; ganhou importância expressiva na Idade Média como um método que regulava diver-gências entre comerciantes a partir da adoção de usos e costumes, a desaguar em tempos modernos na lex mercatoria; obteve destaque em período prévio ao descobrimento do Brasil, na medida em que por meio de uma arbitragem realizada pelo Papa Alexandre VI, em 1494, dividiram-se entre portugueses e espanhóis terras "descobertas e a descobrir", pelo Tratado de Tordesilhas; em nosso país figurou normativamente pela primeira vez na Constituição do Império de 1824, ao possibilitar a nomeação de juízes-árbitros nas causas cíveis e penais, civilmente intentadas; por fim, o Código Comercial de 1850 preconizava em al-guns de seus dispositivos o arbitramento obrigatório, estatuída a figura do juízo arbitral.

À contextualização do cenário histórico seguiu, em certa medida, um longo vácuo no prosseguimento material e normativo da arbitragem, que na evolução cultural padeceu de dificuldades para afirmar o instituto em larga escala, período no qual prevaleceu a solução estatal de forma quase absoluta. Apenas mais recentemente, a arbitragem conquistou um avanço notório no Brasil, com especial registro para o respaldo decorrente do desenvolvimento exitoso na seara internacional, conforme ressalta Demócrito Ramos Reynaldo Filho:

Sem a disposição de ensejar um debate ideológico, sobre atender ou não às exigências do pensamento neoliberal, pensamos que a nova Lei procura adequar nossa ordem jurídica inter-na à realidade da sociedade moderna, onde as relações econômicas, globalizadas, favorecidas pela rede mundial de computadores, se dão num ritmo frenético, aumentando vertiginosamente a produção e distribuição dos bens de consumo de forma ainda mais dinâmica do que a proporcionada pela "revolução industrial", surgindo daí a necessidade de aperfeiçoamento e melhora dos mecanismos de distribuição de justiça - demasiadamente carregados pela

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pletora de demandas decorrentes desse processo - através de formulação de novas técnicas e métodos alternativos de solução das controvérsias, dos quais a arbitragem vem servir como o mais lídimo, avançado e renovador exemplo.1

Neste aspecto, destacamos que o comércio internacional constituiu um locus privilegiado para o uso e a afirmação da arbitragem, na medida em que a globalização permitiu transpor fronteiras internacionais dos Estados, em espaço de necessária integração de regras, não alcançadas pelas legislações internas tão somente, fazendo-se, portanto, necessário um mecanismo que pudesse abarcar a complexidade das relações, dar segurança quanto ao regramento aplicável para a resposta das controvérsias contratuais surgidas a partir de peculiaridades de alta indagação entre partes e questões envolvidas.

Em linear grau de crescimento temporal aparecem as diferentes instituições internacionais de renome, ocupadas da regulamentação e uniformização relativas à troca de bens e serviços através das fronteiras internacionais ou territórios, com inegável destaque para a Lei Modelo da Uncitral, elaborada em 1985, pela Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional. Não obstante ter em consideração a arbitragem comercial internacional, esta lei protagonizou um relevante papel de modernizar as leis internas de arbitragem em diversos países e promover, por consequência, a regulação das normas adotadas nos sistemas legislativos pátrios, inclusive no Brasil, que seguiu tal orientação ao elaborar a Lei n. 9.307/96.

Logo nas primeiras luzes do regramento aprovado surge a discussão acerca da sua constitucionalidade, ante o art. 5º, XXXV ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito"), da Constituição Federal de 1988, aventada a exclusão do acesso ao Poder Judiciário, pacificada, entretanto, pelo Supremo Tribunal Federal após cinco anos de tramitação, na esteira de que exercitado o direito à tutela quando da opção pelo ingresso na via arbitral.

Dirimida a controvérsia de maior envergadura, remanescem outras objeções de necessária reflexão, de especial interesse na presente abordagem a natureza jurídica da arbitragem pelas características do instituto e efeitos a partir de então desencadeados. Considerando que "o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário" (art. 18), que a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da decisão judicial (art. 31), então estaria mitigada a noção de jurisdição estatal? O âmbito da Justiça privada no contingente desenhado tem a mesma natureza do exercício do poder estatal?

Em prosseguimento, abordada em maior profundidade a feição do instituto, indagamos: a diretriz do art. 1º da Lei - no sentido de que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" - alcançaria as relações de trabalho no espectro da natureza disponível de determinados direitos sociais?

A previsão de irredutibilidade salarial (salvo convenção ou acordo coletivo conforme o art. 7º, VI, da Constituição Federal de 1988) - assim como a escolha de árbitros se frustrada a negociação coletiva e o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica após recusa à negociação coletiva ou à arbitragem (art. 114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal) - justifica a utilização da arbitragem como um meio de pacificação social no direito do trabalho?

Do modelo tradicional de acesso à justiça aos métodos alternativos

O sistema hoje conhecido como "múltiplas-portas" ou "multiportas" decorreu inicialmente de uma abordagem inovadora elaborada pelo professor de Harvard, Frank E. A. Sander, em 1976, ao se debruçar sobre a demanda crescente nos tribunais dos Estados Unidos e a insatisfação popular com o sistema Judiciário. Sua proposta previa programas diferenciados de solução diversa da adjudicada, estabelecidas portas apropriadas ao conflito, dentro ou fora do tribunal, mediante diagnóstico das causas e subsequente encaminhamento para solução pelo meio mais adequado; a meta era estabelecer sistemas aptos a reduzir ou eliminar a frustração dos cidadãos e desenvolver programas que preenchessem as lacunas nos serviços de administração da Justiça.

O programa nascido de forma experimental desencadeou um vasto campo de Alternative Dispute Resolution (ADR), um mecanismo paraestatal, no Brasil conhecido por "meios alternativos de resolução de disputas", composto de um diferente número de processos que inclui conciliação, mediação, arbitra-

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gem, serviços sociais e governamentais, cada qual mediante técnicas abalizadas para auxiliar a solução dos conflitos de maneira que melhor pudesse atender à natureza das demandas, ao mesmo tempo em que objetivou a construção de aptidões sociais para os litigantes.

A estruturação dos métodos alternativos diversificando o tratamento tradicional dos conflitos foi o passo seguinte, diante do sucesso das técnicas de ADR, agregadas, ainda, semanas de conciliação como experiências exitosas. Restou, então, consolidada a estruturação permanente do programa nas cortes respectivas. Deste modo, enraizou-se na cultura americana, nos anos 1980 e 1990, o modelo possibilitador de uma gama de atuação disponível antes do ingresso no Poder Judiciário ou a qualquer tempo após o ajuizamento da demanda, destinadas as causas, a partir de sua natureza, a um tratamento adequado do conflito, no sentido de propiciar melhor qualidade de solução.

O Brasil em contexto um pouco mais tardio trilhou uma trajetória semelhante. Permeado por críticas sociais em razão do mau funcionamento do aparato, o Poder Judiciário brasileiro passou, nos últimos anos, por uma sucessão de transformações legislativas e estruturais, em busca da efetividade. Por causa disso, desencadeou-se um redesenho do sistema de Justiça, cujo ápice esteve concentrado na reforma do Poder Judiciário, iniciada em 1992 e concretizada pela Emenda Constitucional n. 45, de 30.12.2004.

No âmbito da competência constitucional atribuída pela reforma ao Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B da Constituição Federal de 1988), passou o órgão, com atuação em todo território nacional, a estabelecer ações de planejamento, coordenação e controle para o aperfeiçoamento da prestação da Justiça, delineadas as diretrizes estratégicas para a proposição de políticas judiciárias, inserida em sua missão a ampliação do acesso à Justiça, pacificação e responsabilidade social.

Em face das limitações dos mecanismos processuais destacaram-se os instrumentos consensuais de solução dos conflitos intersubjetivos de interesses, com ênfase, por certo, à conciliação e à mediação, vias concretas para desafogar o Poder Judiciário. Esta a contribuição para que a sociedade compusesse seus conflitos com menor grau de intervenção do Estado, exatamente como o modelo americano já diagnosticara em passado próximo, alavancando a construção de portas alternativas para a resposta transformadora.

O atributo do conhecimento galgou relevo como um instrumento para a projeção de uma política judiciária nacional. O desempenho das estruturas funcionais produziu dados e indicadores para o encaminhamento de soluções dos maiores gargalos que constituem entraves para a celeridade processual, constatada a estabilização da demanda nacional em aproximadamente 90...

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