Arbitragem e competência

AutorHaroldo Malheiros Duclerc Verçosa - Fernando Medici Junior
Páginas269-274

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Introdução

Uma grande confusão estabeleceu-se na instauração de procedimento arbitral envolvendo partes brasileiras e duas câmaras distintas de arbitragem no que se considera ter sido um dos primeiros casos envolvendo conflito de competência entre entidades administradoras de procedimento arbitral.

Como será demonstrado neste artigo, a confusão nasce em função de cláusula patológica de compromisso arbitral contida no contrato entre as partes, passa por um claro equívoco na determinação do papel e dos poderes das câmaras arbitrais e segue, até o momento, na equivocada interpretação das funções judicantes do Superior Tribunal de Justiça. Por haver chegado ao Judiciário, ficou superada a questão do sigilo do procedimento arbitral sob análise.

1. Os fatos

A empresa Pecuária Unit Santa Clara Ltda. ("Pecuária Sta. Clara"), celebrou compromisso de venda e compra de imóvel com Fazenda Reunidas Curuá Ltda. e Outros ("Reunidas Curuá"), tendo por objeto 23 (vinte e três) glebas de terra na Comarca de Água Boa, Estado de Mato Grosso.

Ainda por meio do instrumento, as partes estabeleceram que toda e qualquer controvérsia acerca do negócio jurídico seria solucionada por arbitragem, que seria administrada pela "Câmara de Arbitragem da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP".

Em 18.7.2009 a Pecuária Sta. Clara iniciou procedimento de arbitragem contra a Reunidas Curuá perante a Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo (CMA), pertencente ao CIESP, argumentando, entre outras coisas, que a área vendida era menor em 1.600 hectares que a declarada no instrumento.

Embora tenha dado início ao procedimento arbitral, contudo, a Pecuária Sta. Clara deixou de efetuar o depósito inicial de adiantamento de custas e honorários dos árbitros, motivando o arquivamento do procedimento em 19.4.2010. Aproximadamente dois meses depois - em 30.6.2010 - o procedimento foi retomado, após terem sido recolhidos aquele valores.

Durante o período de arquivamento do procedimento arbitral perante a CMA, um novo procedimento arbitral foi instaurado, dessa vez pela Reunidas Curuá, pe-

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rante a Câmara Arbitral do Comércio, Indústria e Serviços de São Paulo (CACI), em 9.6.2010, para discussão dos mesmos fatos.

Foi após as duas entidades arbitrais terem se considerado eleitas contratualmente pelas partes para administrar o procedimento arbitral, que o conflito de competência jurisdicional foi suscitado pela Pecuária Sta. Clara perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), implicando a suspensão das duas arbitragens.

Após ter sido processado, o conflito positivo de competência foi extinto pelo STJ, que se considerou incompetente para analisar esse tipo de conflito privado entre partes.

2. Cláusula patológica: ausência de determinação precisa do nome da entidade administradora da arbitragem

A grande confusão que se estabeleceu em torno da instauração da arbitragem tem origem clara na redação patológica da cláusula compromissória de arbitragem contida no contrato entre as partes. Muito já se escreveu sobre o assunto que, infelizmente, continua atual.

De natureza jurídica complexa, a arbitragem se apresenta em parte como um contrato entre os celebrantes e, sob tal aspecto, a sua regulação deve ser a mais clara possível e autossuficiente para dar ensejo à instauração da arbitragem por qualquer das partes quando do nascimento do conflito, independentemente da intervenção do Judiciário.

De há muito têm sido cantadas e decantadas as vantagens da arbitragem em relação ao Judiciário. Fala-se em especialidade dos julgadores, que podem ser escolhidos pelas partes em função de seu especial conhecimento da matéria objeto da controvérsia, e principalmente de celeridade, quando comparado o trâmite de uma arbitragem ao de uma ação judicial, com os diversos recursos que lhe são inerentes. Acrescente-se os chamados custos de transação inerentes ao processo judicial, que sobrecarregam intensamente as partes não somente pelos valores considerados, mas pela extrema demora de uma solução final. Além disto, em tese, os árbitros conhecem com maior profundidade do que um juiz...

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