Áreas de preserv ação permanente (app)

AutorMaria Luiza Machado Granziera
Páginas423-448
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ÁREAS DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE (APP)
29.1 ALTERAÇÕES DO CÓDIGO FLORESTAL1
Conforme já detalhado no Capítulo sobre Flora e Florestas, a Lei nº 12.651/12, que
revogou o Código Florestal (Lei nº 4.771/65) alterou significativamente o tratamento jurí-
dico aplicável às áreas especialmente protegidas, ensejando uma série de debates acerca de
supostas violações constitucionais introduzidas pela nova norma.
De um modo geral, criticou-se o retrocesso na proteção ambiental, com a supressão
de certas áreas especialmente protegidas e, mais grave, a anistia a infrações ambientais
ocorridas no passado.
Nesse contexto, a Procuradoria-Geral da República ajuizou 3 ações diretas de incons-
titucionalidade (ADI),2 apontando ofensas à Constituição em diversos dispositivos da Lei nº
12.651/12. Posteriormente, uma quarta ADI foi ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL), questionando dispositivos da mesma lei.3 A Lei foi, ainda, objeto de uma ação decla-
ratória de constitucionalidade (ADC)4, proposta pelo Partido Progressista. O julgamento das
ações do controle concentrado de constitucionalidade foi concluído pelo STF em 28-02-2018,
reconhecendo a validade de vários dispositivos, declarando alguns trechos inconstitucionais e
atribuindo interpretação conforme a Constituição Federal em relação a outros itens.
Considerando a relevância das modificações instituídas, bem como a polêmica que
causaram e ainda causam, é importante verificar como ficou o tratamento jurídico das
APP após a entrada em vigor da Lei nº 12.651/12. Sendo assim, após a conceituação e de-
finição das APP, passaremos a analisar os dispositivos mais polêmicos da nova lei, supos-
tas inconstitucionalidades e o entendimento do STF sobre elas, e como as modificações
introduzidas impactam na proteção dessas áreas. Em seguida, os demais temas relativos a
APP serão tratados à luz da lei vigente.
De qualquer modo, após a definição, pelo STF, do que se encontra em vigor em re-
lação ao Código Florestal, o desafio é implementar a norma, aplicando seus dispositivos e
garantindo, minimamente, segurança jurídica para todas as partes.
29.2 CONCEITO E DELIMITAÇÃO DAS APP
O conceito legal de Área de Preservação Permanente (APP) é dado pela Lei nº
12.651/12, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Trata-se de
1. Mais informações sobre o histórico da Lei nº 12.651/12 no capítulo sobre Flora e Florestas.
2. ADIs nos 4.901, 4.902 e 4.903.
3. ADI nº 4.937.
4. ADC nº 42.
DIREITO AMBIENTAL • MARIA LUIZA MACHADO GRANZIERA
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área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos
hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e
flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.5
Ao estabelecer uma função ambiental para as Áreas de Preservação Permanente, a
lei admite a relevância desses espaços para a proteção da vegetação, da água, da estabilida-
de geológica, da fauna e da flora, entre outros. Essa função não decorre de decisão política,
mas do conhecimento científico da inter-relação necessária entre os vários elementos que
compõem os recursos ambientais. Os ecossistemas se desenvolvem em locais específicos e
não necessariamente se manteriam em quaisquer outras condições.
Daí a importância de se entender o reflexo da função ambiental na manutenção do
equilíbrio entre os vários recursos naturais, constituindo o núcleo essencial do meio am-
biente e que não pode (ou não poderia) ser objeto de relativização, já que se encontra pro-
tegido em nível constitucional. A função ambiental, portanto, está associada ao equilíbrio.
Há que mencionar, também, que não se está apenas tratando do meio ambiente, de
forma isolada. A atividade agrícola precisa de um solo protegido, da água, da floresta e da
fauna, pois esses elementos são essenciais para uma produção sustentável. Um exemplo
disso consiste na polinização. Sem a presença de insetos e pássaros, fica comprometida a
produção de certos produtos agrícolas, pois o homem ainda não sabe realizar esse ser viço
ambiental.
Segundo Herman Benjamin, o objeto da função ambiental – bem ambiental – é
identificado ora com o meio ambiente, como categoria única e global, ora com partes ou
fragmentos deste (uma determinada montanha, um córrego específico, um ecossistema lo-
calizado). Tal é decorrência da forma macro ou micro com que se analise a questão. No
caso em tela está-se fazendo uma relação necessária entre o solo e a vegetação, associada
à fauna.
Continuando, Herman Benjamin ensina que o meio ambiente, como bem objeto da
função ambiental, é gênero amplo (macrobem) que acolhe uma infinitude de outros bens –
numa relação assemelhada à dos átomos e moléculas –, menos genéricos e mais materiais
(microbens): são “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários,
o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”, ou em outras
palavras, os elementos da hidrosfera, da litosfera, da atmosfera, da biosfera e, quiçá, também
de uma antroposfera. Assim, de uma maneira muito geral, pode-se dizer que o objeto (ma-
cro) da função jurídica ambiental é o bem ambiental, isto é, o meio ambiente como realidade
abstrata e proteiforme.6
Quanto ao domínio, as Áreas de Preservação Permanente acompanham a proprieda-
de do solo, o que significa que ocorre APP em áreas de propriedade privada e também pú-
blica, assim como nas Unidades de Conservação e outros espaços protegidos. Em termos
de normas aplicáveis, prevalece a legislação mais restritiva, com vistas à maior proteção
dos elementos que exercem as funções ambientais da APP.
Embora permaneça na posse do espaço, o proprietário não poderá fazer intervenções
na área nem suprimir sua vegetação, observando-se, todavia, as exceções previstas na Lei
5. Lei nº 12.651/12, art. 3º, II.
6. BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcelos e. Função Ambiental. In: Dano ambiental: prevenção, reparação e repressão.
São Paulo: RT, 1993, p. 60.

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