Artigos 372 a 401-B

AutorRodrigo Trindade de Souza e Cinthia Machado de Oliveira
Páginas237-251

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Rodrigo Trindade de Souza

Juiz do Trabalho no TRT-RS. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Especialista em Direito do Trabalho pela UDELAR (Montevideo-Uy) e pela Unibrasil (Curitiba-PR). Professor da disciplina de Direito do Trabalho III da Femargs – Escola da Magistratura do Trabalho do RS. Professor convidado em cursos de pós-graduação em diversas instituições. Vice-Presidente da Academia Sul-Rio-Grandense de Direito do Trabalho – ASRDT. Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – Amatra-IV.

Cinthia Machado de Oliveira

Juíza do Trabalho no TRT-RS. Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professora em curso de Graduação e Pós-graduação em Direito.

CAPÍTULO III

DA PROTEÇÃO DO TRABALHO DA MULHER

SEÇÃO I

Da Duração, Condições do Trabalho e da Discriminação contra a mulher

Em seu nascedouro, no século XIX, os movimentos operários possuíam como grandes pautas positivas a imposição de padrões de jornada, de segurança e de salário. A estas acompanhavam reivindicações negativas, de limitação de trabalho de menores e de mulheres. A par do grande avanço na Questão Operária, e sempre repaginados pela força da História, todos os pleitos permanecem em nosso tempo, objetos de políticas públicas, leis e reivindicações sindicais. A pauta, no entanto, em que se nota maior mutação diz respeito ao tema objeto destes comentários. Isso porque a trajetória do Direito do Trabalho confunde-se com a da emancipação feminina e, desde a primeira metade do século XIX as pautas transmudam-se para o paradigma de plena inserção das mulheres no mercado de trabalho e combate a possíveis discriminações.

O capítulo III do Título II da CLT (Das Normas Gerais de Tutela do Trabalho) demonstra o momento de transição entre os dois paradigmas do trabalho feminino. Busca unir dois tempos históricos, dois modelos sociais. De um laudo apresenta artigos – em sua maioria já revogados – de restrições laborais a mulheres, baseadas unicamente em condição de gênero. De outro, traz regras relativamente modernas tendentes à plena inserção no mercado laboral, combate a práticas discriminatórias e proteção da maternidade.

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Art. 372 – Os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este Capítulo.

Parágrafo único. Revogado pela Lei n. 13.467/2017.

O capítulo em comento é quase uma “mini-CLT”, com dispositivos trazendo regras de jornada, períodos de descanso, condições higiênicas e de saúde, limites de objeto de contrato e tutela à maternidade. Possui dispositivos que partem da especialidade de gênero da parte obreira e que têm aplicação privilegiada em tudo aquilo que não colidir com as normas gerais da Consolidação. Portanto, todos os demais dispositivos da CLT possuem aplicação ao labor feminino, caso não haja regra especial no Capítulo III. Havendo trabalho de funcionária menor de 18 anos, aplicam-se primeiramente as regras próprias do trabalho do menor (Capítulo IV), depois as do Capítulo III.

O parágrafo único1 previa a não incidência dos dispositivos seguintes para situações de trabalho familiar. Em verdade, independentemente da revogação da disposição em questão, o trabalho realizado dentro do âmbito da família não é próprio à relação de emprego, de modo que a exclusão alcança toda a CLT.

Sob o ponto de vista da modernização das relações humanas e da igualdade entre homens e mulheres, é positivo ver revogado norma que partia da arcaica presunção de que o estabelecimento pertencia ao homem, com trabalho subordinado da mulher. Ainda, utilizar a palavra “esposo” a CLT partia da concepção tradicional de família institucionalizada em casamento e com pessoas de gêneros diferentes. A atualidade nos mostra que as uniões familiares tendem à ampliação de conceitos, abrangendo uniões informais e alcançando pessoas de mesmo sexo. De qualquer forma, mesmo com a revogação do parágrafo único, a regra a ser retirada é de que trabalho em qualquer ambiente familiar socialmente análogo ao casamento tradicional exclui a relação de emprego. É bem verdade que a contemporaneidade de liquidez de relacionamentos por vezes torna difícil a identificação desse status, e nem sempre é evidente a identificação de estabilidade na união afetiva. Cumpre nessas situações averiguar se intimidade, projeção futura de permanência do relacionamento e compartilhamento de patrimônio são suficientemente robustas para exclusão da subordinação própria ao contrato de emprego.

Art. 373 – A duração normal de trabalho da mulher será de 8 (oito) horas diárias, exceto nos casos para os quais for fixada duração inferior.

O dispositivo repete o limite constitucional de jornada (art. 7º, XIII) e, portanto, traz regra compartilhada entre homens e mulheres.

O art. 373 deve, no entanto, ser entendido como de aplicação para o contrato de emprego standart. Convive com as exceções de outras jornadas, como de tempo parcial, de profissões regulamentadas e de limites mais extensos estabelecidos em normas coletivas, e inclusive com as novas determinações oriundas da Reforma Trabalhista, como de possibilidade de jornadas do tipo 12x362.

Art. 373-A – Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

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II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

IV – exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

V – impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

Parágrafo único – O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher. (Incluído pela Lei n. 9.799, de 26.5.1999)

O art. 5º, I, da Constituição Federal encerra o princípio da igualdade, o qual, em linhas muito gerais, possui duas conformações, positiva e negativa. A primeira apresenta orientação de busca de práticas de igual tratamento entre pessoas, permitindo que aqueles que estão em situação de vulnerabilidade sejam objeto de ações positivas, com privilégios justificados. Na dimensão negativa encerra-se o ordenamento de vedação de discriminações. Na esfera trabalhista, o art. 7º instrumentaliza grande parte dessas dimensões, como nos incisos XX (orientação positiva de proteção ao trabalho feminino) e XXX (determinação negativa de vedação de diferenças salariais).

A identificação das mulheres como grupo em situação de vulnerabilidade autoriza tratamento pontualmente privilegiado, essencialmente em razão dos primados de proteção à maternidade e proteção a condições físicas mais frágeis. O artigo 373-A busca a eliminação de obstáculos para ingresso da mulher no mercado de trabalho.

Os incisos I, II e III vedam práticas discriminatórias em razão de gênero, idade, cor, condição familiar, bem como quaisquer outros elementos. Tais discriminações podem ser identificadas na estática contratual (oferta do posto de trabalho e efetiva contratação), dinâmica (critérios de promoções e de alterações de remuneração) e extinção do contrato (dispensas discriminatórias). Embora inseridos em capítulo de proteção ao trabalho da mulher, as regras antidiscriminatórias em razão de cor, idade e condição familiar alcançam também o gênero masculino.

A regra de proibição de discriminação de mulheres na oferta do posto de trabalho é instrumentalizada no inciso I; nos incisos II e III há impedimento de discriminações em contratações, promoções, formação profissional e dispensa. A orientação, todavia, não é absoluta. Admite-se, como exceção, limitação de trabalho feminino em atividades de notória incompatibilidade com a condição de gênero. Ordinariamente, a necessidade de atuação exclusivamente masculina refere-se a trabalhos com imposição de força física considerável, como manutenção de redes pluviais. Partindo-se da mesma imposição fática, a fixação de limites de idade também pode ser considerada válida, mas apenas quando o trabalho notoriamente exigir grande atividade física.

Em comparações de trabalho de homem e mulher, acreditamos que, se o fato de maior força física masculina implicar produtividade expressivamente maior, poder-se-á inviabilizar pleito de equiparação salarial. Nessa específica situação, a diferença de gênero habilitará salários diferenciados, mas cumprirá ao empregador a firme demonstração da excepcionalidade.

Não há qualquer possibilidade de restrição de trabalho em razão de cor ou situação familiar.

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As práticas discriminatórias normalmente não são explícitas e demandam...

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