Artigos 457 a 467

AutorGuilherme da Rocha Zambrano
Páginas236-255

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CAPÍTULO II Da remuneração

1. Estado da técnica: atributos e proteção ao salário. São considerados atributos do salário a persistência, a periodicidade, a essencialidade e a indisponibilidade, pois o salário é uma prestação de trato sucessivo (que se repete no tempo), que deve ser feita com curtos intervalos de tempo entre si (no máximo 1 mês) e visa a atender uma série de necessidades pessoais e vitais do trabalhador e de sua família, a que o trabalhador não pode renunciar.

O risco da atividade econômica não pode ser transferido ao empregado (art. 2º da CLT) - daí deriva a noção de forfetariedade, de que a prestação do salário não pode depender do sucesso do empreendimento econômico ou de fatores aleatórios. A admissão da remuneração variável, entretanto, mitiga em alguma medida a comutatividade inerente ao contrato de trabalho (7º, II, da Constituição).

A irredutibilidade do salário deve ser nominal e real (art. 7º, VI, da Constituição). Uma compreensão meramente nominal da irredutibilidade permitiria que a inflação diminuísse o valor real do salário pela ausência de reajustes ao longo do tempo. Na prática, os reajustes dependem de negociação coletiva (art. 10 da Lei 10.192/2001), que exige comum acordo e pode não acontecer. Sem negociação coletiva, nem reajustes, a solução parece ser a revisão judicial do salário, com base na tutela do equilíbrio entre trabalho e salário, aprofundada a seguir.

A intangibilidade protege a livre disponibilidade da contraprestação pela alienação da força de trabalho (art. 6º da Convenção n. 95 da OIT e art. 462 da CLT). Na mesma linha, a impenhorabilidade protege o salário das dívidas do trabalhador, de acordo com os atributos de essencialidade e indisponibilidade do salário. A isonomia possui conteúdos negativo (não discriminação, algo que não deve ser feito, "nos limites") e positivo (tutela do equilíbrio entre trabalho e salário, aprofundada a seguir, algo que deve ser feito, "em razão"), na linha do art. 421 do CCB.

2. Diretriz evolutiva: tutela do equilíbrio entre trabalho e salário. À prestação de trabalho pelo empregado deve corresponder a contraprestação de remuneração pelo empregador. Há diversos mecanismos jurídicos para a proteção dessa correspondência entre prestação e contraprestação, da relação de equivalência que deve existir entre o trabalho prestado e a remuneração contraprestada. Esses mecanismos abrangem algumas perspectivas bastante simples - v. g., equivalência entre horas trabalhadas e horas contraprestadas - e outras bem mais complexas - v. g., determinação do salário justo, desequiparação salarial etc.

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Paradoxalmente, o equilíbrio entre o valor do trabalho prestado e o valor da remuneração contraprestada é o elemento mais característico e ao mesmo tempo aquele que mais deve ser controlado no exercício da liberdade contratual inerente à relação de emprego. A liberdade contratual é condicionada e ao mesmo tempo limitada pela função social do contrato (art. 421 do CCB e art. 444 da CLT) - deve ser exercida de determinada maneira ("em razão") e não pode ser exercida de certas maneiras ("nos limites"). BETTI explica que a função social típica de um negócio jurídico é o resultado da juridicização de fato considerado socialmente útil e relevante (causa), a ponto de merecer um determinado regramento jurídico1. Entretanto, se os interesses individuais não coincidem com a função social típica, a valoração jurídica não pode ser positiva, deve ser negativa (arts. 166, III e VI, e 167 do CCB e art. 9º da CLT). Na investigação da função social típica do contrato de trabalho, é fundamental a lição de PERLINGIERI, para quem "a interpretação é, por definição, lógico-sistemática e teleológico-axiológica, isto é, finalizada à atuação dos novos valores constitucionais"2.

A função social típica do contrato de trabalho não é compatível com a exploração de uma pessoa por outra e determina a valorização do trabalho humano, por força do art. 1º, III e IV, da Constituição, e os arts. 3º, I, e 170 indicam o caminho para que sejam alcançados esses objetivos: a noção aristotélico-tomista de justiça social3 que harmoniza os valores aparentemente antinômicos de liberdade e de solidariedade. Em síntese, o contrato individual de trabalho deve preservar o equilíbrio entre o trabalho prestado e a remuneração contraprestada, por meio do pagamento de um salário justo, quantitativa e qualitativamente. Trata-se da possibilidade de revisão judicial dos salários, de ações revisionais de salários, fundadas nos arts. , 460, 461 e 766 da CLT, que não prescindem da aplicação das noções de lesão, de imprevisão ou de onerosidade excessiva (arts. 157, 317 e 478 do CCB), tutelando o equilíbrio entre as prestações nas fases genética (formação) e funcional (de cumprimento) do contrato4.

Art. 457 - Compr eendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. (Redação dada pela Lei n. 1.999, de 1.10.1953)

§ 1º Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. (Redação dada pela Lei n. 1.999, de 1.10.1953)

§ 2º Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam de 50% (cinqüenta por cento) do salário percebido pelo empregado. (Redação dada pela Lei n. 1.999, de 1.10.1953)

§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que fôr cobrada pela emprêsa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a distribuição aos empregados. (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 229, de 28.2.1967)

3. Remuneração, Salário e Indenização. O conceito de remuneração é mais amplo do que o conceito de salário: o salário é a "retribuição devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, de forma habitual, (...) pelo fato de se encontrar à disposição daquele, por força do contrato de trabalho"; já a remuneração "é a retribuição devida e paga ao empregado não só pelo empregador, mas também por terceiro, de forma habitual, em virtude do contrato de trabalho"5. Embora criticada6, essa distinção é

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bastante útil na prática, especialmente para o cálculo de parcelas que integram a remuneração, mas cuja base de cálculo é o próprio salário (ou salário básico). Basta pensar no adicional de periculosidade, que normalmente é calculado sobre o salário e, ao lado do salário, integra a remuneração para o cálculo de outras parcelas, tais como as férias ou a gratificação natalina. Nesse sentido, é possível afirmar que a remuneração é um gênero do qual o salário é uma espécie.

O cabeçalho do art. 457 da CLT torna indiscutível a natureza sinalagmática do contrato individual de trabalho, ao especificar que o salário devido e pago diretamente pelo empregador é contraprestação do serviço. Tanto o salário quanto a remuneração são pagamentos feitos pelo trabalho, com natureza contraprestativa, e não para o trabalho, com natureza instrumental.

O § 2º do art. 457 ressalva que as ajudas de custo e as diárias que não excedam a 50% do salário do empregado não são consideradas salário, não possuindo natureza remuneratória, de modo que possuiriam natureza remuneratória as ajudas de custo e as diárias que excedessem a 50% do salário. Trata-se da distinção entre o pagamento feito para o trabalho (indenização) e o pagamento feito pelo trabalho (remuneração). GOMES & GOTTSCHALK criticam a simplificação pretendida pelo § 2º do art. 457 (de que as diárias inferiores a 50% do salário são indenização e as superiores a isso são salário, defendendo a investigação da verdadeira natureza da parcela)7. Segundo DELGADO, a regra do § 2º do art. 458 da CLT seria uma presunção relativa, apenas, que admitiria prova em contrário, nos dois sentidos (tanto da natureza salarial das diárias inferiores a 50% do salário quanto da natureza indenizatória das diárias superiores a 50% do salário), o mesmo valendo para as ajudas de custo dissimuladas8. Na 4ª região da Justiça do Trabalho, há forte inclinação jurisprudencial no sentido de que tanto as diárias quanto as ajudas de custo integram a remuneração, quando excedentes a 50% do salário ou não demonstrada a sua relação com despesas instrumentais para a execução do trabalho. Nesse sentido, os julgamentos RO 0000852-44.2012.5.04.0009 (TRT da 4ª região, 10ª Turma, Rel. Desa. Vânia Mattos, julgado em 03.07.2014) e RO 0061900-59.2009.5.04.0251 (TRT da 4ª região, 4ª Turma, Rel. Des. George Achutti, julgado em 22.05.2014).

4. Gorjetas próprias e impróprias. CATHARINO chama a atenção para o fato de que "a palavra propina tem origem no verbo latino ‘propinare’ - convidar para beber"9. GOMES & GOTTSCHALK ensinam que a gorjeta é "uma prática universal, arraigada nos costumes dos povos, contra a qual não podem prevalecer a regra moral ou jurídica, nem o violento desprezo dos ditadores"; surgiu com o sentido de "gratificação dada por terceiros para a bebida do empregado que executa em benefício daqueles um ato de seu emprego", que "com o tempo e a prática foi se convertendo em uma forma de remuneração do empregado"10.

A gorjeta não pode ser a única forma de remuneração, deve necessariamente coexistir com o salário. Isso resulta claro do cabeçalho do art. 457 da CLT, no sentido de que as gorjetas são pagas por terceiros, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador. Aliás, a remuneração exclusivamente por gorjetas, pagas por terceiros, transferiria ao empregado os riscos da atividade econômica, contrariando a norma do art. 2º da CLT e o caráter forfetário do salário, o que não pode ser admitido.

Conforme o § 3º do art. 457, a gorjeta integra a remuneração do empregado para todos os efeitos legais, independentemente de ser paga pelo cliente diretamente ao empregado (...

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