Artigos 457 a 467

AutorGuilherme da Rocha Zambrano
Páginas305-334

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Guilherme da Rocha Zambrano

Juiz do Trabalho no TRT-RS. Mestre em Direito pela UFRGS. Especialista em Direito Internacional pela UFRGS.

CAPÍTULO II

DA REMUNERAÇÃO

1. Estado da técnica: atributos e proteção ao salário. São considerados atributos do salário a persistência, a periodicidade, a essencialidade e a indisponibilidade, pois o salário é uma prestação de trato sucessivo (que se repete no tempo), que deve ser feita com curtos intervalos de tempo entre si (no máximo 1 mês) e visa a atender uma série de necessidades pessoais e vitais do trabalhador e de sua família, a que o trabalhador não pode renunciar.

O risco da atividade econômica não pode ser transferido ao empregado (art. 2º da CLT) – daí deriva a noção de forfetariedade, de que a prestação do salário não pode depender do sucesso do empreendimento econômico ou de fatores aleatórios. A admissão da remuneração variável, entretanto, mitiga em alguma medida a comutatividade inerente ao contrato de trabalho (7º, II, da Constituição).

A irredutibilidade do salário deve ser nominal e real (art. 7º, VI, da Constituição). Uma compreensão meramente nominal da irredutibilidade permitiria que a inflação diminuísse o valor real do salário pela ausência de reajustes ao longo do tempo. Na prática, os reajustes dependem de negociação coletiva (art. 10 da Lei n. 10.192/2001), que exige comum acordo e pode não acontecer. Sem negociação coletiva, nem reajustes, a solução parece ser a revisão judicial do salário, com base na tutela do equilíbrio entre trabalho e salário, aprofundada a seguir.

A intangibilidade protege a livre disponibilidade da contraprestação pela alienação da força de trabalho (art. 6º da Convenção n. 95 da OIT e art. 462 da CLT). Na mesma linha, a impenhorabilidade protege o salário das dívidas do trabalhador, de acordo com os atributos de essencialidade e indisponibilidade do salário. A isonomia possui conteúdos negativo (não discriminação, algo que não deve ser feito, “nos limites”) e positivo (tutela do equilíbrio entre trabalho e salário, aprofundada a seguir, algo que deve ser feito, “em razão”), na linha do art. 421 do CCB.

2. Diretriz evolutiva: tutela do equilíbrio entre trabalho e salário. À prestação de trabalho pelo empregado deve corresponder a contraprestação de remuneração pelo empregador. Há diversos mecanismos jurídicos para a proteção dessa correspondência entre prestação e contraprestação, da relação de equivalência que deve existir entre o trabalho prestado e a remuneração contraprestada. Esses mecanismos abrangem algumas perspectivas bastante simples – v. g., equivalência entre horas traba-

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lhadas e horas contraprestadas – e outras bem mais complexas – v. g., determinação do salário justo, desequiparação salarial etc.

Paradoxalmente, o equilíbrio entre o valor do trabalho prestado e o valor da remuneração contraprestada é o elemento mais característico e ao mesmo tempo aquele que mais deve ser controlado no exercício da liberdade contratual inerente à relação de emprego. A liberdade contratual é condicionada e ao mesmo tempo limitada pela função social do contrato (art. 421 do CCB e art. 444 da CLT) – deve ser exercida de determinada maneira (“em razão”) e não pode ser exercida de certas maneiras (“nos limites”). BETTI explica que a função social típica de um negócio jurídico é o resultado da juridicização de fato considerado socialmente útil e relevante (causa), a ponto de merecer um determinado regramento jurídico1. Entretanto, se os interesses individuais não coincidem com a função social típica, a valoração jurídica não pode ser positiva, deve ser negativa (arts. 166, III e VI, e 167 do CCB e art. 9º da CLT). Na investigação da função social típica do contrato de trabalho, é fundamental a lição de PERLINGIERI, para quem “a interpretação é, por definição, lógico-sistemática e teleológico-axiológica, isto é, finalizada à atuação dos novos valores constitucionais”2.

A função social típica do contrato de trabalho não é compatível com a exploração de uma pessoa por outra e determina a valorização do trabalho humano, por força do art. 1º, III e IV, da Constituição, e os arts. 3º, I, e 170 indicam o caminho para que sejam alcançados esses objetivos: a noção aristotélico-tomista de justiça social3 que harmoniza os valores aparentemente antinômicos de liberdade e de solidariedade. Em síntese, o contrato individual de trabalho deve preservar o equilíbrio entre o trabalho prestado e a remuneração contraprestada, por meio do pagamento de um salário justo, quantitativa e qualitativamente. Trata-se da possibilidade de revisão judicial dos salários, de ações revisionais de salários, fundadas nos arts. , 460, 461 e 766 da CLT, que não prescindem da aplicação das noções de lesão, de imprevisão ou de onerosidade excessiva (arts. 157, 317 e 478 do CCB), tutelando o equilíbrio entre as prestações nas fases genética (formação) e funcional (de cumprimento) do contrato4.

3. O impacto das Leis ns. 13.419/2017, e 13.467/2017 e da Medida Provisória n. 808/2017 (Reforma Trabalhista). A assim chamada Reforma Trabalhista (modernização para uns, deformação para outros), afetou substancialmente o conceito de salário e a disciplina das gorjetas, da equiparação salarial e do quadro de carreira. Com a perda de eficácia da Medida Provisória n. 808/2017, que tinha corrigido alguns problemas conceituais da Reforma Trabalhista, o cenário normativo ficou bastante obscuro.5

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Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. (Redação dada pela Lei n. 1.999, de 1.10.1953)

§ 1º Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador. (Incluído pela Lei n. 13.467 de 2017).§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. (Incluído pela Lei n. 13.467 de 2017).

§ 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados. (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

§ 4º Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. (Incluído pela Lei n. 13.467 de 2017)

§ 5º Inexistindo previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, os critérios de rateio e distribuição da gorjeta e os percentuais de retenção previstos nos §§ 6º e 7º deste artigo serão definidos em assembleia geral dos trabalhadores, na forma do art. 612 desta Consolidação. (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

§ 6º As empresas que cobrarem a gorjeta de que trata o § 3º deverão: (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

I – para as empresas inscritas em regime de tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até 20% (vinte por cento) da arrecadação correspondente, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados, devendo o valor remanescente ser revertido integralmente em favor do trabalhador; (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

II – para as empresas não inscritas em regime de tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até 33% (trinta e três por cento) da arrecadação correspondente, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados, devendo o valor remanescente ser revertido integralmente em favor do trabalhador; (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

III – anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no contracheque de seus empregados o salário contratual fixo e o percentual percebido a título de gorjeta. (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

§ 7º A gorjeta, quando entregue pelo consumidor diretamente ao empregado, terá seus critérios definidos em convenção ou acordo coletivo de trabalho, facultada a retenção nos parâmetros do § 6º deste artigo. (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

§ 8º As empresas deverão anotar na Carteira de Trabalho e Previdência Social de seus empregados o salário fixo e a média dos valores das gorjetas referente aos últimos doze meses. (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

§ 9º Cessada pela empresa a cobrança da gorjeta de que trata o § 3º deste artigo, desde que cobrada por mais de doze meses, essa se incorporará ao salário do empregado, tendo como base a média dos últimos doze meses, salvo o estabelecido em convenção ou acordo coletivo de trabalho. (Incluído pela Lei n. 13.419, de 2017)

§ 10. Para empresas com mais de sessenta empregados, será constituída comissão de empregados, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho, para acompanhamento e fiscalização da regularidade da cobrança e distribuição da gorjeta de que trata o § 3º deste artigo, cujos representantes serão eleitos em assembleia geral convocada para esse fim pelo sindicato laboral e gozarão de garantia de emprego vinculada ao desempenho das funções para que foram...

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