Artigos 611 a 625

AutorMaurício Machado Marca e Guilherme da Rocha Zambrano
Páginas352-367

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TÍTULO VI Convenções coletivas de trabalho

(Redação dada pelo Decreto-Lei n. 229, de 28.2.1967)

Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acôrdo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 229, de 28.2.1967)

§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais emprêsas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho. (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 229, de 28.2.1967)

§ 2º As Federações e, na falta destas, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de suas representações. (Redação dada pelo Decreto-Lei n. 229, de 28.2.1967)

Introdução: É imperioso destacar de plano que os artigos 611 e seguintes da CLT somente podem ser adequadamente interpretados à luz do art. 7º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI e art. 8º, incisos I, II, III e VI, da Constituição Federal. A Constituição Federal claramente busca conferir proeminência às normas coletivas e à negociação sindical.

O conflito entre capital e trabalho foi intensificado a ponto de se transformar em um sério problema social no século XIX: do lado patronal, a exigência de jornadas de trabalho excessivas, a oferta de "salários de fome", a ausência de preocupação com a saúde e a segurança do trabalho, a utilização de vigilantes (forças armadas privadas) e o encerramento temporário ou definitivo das atividades empresária (lockout) em locais inteiramente dependentes de grandes indústrias (tanto em postos de trabalho quanto em arrecadação de tributos); do lado operário, as greves, os piquetes, as barricadas e a sabotagem industrial.

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A negociação coletiva surgiu como primeiro mecanismo de solução desse conflito (autocomposição), antes mesmo da intervenção e da legislação estatal (heterocomposição).

A Organização Internacional do Trabalho possui diversas normas estimulando e disciplinando a negociação coletiva, merecendo destaque as Convenções n. 98 e n. 154.1

Definição: As convenções e os acordos coletivos de trabalho são o instrumento por meio do qual toda a categoria profissional e econômica ou o conjunto de empregados de determinada empresa se obrigam, por tempo determinado, à observância das regras gerais resultantes da negociação coletiva2ou instituem obrigações diretas aos próprios convenentes.

Convenção, Acordo e Contrato Coletivos: Convenção coletiva de trabalho é instrumento de negociação entre dois ou mais sindicatos, aplicável a toda a categoria profissional e econômica. Acordo coletivo de trabalho é instrumento de negociação celebrado entre o sindicato profissional e uma ou mais empresas. Contrato coletivo era a expressão originariamente utilizada na CLT para designar a convenção coletiva de trabalho. O Decreto-Lei n.229 de 28.02.1967, ao tempo em que instituiu a possibilidade do acordo coletivo de trabalho, substituiu nos artigos 611 e seguintes a denominação contrato coletivo por convenção coletiva de trabalho, embora a expressão contrato coletivo tenha permanecido em inúmeros outros dispositivos da CLT3. Para os limites deste estudo e a interpretação adequada da CLT deve-se tomar a expressão contrato coletivo constante na CLT por sinônima de convenção ou acordo coletivo4.

Natureza jurídica: As normas coletivas, embora subscritas pelos respectivos sindicatos, obrigam e vinculam toda a categoria profissional e econômica5. Podem criar, portanto, além de meras cláusulas contratuais que vinculam os contratantes, regras jurídicas aplicáveis a toda a categoria que se encontra, por força do art. 8º, VI, da Constituição Federal, representada por seus respectivos sindicatos. Implica em importante superação da concepção civilista e individualista que demarca os limites de formação e vinculação dos contratos, substituída pelo reconhecimento do "ser coletivo" na dicção de DELGADO6.

Este "ser coletivo" tem vontades e interesses próprios7 e é representado por uma superestrutura jurídica: o sindicato. São inúmeras as teorias8 desenvolvidas para explicar a natureza jurídica desta representação ex lege, merecendo destaque a que conjuga o pacto de vontades próprio e inerente à negociação com o efeito vinculante sobre toda a coletividade:

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A chamada teoria mista, que enfatiza essa combinação peculiar - contrato criador de norma jurídica -, é, sem dú-vida, a que melhor explica a natureza jurídica dos diplomas negociais coletivos. São eles, desse modo, pactos de origem societária, envolvendo seres coletivos, a que a ordem jurídica atribui aptidão para gerar regras jurídicas. São pactos geradores de normas.9

A vinculatividade da negociação coletiva depende dos poderes de representação legal (arts. 115-120 do Código Civil) das categorias econômica e profissional, pelos sindicatos (art. 611 da CLT), ou pela(s) própria(s) empresa(s), no caso específico do acordo coletivo de trabalho (art. 611, § 1º, da CLT). Trata-se, essencialmente, princípio da relatividade dos contratos (res inter alios acta), que é aplicável aos "contratos" coletivos de trabalho (acordos e convenções) tanto quanto aos contratos em geral - o que fica claro na Súmula n. 374 do TST.

Essa representação legal, por expressa força de Lei (art. 120, primeira parte, do Código Civil), é de toda a categoria econômica ou profissional, independentemente de associação ao sindicato (arts. 513, "b", 611 e 613, III, da CLT).10

Conteúdo: O conteúdo das normas coletivas geralmente é classificado em cláusulas contratuais e em regras jurídicas. As cláusulas contratuais são as que vinculam diretamente os convenentes, a exemplo da constituição de comissões intersindicais para estudo sobre determinadas condições de trabalho ou o fornecimento de informações entre os sindicatos. As regras jurídicas são o conteúdo de muito maior relevância nos instrumentos normativos e que instituem direitos e deveres aplicáveis à categoria.

Legitimação: As categorias inorganizadas em sindicatos não podem ficar sem representação para negociação coletiva, razão pela qual são representadas sucessivamente pelas entidades sindicais de grau superior: federação e confederação. A negociação coletiva enfrenta restrições em relação aos servidores públicos celetistas. A Constituição Federal exige norma legal heterônoma para dispor sobre a remuneração (art. 39, § 8º) e respectiva previsão orçamentária, bem assim impede que o ente público realize despesa que exceda os créditos orçamentários devidamente aprovados em Lei de iniciativa do Poder Executivo11. A Convenção n. 151 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada pelo Decreto Legislativo n. 206, de 07.04.2010, do Congresso Nacional, estabelece no art. 7º a possibilidade de negociação coletiva entre as organizações de trabalhadores e os entes públicos empregadores. A solução encontrada pelo C. Tribunal Superior do Trabalho para compatibilizar as regras constitucionais com a Convenção 151 da OIT foi reconhecer a possibilidade de negociação coletiva limitada a cláusulas sociais e com exclusão das cláusulas econômicas que implicam em indispensável aumento de despesa12.

Relevância: A relevância das normas coletivas no sistema jurídico de regulamentação das relações de trabalho é diretamente proporcional à representatividade dos sindicatos e inversamente proporcional à minuciosidade da legislação estatal heterônoma. Por estas razões, as normas coletivas, embora relevantes no contexto geral do Direito do Trabalho brasileiro, não possuem idêntica proeminência de outros sistemas jurídicos estrangeiros, notadamente o dos Estados Unidos da América e Grã-Bretanha. A crítica ao modelo brasileiro, a exemplo da formulada por SAAD13, precisa ser adequadamente contextualizada. O modelo de disciplina jurídica trabalhista adotado pelo Brasil, identificado por DELGADO como "modelo de normatização subordinada estatal"14, caracteriza-se pela "cuidadosa operosidade legislativa"15 e pelo repúdio à dinâmica do conflito capital-trabalho que é constantemente atraído para ser absorvido e

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solucionado pelo Estado. A adoção de outro modelo necessariamente deveria ser precedida do reconhecimento expresso, real e concreto do conflito e da necessidade de sua solução direta pelas partes, com absorção por toda a sociedade dos prejuízos que daí adviessem.

No que diz respeito à (falta de) representatividade dos sindicatos, carece o modelo brasileiro de mecanismos que assegurem e estimulem a real e efetiva solidariedade indispensável à formação dos grupos profissional e econômico, merecendo destaque em síntese, as seguintes causas: a) unicidade sindical16;

  1. atrelamento ao Estado decorrente do custeio e financiamento dos sindicatos e das centrais sindicais imposto por norma heterônoma estatal17, bem assim o respectivo reconhecimento pelo Ministério do Trabalho e Emprego18; c) distanciamento dos líderes dos movimentos sindicais das bases de sustentação. Agregam-se outras variadas causas comuns à maioria dos sistemas trabalhistas do capitalismo ocidental:

  2. novas formas de organização do capital com a possibilidade de produzir sem reunir (terceirização, teletrabalho, etc); e) esgotamento da capacidade de resistência da classe trabalhadora; f) esgarçamento da consciência de classe pelo culto exacerbado ao individualismo; g) descrença nos grupos sociais inter-mediários formados pelos partidos políticos, religião institucionalizada e parlamentos; h) acirramento da competição entre os trabalhadores pela manutenção dos postos de trabalho.

    As normas coletivas...

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