Artigos 62 a 65

AutorSilvionei do Carmo
Páginas114-121

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Silvionei do Carmo

Juiz do Trabalho TRT-RS. Especialista em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC.

Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei n. 8.966, de 27.12.1994)

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; (Incluído pela Lei n. 8.966, de 27.12.1994)

II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. (Incluído pela Lei n. 8.966, de 27.12.1994)

III – os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei n. 13467 de 2017)

Parágrafo único – O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% (quarenta por cento). (Incluído pela Lei n. 8.966, de 27.12.1994)

No regime de trabalho subordinado, a duração do trabalho é de fundamental relevância, na medida em que fixa os contornos temporais da prestação de serviço, o que se relaciona direta e proporcionalmente com a contraprestação, a remuneração paga pelo empregador em razão do trabalho realizado pelo empregado. Mas não se trata apenas de equacionar o tempo trabalhado e a remuneração. A duração do trabalho também está relacionada com a qualidade de vida, de forma que a limitação da jornada de trabalho influencia diretamente na saúde física e mental do trabalhador.

Nesse contexto é que as normas do Direito do Trabalho preocupam-se em estabelecer um limite à duração do trabalho. Até o advento da Constituição Federal de 1988, a matéria não era regulada no âmbito constitucional. A Constituição Cidadã erigiu a duração do trabalho à condição de direito fundamental dos trabalhadores, estabelecendo o limite de oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (art. 7º, XIII), bem como garantindo a remuneração do serviço extraordinário com acréscimo de, no mínimo, cinquenta por cento sobre a hora normal (inciso XVI).

A elevação do direito ao nível constitucional ensejou discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre a derrogação do art. 62 da CLT. Uma tese defendida foi a de que a Constituição universalizou a duração do trabalho no limite de oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, não podendo uma norma hierarquicamente inferior excepcionar nenhum trabalhador dessa proteção. O TRT da 4ª

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Região chegou a decidir nesse sentido, conforme acórdão de lavra da desembargadora Carmen Camino (7589300-93.1996.5.04.0551 RO). Prevaleceu o entendimento, no entanto, de que a norma celetista foi recepcionada pela Carta Magna, tendo em vista tratar de uma condição especial de trabalho, enquanto o texto constitucional faz referência a uma condição normal1.

Contemporaneamente, há entendimento jurisprudencial minoritário no sentido de preservação da constitucionalidade de texto da CLT, mas afirmação de inconstitucionalidade interpretativa de prévia exclusão de direito de recebimento de horas extras, nas hipóteses dos incisos do art. 62. Para detentores de cargo de confiança, advoga-se a necessidade de verificação de, existindo trabalho além dos limites do art. 7º, XIII e XV da CF, haver remuneração suficiente para devidamente remunerar a condição excepcional. No caso dos externos, será preciso que para a execução normal dos trabalhos – ainda que sem a vigilância do empregador – não seja necessário e usual trabalhar além dos limites constitucionais mínimos. O fundamento para ambos os casos é que a interpretação excludente do art. 62 da CLT levaria ao aceite de o empregador poder outorgar ao funcionário gerente ou externo obrigação de realizar serviços que apenas pudessem ser plenamente executados com elevado excesso de jornada e não precisasse contraprestar labor extraordinário. Essa foi a conclusão da 1ª Jornada de Estudos da Justiça do Trabalho2, inclusive lançando enunciado próprio:

17. LIMITAÇÃO DA JORNADA. REPOUSO SEMANAL REMUNERADO. DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO A TODOS OS TRABALHADORES. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 62 DA CLT. A proteção jurídica ao limite da jornada de trabalho, consagrada nos incisos XIII e XV do art. 7º da Constituição da República, confere, respectivamente, a todos os trabalhadores, indistintamente, os direitos ao repouso semanal remunerado e à limitação da jornada de trabalho, tendo-se por inconstitucional o art. 62 da CLT.

O inciso I do artigo 62 refere-se ao trabalho externo, aquele que envolve atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho. A norma contempla dois pressupostos para sua incidência: um objetivo ou formal, consistente na anotação da condição especial na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados; outro de caráter subjetivo ou fático, referente à atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho.

Ambos os pressupostos devem estar preenchidos de forma concomitante, não sendo alternativos. Ainda que o Direito do Trabalho seja orientado pelo princípio da primazia da realidade, a ausência de cumprimento da formalidade não pode ser suprida por outros meios de prova, vale dizer, mesmo que a realidade fática evidencie que o trabalho era externo e incompatível com a fixação de horário, a falta de registro dessa condição especial na CTPS do empregado e na ficha de registro afasta a incidência da exceção prevista no inciso I do art. 62 da CLT. Aliás, verificando-se a ausência da formalidade, dispensa-se a produção de outras provas (art. 374, inciso IV, do CPC/2015).

Por outro lado, a observância da formalidade legal gera mera presunção de que o trabalho era realizado em condições incompatíveis com a fixação e fiscalização do horário de trabalho do empregado. Essa presunção não inverte o ônus da prova, que se mantém com o empregador. Há que se ter em mente que a condição normal é aquela em que o trabalhador é submetido ao controle de horário, de modo que

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a exceção tratada no artigo 62 da CLT, quando alegada pelo empregador em defesa apresentada em reclamação trabalhista, constitui um fato impeditivo ao direito do empregado à remuneração do trabalho extraordinário.3

Na análise sobre o enquadramento ou não do empregado na exceção do regime de controle de jornada, não basta que a atividade seja executada externamente, é necessário que haja efetivamente incompatibilidade na fiscalização da jornada por parte do empregador. Consoante SEGADAS VIANNA, citado por SÜSSEKIND:

A exceção da referida alínea a do art. 62 (hoje inciso I desse artigo) unicamente tem aplicação aos empregados que, executando serviços externos em razão da própria natureza das funções, não podem estar submetidos a horários, desde que tal importaria em impedir que pudessem desenvolver suas atividades, a fim de obter remuneração compensadora, como no caso dos vendedores e viajantes4.

Da mesma forma, ensina SÜSSEKIND que:

[...] se o trabalho do empregado é executado fora do estabelecimento do empregador (serviço externo), mas vigora condição que, indiretamente, lhe impõe um horário, afigura-se-nos que não poderá prosperar a exceção consubstanciada na alínea a transcrita5.

Na mesma trilha, CARRION preconiza que a configuração da hipótese em estudo exige que o trabalhador esteja fora da permanente fiscalização e controle do empregador, o que se compreende como uma impossibilidade material de conhecimento acerca do tempo realmente dedicado com exclusividade à empresa. O mesmo alerta que não se enquadra na exceção o trabalhador cuja produção, “sendo mensurável, não puder ser realizada senão ultrapassando jornada normal”. Apresenta o seguinte exemplo:

É o caso do motorista de caminhão, perfazendo percurso determinado entre certas cidades, cuja quilometragem exige fatalmente tempo superior ao de oito horas. Mas a jurisprudência e a regulamentação administrativa ultra-passaram a restrição legal (CLT, art. 62, I) e a interpretação restrita acima sugerida, generalizando a obrigatoriedade da ficha individual, papeleta ou registro de ponto, que devem ficar em poder do empregado (Port. 3.626/91); a omissão poderá modificar em seu favor o ônus da prova do empregado em juízo, desde que haja indícios veementes da existência de horário prorrogado freqüente.6

O caso dos motoristas é um dos mais frequentes nos tribunais. Trata-se de uma atividade tipicamente externa, porém, na maioria das vezes, como sinaliza CARRION, a execução da atividade é feita de tal forma que se verifica plenamente a possibilidade de controle por parte do empregador. É o que ocorre com o motorista que executa percursos predeterminados, cujas distâncias e tempo de viagem são conhecidos pelo empregador. Não se justifica em tal hipótese excepcionar o motorista do controle da jornada e, sobretudo, do direito à percepção de horas extraordinárias.7

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Entre outros meios possíveis de controle da jornada do motorista, deve ser incluído o tacógrafo, sem olvidar a divergência nos tribunais sobre esse instrumento, sobretudo no Tribunal Superior do Trabalho8. O tacógrafo trata-se de um registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo, que pode constituir-se num único aparelho mecânico, eletrônico ou compor um conjunto computadorizado que, além das funções específicas, exerça...

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