ARTS. 78 A 92

AutorSidney Rosa da Silva Junior
Páginas285-332
279
CAPÍTULO III
Da Proteção Judicial dos Interesses Difusos,
Coletivos e Individuais Indisponíveis ou Homogêneos
Sidney Rosa da Silva Junior
Doutor em Direito pela Universidad de Burgos (Espanha). Mestre em Direito pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador do Observatório de Políticas
Públicas, Direito e Proteção Social do PPGD –UNESA. Promotor de Justiça. Membro
da International Association of Prosecutors – IAP.
Generalidades
O sentido da evolução dos sistemas processuais em direção à garantia do mais
amplo acesso à Justiça, no qual se poderia vislumbrar até mesmo uma perspectiva
processual da fórmula de contingência concebida por LUHMANN,1 passa necessa-
riamente pela busca de uma efetiva atuação estatal voltada a garantir a integridade
das diversas situações jurídicas criadas pelo Direito e, nesse sentido, pelo desenvol-
vimento de mecanismos de tutela não apenas sob o prisma individual, mas também
em uma estética transindividual, de forma a permitir a correção das distorções dos
instrumentos tradicionais de atuação sobre o conflito, até então voltados ao prota-
gonismo do indivíduo sobre o grupo.2
Com o advento das class actions e dos advogados de interesse público do direito
estadunidense, diversos sistemas processuais foram influenciados quanto à neces-
sidade de construírem mecanismos voltados a tutelar mais efetivamente situações
que, por sua nota coletiva, acabavam obstaculizados em seu caminho até o Poder
Judiciário, o que ocorria por inúmeros motivos, como a falta de legitimidade do
indivíduo para tutelar integralmente um interesse que não era apenas seu, o deses-
tímulo provocado à iniciativa individual quando a fragmentariedade do dano cau-
sado tornava pouco econômica a busca por sua reparação, ou mesmo a dificuldade
de determinados interesses se organizarem em bloco. Além disso, a necessidade de
explicar e dar força concreta aos valores incorporados no ordenamento jurídico3 em
contraposição a uma constatação do contínuo descumprimento de determinadas
situações previstas na legislação em decorrência de obstáculos ao encaminhamento
1. LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. Trad. Javier Torres Nafarrate. Cidade do México: Herder.
2005. p. 275-300.
2. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Rio Grande do
Sul: Sérgio Antonio Fabris. 2002. p. 34-35.
3. FISS, Owen. Law as it could be. Nova York: New York University Press. 2003. p. xi.
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dessas questões transindividuais a uma autoridade julgadora estatal exigia uma
evolução da sistemática processual para uma observação também focada no aspecto
coletivo dos conflitos que se formavam na sociedade.
O presente capítulo trata especificamente desses mecanismos de tutela tran-
sindividual dos direitos dos idosos. Todavia, como se verá adiante, tais dispositivos
devem ser interpretados como integrantes de um microssistema, que envolve todas
as normas voltadas à construção de um direito processual coletivo, objetivando-se
evitar qualquer concepção hierárquica desses direitos e manter a lógica de funcio-
namento do ordenamento jurídico processual.
Diferença interesses x direitos
Vale destacar aqui a utilização pelo legislador do termo “interesse” ao se referir
ao objeto da proteção almejada com as normas contidas no presente capítulo. Uma
análise apriorística dessa preferência, em detrimento da categoria “direito”, poderia
supor a inclinação do parlamento brasileiro em favor uma visão monista do ordena-
mento jurídico, na forma da construção tradicional de CARNELLUTTI, segundo a
qual a função da jurisdição seria a própria criação de direitos,4 ou mesmo a adoção
de uma concepção kelseniana, negadora da categoria do “direito subjetivo” em prol
da formação de situações jurídicas estáticas garantidas pelo ordenamento jurídico.5
Não obstante tais concepções possam eventualmente estar mais alinhadas a uma
visão transindividual desse espectro de proteção, o fato é que em diversos outros
diplomas, é possível verificar uma certa fungibilidade na utilização de tais expressões,
como ocorre, por exemplo, no art. 1º, inciso IV, da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil
Pública), no art. 81, caput, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor),
assim como nos artigos 8º, inciso III, e 129, V, da Constituição Federal.
Tal imprecisão terminológica merece alguns reparos. Sob o enfoque funcional-
-sistêmico, é certo que a noção de interesse está muito mais conectada ao âmbito dos
sistemas de consciência do que aos sistemas sociais, como o Direito.6 Se, de um lado,
é possível estabelecer uma distinção entre vontade e interesse, no sentido de que
este seria um querer qualificado por um elemento teleológico, o fato é que, mesmo
quando comunicado determinado interesse, nem sempre ele irá produzir perturba-
ções no âmbito jurídico, só o fazendo quando a generalização das expectativas que
o compõem estiverem consolidadas em normas.7 Ou seja, não será todo interesse
4. CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di diritto processuale civile. La funzione del processo di cognizione. Parte
prima. Padova: La Litotipo. 1923. Vol. II. p. 23.
5. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes. 2006. p. 121-212.
6. LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. México D.F.: Herder. 2006. p. 83.
7. LUHMANN, Niklas. Social Systems. Stanford: Stanford University Press. 1995. p. 321.
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coletivo8 que poderá ser alçado ao espectro de tutela do ordenamento jurídico, mas
apenas aqueles que já forem contemplados com alguma espécie de proteção estatal,
sendo de se visualizar aqui o conceito de direito subjetivo preconizado por VON
JEHRING, no sentido de concebê-lo enquanto um interesse juridicamente protegido.
De outro lado a falta de um centro de observação central na sociedade moderna9
acaba por dificultar a aplicação à diversos aspectos da tutela coletiva de conceitos
criados sob o prisma notadamente privatístico, como o de direito subjetivo e outros
voltados a formulações mais individualistas do Direito. Insere-se exatamente nessa
dicotomia a opção por tratar dos aspectos coletivos, difusos e individuais homogêneos
do idoso como interesses, ainda que o intérprete os compreenda como aqueles que,
de alguma forma, já tenham obtido algum tipo de chancela estatal normativa. Diante
da contingência natural da vida social e da dificuldade de estabelecer vínculos com
o futuro,10 muito provavelmente o operador do direito se colocará diante de casos
onde não será possível identificar os contornos clássicos de um direito subjetivo,
mas se vislumbrará a necessidade de observar tais situações em conformidade ou
desconformidade com o Direito e, nesse contexto, contemplar alguma espécie de
tutela estatal a essas novas situações jurídicas.
Assim, independentemente da utilização da expressão interesse ou direito, o
intérprete deverá estar atento à necessidade de se observar interesses do idoso que
estejam tutelados pelo ordenamento jurídico, facilitando seu acesso aos mecanis-
mos necessários a sua tutela, sejam estes instrumentos individuais ou coletivos,
jurisdicionais ou não jurisdicionais, mas sem descuidar daquelas situações onde, a
despeito de não estarem definidos os elementos dos institutos clássicos do direito
privado, a comunicação social moderna também exigir alguma proteção por parte
do ordenamento.
Direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos
A despeito da discussão sobre a melhor utilização do termo direito ou interes-
se, utilizaremos ambas as expressões de forma intercambiável, como utilizada na
legislação, evitando-se, assim, prejuízo à compreensão sobre as discussões de cada
dispositivo.
O ordenamento jurídico trata de três tipos de interesses transindividuais que
estariam aptos a serem tutelados pelos mecanismos previstos no presente capítulo:
os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos. A doutrina
tradicional costuma classificar os dois primeiros em essencialmente coletivos, em
8. Utilizamos a expressão direito coletivo em sentido amplo, a contemplar a proteção de direitos difusos,
coletivos em stricto sensu e individuais homogêneos.
9. LUHMANN, Niklas. Ecological Communication. Cambridge: University of Chicago Press. 1989. p. 115-120.
10. DE GIORGI, Raffaele. Direito, Democracia e Risco: Vínculos com o Futuro. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris. 1998.
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