As cláusulas de desconto de pontualidade na visão do stj

AutorMarcelo Matos Amaro da Silveira
Páginas365-394
Cláusulas de desconto de pontualidade • 365
AS CLÁUSULAS DE DESCONTO DE
PONTUALIDADE NA VISÃO DO STJ
Marcelo Matos Amaro da Silvei ra1
Resumo: Nas relações contratuais, especialmente aquelas duradouras e
com pagamentos diferidos é corriqueiro que sejam inseridas cláusulas
que concedem um certo desconto para incentivar o pagamento pontual
dos valores mensais devidos em razão do contrato. Trata-se de cláusula
usualmente denominada de desconto ou abono de pontualidade, muito
utilizada, por exemplo, nos contratos de locação ou de prestação de ser-
viços educacionais. Esse expediente, apesar de comum, é bastante con-
troverso, e não raras as vezes demandas judiciais discutindo a validade
dessas cláusulas acabam chegando no STJ, que vem entendo que se trata
de prática lícita. Ocorre que, se se considerar a noção mais moderna de
cláusula penal e a estrutura legal do vencimento das obrigações, é pos-
sível vericar o tratamento do tribunal da cidadania merece críticas. O
objetivo do presente trabalho, portanto, é exatamente esse, jogar uma
luz na questão de forma a evidenciar que não se pode concordar com a
direção que vem sendo tomada pelo STJ, apontando as críticas ao trata-
mento que vem sendo dadas às cláusulas de desconto de pontualidade.
Palavras-chave: Obrigações; Contratos; Penalidades Contratuais; Des-
conto
INTRODUÇÃO
A concessão de desconto nas relações comerciais, especialmente
de compra e venda de mercadorias e fornecimento de serviços, é um
artifício comum na realidade brasileira. Desde o famoso desconto para
o pagamento à vista na compra de uma peça de roupa ou de um tênis,
por exemplo, até as mais recentes promoções para o pagamento anteci-
pado de parcelas na academia de ginástica, o “comércio” brasileiro está
1
Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
(FDUL). Graduado em Direito pela Milton Campos. Membro fundador do IBD-
Cont e Associado do IBERC. Advogado em Belo Horizonte.
366 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
bastante acostumado com essas práticas como forma de potencializar as
vendas.
Dentro desse contexto, é também costumeiro encontrar a con-
cessão de benefícios reconhecidos pela doutrina e jurisprudência pelas
denominações desconto, bônus ou abono de pontualidade. Trata-se da
hipótese de conceder um desconto periódico ao devedor caso ele realize
o pagamento da sua obrigação de forma pontual ou mesmo antecipa-
da. Nesse caso o credor, como forma de incentivar o adimplemento de
uma obrigação duradoura, concede um desconto sobre o preço a ser
pago pelo devedor sempre que a obrigação for paga de forma pontual e
tempestiva.
Fica estabelecido, por exemplo, que o pagamento antes do
prazo avençado dá direito ao devedor de um desconto no importe de
determinado percentual do valor da prestação pecuniária. Sendo ainda
possível vericar hipóteses em que a concessão do benefício se dá quan-
do o pagamento for realizado na própria data do vencimento. São dis-
posições particularmente presentes nos contratos de locação de imóveis
residenciais e comerciais, nas relações condominiais e nos contratos de
prestação de serviços educacionais.
Esse tipo de estipulação tem clara função econômica, sendo ca-
paz de dinamizar as relações contratuais e permitindo, por exemplo, que
o fornecer amplie seu capital de giro, por receber uma quantidade de
receita de forma antecipada. Também tem função de incentivo, pois os
devedores irão preferir cumprir realizar o pagamento de forma pontual,
ou mesmo antecipada. O desconto, portanto, funciona bem dentro das
noções econômicas e comerciais, sendo aparentemente uma prática que
benecia tanto os credores/fornecedores quanto os devedores/consumi-
dores.
Mas do ponto de vista jurídico, essa cláusula faz sentido? Qual
é o enquadramento jurídico e função que essa estipulação exerce? Existe
algum limite ou controle que deve ser vericado quando esse tipo de
desconto é aplicado? É possível que ele seja aplicado em conjunto com
outras cláusulas que regulam o inadimplemento das obrigações, e mais
especicamente a cláusula penal?
O Superior Tribunal de Justiça tem analisado e respondido al-
gumas dessas perguntas, sendo certo que recentemente é possível apon-
tar uma certa direção que cada uma das duas turmas que julgam os
recursos especiais de matéria privada vem tomando. Contudo, como já

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