As Convenções da Organização Internacional do Trabalho e sua Posição Hierárquico-Normativa de Supralegalidade no Ordenamento Jusconstitucional Brasileiro

AutorPastora do Socorro Teixeira Leal e Igor de Oliveira Zwicker
Páginas59-75
caPítulo 6
As Convenções da Organização Internacional do Trabalho
e sua Posição Hierárquico-Normativa de Supralegalidade
no Ordenamento Jusconstitucional Brasileiro
Pastora do Socorro Teixeira Leal(1)
Igor de Oliveira Zwicker(2)
“O Direito do Trabalho só poderia reconsiderar seus institutos
básicos se a emancipação do trabalhador fosse uma realidade
e não apenas uma promessa. (...) Mas, enquanto o mundo
se apresentar com desigualdades profundas, enquanto o
homem continuar sendo lobo do homem, as urgências que
determinaram o nascimento do Direito (...) do Trabalho
persistirão informadas pelos mesmos princípios básicos que
medraram com ele.” – Ministro Orlando Teixeira da Costa
(1929-1998), ex-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho
da Oitava Região (1969 a 1976 e 1978 a 1980) e ex-Presidente
do Tribunal Superior do Trabalho (1993 a 1995).
(1) Professora de graduação e de pós-graduação (Mestrado e Doutorado) da Universidade Federal do Pará e da Universidade da Amazônia
(PA); Desembargadora do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região (PA/AP); Bacharela e Mestra em Direito pela
Universidade Federal do Pará; Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com Pós-Doutorado pela Uni-
versidade Carlos III de Madri (Espanha).
(2) Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará, aprovado em 1º lugar geral; Mestre em Direitos Fundamentais pela Univer-
sidade da Amazônia (PA), aprovado em 1º lugar geral; Especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Universidade Estadual
de Campinas (SP); Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes (RJ); Bacharel em
Direito e Especialista em Gestão de Serviços Públicos pela Universidade da Amazônia (PA); Analista Judiciário (Área Judiciária) e Asses-
sor Jurídico-Administrativo do Tribunal Regional do Trabalho da Oitava Região (PA/AP); Professor de Direito; autor do livro “Súmulas,
orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST” (São Paulo: LTr, 2015); tem, até 09.06.2019, noventa e seis (96) artigos
jurídicos publicados, além de dezenas sobre Língua Portuguesa.
1. INTRODUÇÃO
Embora tratados internacionais de direitos huma-
nos ostentem posição hierárquico-normativa de supra-
legalidade, quando recepcionados pelo direito interno,
a Justiça do Trabalho, enquanto ramo do Poder Judi-
ciário precipuamente voltado à inclusão social dos tra-
balhadores, conta-se com um número quase nulo de
decisões em que tais tratados são aplicados.
As convenções da Organização Internacional do
Trabalho, conforme será demonstrado, tratam sobre di-
reitos humanos dos trabalhadores, ostentando posição
hierárquico-normativa de supralegalidade, porque au-
sente o quórum qualificado previsto no artigo 5º, § 3º,
Franco Filho (1999, p. 3) demonstra preocupação
com a codificação dos tratados internacionais, quando
reconhece que “o Direito Internacional, hoje, mais que
nunca, tem importância capital para a manutenção da
paz”. Ainda o autor (FRANCO FILHO, 2017, p. 58), ao
mencionar a aplicação das convenções da Organização
Internacional do Trabalho na Justiça do Trabalho, afirma
que “o resultado é intrigante”, tendo em vista que “poucas
60
Direito internacional Do trabalho: estuDos em homenagem ao centenário Da oit
convenções são utilizadas” e “algumas sequer são imagi-
nadas pelos julgadores nacionais”, não obstante a plena
vigência desses tratados e o status de supralegalidade que
ostentam.
Essa omissão tem dado ensejo a julgamentos que
não têm promovido a inclusão social dos trabalhadores,
a exemplo da Ação Declaratória de Constitucionalidade
n. 16(3) e, posteriormente, do Recurso Extraordinário
n. 760.931(4), com repercussão geral, no mérito, nos
quais, a partir de uma interpretação in pejus do art. 71,
§ 1º, da Lei n. 8.666/1993 (Lei de Licitações), tem-se
dificultado sobremaneira a quitação de créditos traba-
lhistas, pelo ente público, na qualidade de tomador dos
serviços, pelo inadimplemento gerado por empresas
terceirizadas/intermediadoras de mão de obra – o que,
via de regra, é o que costuma ocorrer.
Cita-se, ainda, a interpretação judicial cartesiana
costumeiramente empregada para analisar questões que
envolvem saúde, enxergando-se apenas o visível, isto
é, sequelas que podem ser mensuradas por algum(ns)
do(s) sentido(s) humano(s), olvidando-se que o con-
ceito de saúde se liga à ideia de biopsicossocialidade,
como determina a Convenção n. 155 da Organização
Internacional do Trabalho, forjada à luz da Constitui-
ção da Organização Mundial de Saúde, para a qual, se-
gundo art. 3º, alínea “e”, saúde não é mera ausência de
doença ou enfermidade e sim um completo estado de
bem-estar físico, mental e social.
Objetiva-se, com o presente artigo, apresentar
breves impressões sobre uma adequada hermenêutica,
compromissada com a inclusão social dos trabalhado-
res, por meio do fomento da aplicação das convenções
da Organização Internacional do Trabalho, isto é, de
tratados internacionais de direitos humanos, ratificados
pelo Brasil, os quais ostentam posição hierárquico-nor-
mativa de normas supralegais.
2. QUESTÕES CONCEITUAIS
A fim de se compreender o núcleo duro de direi-
tos humanos-fundamentais e dos direitos sociais, faz-se
necessário o desenvolvimento de teorias que buscaram
desenvolver a noção conceitual desses direitos e suas
perspectivas, no curso do espaço-tempo.
Frise-se que uma das características basilares dos
direitos humanos é a historicidade; sua evolução está
(3) Supremo Tribunal Federal, ADC 16/DF, Relator: Ministro Cezar Peluso, Julgamento: 24.11.2010, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Pu-
blicação: DJe publicado em 9/9/2011.
(4) Supremo Tribunal Federal, RE 760.931/DF, Relatora: Ministra Rosa Weber, Relator p/ Acórdão: Ministro Luiz Fux, Julgamento: 26.04.2017,
Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJe publicado em 12.09.2017.
intrinsecamente ligada ao desenvolvimento histórico-
-cultural, social e moral do ser humano.
Nesse sentido, destacam Delgado e Delgado (2017,
p. 185):
Atualmente, predomina concepção voltada
para a historicidade dos Direitos Humanos, em
manifesto contraponto às teorias do direito na-
tural. Nessa perspectiva, os Direitos Humanos
apresentam-se, no curso histórico, a partir de
três momentos distintos do fenômeno jurídico:
o da conscientização da existência de direitos
naturais, evidentes à razão; o da positivação
desses direitos no ordenamento constitucional;
e, finalmente, o da efetivação dos direitos, eis
que reconhecidos e concretizados no plano so-
cial de forma dinâmica e não compartimentada.
Quanto aos direitos humanos, dada a ideia que exis-
tem porque existe o ser humano, quatro grandes teorias
buscaram conceituá-los, a saber: jusnaturalista, positivis-
ta, moralista (ou “teoria de Perelman”) e jusrealista.
A seguir, na perquirição dos valores que informaram
e informam os direitos fundamentais (e consequentemen-
te os sociais), inclusive diante do contexto histórico-evo-
lutivo de tais direitos, abordaremos as consagradas teorias
liberal, institucional e dos valores. Conforme Meireles
(2008, p. 66-73), tais teorias justificarão a hermenêutica
constitucional em torno da matéria.
3. DIREITOS HUMANOS NAS TEORIAS
JUSNATURALISTA, POSITIVISTA, MORALISTA
E JUSREALISTA
Conceitualmente, buscando-se identificar, dentro
do sistema jurídico, o que são “direitos humanos” –
direitos que existem no mundo fenomênico indepen-
dentemente de conceituação, na advertência de Carlos
Drummond de Andrade, de que os lírios não nascem das
leis – pode-se resumir a questão em quatro grandes teo-
rias, que sintetizam os seus fundamentos.
Nesse sentido, Alvarenga (2016, p. 64-66) explicita
a teoria jusnaturalista, a teoria positivista, a teoria mo-
ralista (ou “teoria de Perelman”) e a teoria jusrealista.
A teoria jusnaturalista leciona que os direitos hu-
manos são direitos da humanidade que transcendem,
que se originam de uma ordem superior, de caráter

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