As decisões sobre saúde dos avós e o respeito à espiritualidade e à autonomia

AutorMaria Aglaé Tedesco Vilardo
Ocupação do AutorDoutora em bioética, ética aplicada e saúde coletiva pelo Programa de Pós-Graduação em Bioética
Páginas223-240
AS DECISÕES SOBRE SAÚDE DOS AVÓS
E O RESPEITO À ESPIRITUALIDADE
E À AUTONOMIA
Maria Aglaé Tedesco Vilardo
Doutora em bioética, ética aplicada e saúde coletiva pelo Programa de Pós-Graduação
em Bioética, em associação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense e Fundação Oswaldo Cruz,
com doutorado sanduíche no Kennedy Institute of Ethics, na Georgetown University
– Washington DC – EUA. Professora da Escola da Magistratura do Estado do Rio de
Janeiro – EMERJ. Presidente do Fórum Permanente de Biodireito, Bioética e Geron-
tologia da EMERJ. Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceitos doutrinários e legislativos. 3. Reciprocidade no Cuidado
Intergeracional. 4. Casos concretos judicializados. 4.1 A obrigação do Estado em contribuir
com os custos de cuidados da pessoa idosa. 4.2 O direito à convivência de avós com a terceira
geração. 4.3 A tomada de decisão de saúde de pessoa idosa e o respeito à espiritualidade e à
autonomia. 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O grande desaf‌io para o envelhecimento da população é garantir a dignidade até o
f‌im da vida. Antes de chegar à velhice, as pessoas têm um longo percurso de vida com suas
histórias, seus afetos, seus valores e seus desejos, de formas diferenciadas. Transmitir o
acúmulo destas experiências e da sabedoria de vida para as demais gerações não é tarefa
simples, pois implica em respeito ao passado construído sobre vivência pessoal em um
mundo em constante mutação, inclusive de valores morais. A aproximação das gerações,
especialmente nos laços de avosidade, nos faz reconhecer a existência de preconceitos e a
busca em rechaçar a discriminação pelo idadismo, ou seja, em razão da idade avançada.
O objetivo deste artigo é demonstrar que a legislação brasileira respalda de forma
contundente o direito à manutenção da espiritualidade e da autonomia nas decisões de
saúde quando chegam o envelhecimento e a natural ocupação das novas gerações nos
espaços de cuidado das famílias. Os espaços começam a ser ocupados pela segunda ge-
ração, f‌ilhos e f‌ilhas, e a seguir pela terceira geração, netos e netas, cabendo, por vezes,
a assunção de lugares inversos, passando de pessoas cuidadas a pessoas cuidadoras.
De início são apresentados conceitos doutrinários delineados pela doutrina e pela
legislação. A seguir são trazidas pesquisas desenvolvidas com foco no cuidado de pessoas
idosas e crianças cuidadoras. Por f‌im, são apresentados casos concretos escolhidos em
função da temática da relação de avosidade.
Estes casos possuem três focos específ‌icos: a obrigação do Estado em contribuir
com os custos de cuidados da pessoa idosa; o direito à convivência de avós com a terceira
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MARIA AGLAÉ TEDESCO VILARDO
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geração; a tomada de decisão de saúde de pessoa idosa e o respeito à espiritualidade e à
autonomia. Os casos, submetidos ao julgamento de tribunais superiores e estaduais, são
descritos e analisados de acordo com os conceitos e as leis para demonstrar a existência
de fundamentação legal robusta a manter os direitos das pessoas idosas a decidir o que
desejam para si, em consonância com sua história de vida e suas crenças.
2. CONCEITOS DOUTRINÁRIOS E LEGISLATIVOS
Para melhor compreensão, apresentamos alguns conceitos a serem utilizados para
fundamentar as ideias, tanto no campo doutrinário quanto no campo legislativo. São os
conceitos centrais de saúde da pessoa idosa, espiritualidade e autonomia. Outros con-
ceitos próximos a estes são def‌inidos com o mesmo propósito, tais como independência,
envelhecimento, religiosidade e transcendência, pois servirão de base à discussão sobre a
avosidade, esta relação de parentesco e laços afetivos e de responsabilidades entre avós/
avôs e netas/netos, e a potencial inversão geracional ao se tratar de cuidados de saúde das
pessoas idosas. Iniciemos com o conceito de saúde na fase de vida na qual a degradação
do corpo físico é compreendida como natural.
A saúde da pessoa idosa nos remete à fragilidade na f‌initude da vida. Quando
pensamos nas avós e nos avôs a imagem que nos vem é de uma pessoa bem velha,
enxergando e ouvindo pouco, com dores e com dif‌iculdades para caminhar, pouca
memória dos fatos recentes, embora nem sempre seja assim. Algumas destas pessoas
estão em atividade, aposentadas ou não, trabalhando e sustentando outras pessoas de
sua família, fazendo os afazeres domésticos, cuidando de crianças enquanto outras
estão precisando ser cuidadas.
O cuidado de saúde envolve mais do que o bem-estar físico. É fundamental que se
tenha a manutenção de corpo físico capaz de realizar as tarefas diárias, como cozinhar os
alimentos, cuidar da higiene pessoal, fazer compras básicas, pagar as contas. Entretanto,
nem sempre tais habilidades permanecem intactas ou são viáveis. Além do aspecto físi-
co, a saúde mental e psíquica é da maior importância para que se possa realizar todas as
tarefas necessárias, mesmo quando há alguma redução cognitiva, para manter boa parte
da independência, ou, ainda que se necessite do auxílio de outra pessoa.
A independência é a possibilidade de realizar por si própria as suas atividades diárias.
Quando uma pessoa consegue fazer pessoalmente o que se determinou é considerada
independente. Se precisar de ajuda será parcialmente independente. Estando sem possi-
bilidade em desempenhar suas tarefas básicas, estará dependente de terceiros, seja para
sua higiene íntima ou alimentação. A independência difere da autonomia, como veremos.
A autonomia é a possibilidade de uma pessoa tomar decisões, por si própria, sem
coerção, embora seja possível receber inf‌luência para decidir. O que importa é que a
autodeterminação esteja preservada. A decisão autônoma implica em que a escolha seja
livre, de acordo com a ideia e vontade pessoal. A pessoa recebe informações adequadas
sobre o que precisa decidir, poderá ou não discutir os fatos com alguém em quem conf‌ie,
ref‌letirá sobre as possibilidades apresentadas, suas alternativas e as possíveis consequ-
ências, escolhendo o que melhor convier.
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