As distinções entre o regime sesmarial brasileiro em relação à aplicação original que se deu em Portugal

AutorAlbenir Itaboraí Querubini Gonçalves
Páginas80-88

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Nos Fragmentos de uma memória sobre as sesmarias da Bahia, texto de possível autoria do Marquês de Aguiar, que foi Governador e Capitão Geral da Bahia, é noticiado como ocorriam na prática as concessões de terras havidas na Capitania da Bahia de Todos os Santos:

Aos capitães donatários das Capitanias do Brasil era permittido pelas doações e foraes dar e repartir as terras de sesmarias conforme a ordenação, e com a obrigação dellas, à toda a pessoa de qualquer qualidade e condição que fosse, livremente sem foro nem direito algum, sómente o dízimo à Deus, que era obrigado a pagar a Ordem de Christo, entrando nesse numero os seus filhos, excepto o morgado e parentes, não podendo dar-lhes mais porção do que concediam a um extranho, nem tomal-as para si em tempo algum, ou para a sua mulher e filho herdeiro, nem pôl-as em outrem para depois as haver por qualquer modo que fosse, a não

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ser por compra verdadeira das pessoas que lh’as quizessem vender, passando oito anos depois das terras serem aproveitadas.24Sobre a obrigação do pagamento do dízimo, explica Cirne Lima que ela decorre do fato de que "as terras do Brasil estavam sob a jurisdição eclesiástica da Ordem de Cristo, e lhe eram tributárias, sujeitas como lhe ficavam ao pagamento do dízimo, para propagação da fé."25Debateu-se na doutrina portuguesa sobre a imposição do pagamento de foros nas sesmarias brasileiras, diante da previsão constante nas Ordenações, as quais referiam o pagamento de foro quando a concessão se desse sobre terras tributáveis (Ordenações Manuelinas, Livro IV, Título LXVII, § 4; Ordenações Filipinas, Livro IV, Título XLIII, § 5). Na Carta Régia de 27 de dezembro de 1695, dirigida a Dom João de Alencastro - Governador-Geral do Brasil pelo rei Dom Pedro II de Portugal, houve a revogação da isenção de foro prevista anteriormente no Regimento dos Provedores, de 17 de dezembro de 1548, conforme é informado nos Fragmentos de uma memória sobre as sesmarias da Bahia, onde consta:

E esta Real Ordem de 27 de Dezembro de 1695 a primeira que encontro determinando, que ás pessoas, á quem se der de futuro sesmarias, se imponha, além da obrigação de pagar dízimo á ordem de Christo, e as mais costumadas, a de um foro, segundo a

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grandeza ou bondade da terra, como também se recomenda entre outras cousas na Carta Régia de 22 de Março de 1693, sendo obrigados os que succedem nas sesmarias legitimamente possuídas a confirmal-as.26

Em sentido contrário à informação contida no citado trecho dos Fragmentos de uma memória sobre as sesmarias da Bahia, Costa Porto afirma que a imposição do pagamento do foro sobre as terras dadas de sesmarias decorre da Carta Régia de 20 de janeiro de 1699, divergindo, desta forma, dos demais autores que seguem a informação dos Fragmentos, dentre eles Cirne Lima27. Defende Costa Porto que são infundados os argumentos do autor dos Fragmentos de uma memória sobre as sesmarias da Bahia em face da existência de documentos onde constam que em datas posteriores a 1695 e anteriores a 1699 não era cobrado foro nem pensão28.

Embora haja divergência quanto ao início da cobrança de foro sobre as terras dadas em sesmarias, é importante destacar que a imposição de foro passou a ser uma das exigências

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que recaíam sobre as dadas de sesmarias, a qual, conforme informa Cirne Lima, somente foi abolida pela Lei de 15 de novembro de 183129.

Ainda sobre o caráter colonizador da aplicação do regime sesmarial no Brasil, o Alvará de 8 de dezembro de 1590 de Dom Filipe I dispunha sobre a ordem de dar terras a todas as pessoas que fossem para o Brasil com suas famílias com o objetivo de exercer a agricultura, ao dizer que fossem dadas terras de sesmarias a "todas as pessoas, que forem com suas mulheres e filhos a qualquer parte do Brasil" , para que nelas plantem seus mantimentos, façam roças e canaviais para o seu sustento30.

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Interessante que pesquisas histórias publicadas e referidas em obras atuais indicam que não foram apenas famílias de colonos portugueses que se beneficiavam e recebiam terras pelo regime sesmarial. Há registro de que muitos índios e seus descendentes se tornaram sesmeiros de terras. É o exemplo da interessante informação trazida na obra Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de LEANDRO NARLOCH, que traz a informação de que índios das tribos tupiniquins e temiminós, após ajudarem os portugueses a expulsar os franceses do Rio de Janeiro, receberam terras do reino português, e, posteriormente, os seus descendentes31.

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ruy Cirne Lima destaca que o regime das sesmarias no Brasil pouco a pouco começou a constituir um estatuto autônomo, mas guardando os traços essenciais da evolução anterior, em que o espírito dominialista passa a inspirar as novas disposições. Segundo ele, no...

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