As falácias da secularização: análise das cinco críticas-tipo às teorias da secularização

AutorJorge Botelho Moniz
CargoDoutorando pela Universidade Nova de Lisboa e Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas74-96
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n36p74
74 74 – 96
As falácias da secularização:
análise das cinco críticas-tipo
às teorias da secularização
Jorge Botelho Moniz1
Resumo
Não obstante as teorias da secularização marquem o debate científ‌ico na sociologia das religiões
desde a década de 1960, elas têm sido fortemente criticadas desde seu advento. Em particular,
criticam-se seus vieses ideológicos e históricos, sua aplicabilidade e extensão teórica e seus re-
sultados previsíveis. Todavia, essas críticas estão, na maioria dos casos, dispersas, não tendo
sido trabalhadas profunda e sistematicamente. Consideramos que, para qualquer cientista social
investido no estudo da secularização, é relevante sua compilação, articulação e interpretação, de
modo a poder compreender plenamente suas def‌iciências ou incoerências internas. Nosso tra-
balho pretende analisar os argumentos críticos mais sólidos e sistemáticos que foram feitos pelo
estado da arte às teorias da secularização. Para isso propomos um estudo descritivo, analítico,
comparativo e sincrônico dos substratos da secularização e, posteriormente, de suas críticas. Esse
exame nos permite entender a fundo suas limitações proposicionais e, desse modo, sustentar a
proposta de novas categorias analíticas e/ou empíricas ou o desenvolvimento de novas estratégias
metodológicas que devem ser consideradas no contexto da modernidade múltipla e global.
Palavras-chave: Secularização. Camadas internas. Críticas-tipo. Modernidade(s).
Introdução
O momento fundamental para o estabelecimento de um estudo sistemá-
tico do fenômeno religioso nas sociedades modernas parece consensual dentro
da literatura sobre a secularização.
Com efeito, a maioria dos autores menciona o período pós-II Grande
Guerra (pós-1945) e o início da década de 1960 como etapas inaugurais da
1 Doutorando pela Universidade Nova de Lisboa e Universidade Federal de Santa Catarina. Apoiado pelo Eras-
mus Mundus Action 2 Programme (União Europeia, 2014-2016) e pela FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (Portugal, desde 2016). E-mail: jobomoniz@gmail.com.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 16 - Nº 36 - Maio./Ago. de 2017
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teoria da secularização no campo da sociologia das religiões. Casanova (1994,
p. 19), por exemplo, arma que é nesse período que se podem encontrar suas
primeiras tentativas de desenvolver formulações empíricas e sistemáticas. Isso
se deve à publicação de três livros: o Religion in Secular Society, de Bryan Wil-
son (1966), o Invisible Religion, de omas Luckmann (1967), e o e Sacred
Canopy, de Peter Berger (1967). Mas, não apenas desses, segundo Demerath
III (2007, p. 59), porquanto a academia das ciências sociais da época produziu
uma “supersafra” de publicações sobre a secularização.
O desenvolvimento teórico fez com que a tese da secularização fosse in-
tegrada, durante os anos 1960, na teoria da modernização, tornando-se um
de seus axiomas centrais (GORSKI, 2003, p. 111). A tensão entre moderni-
zação e desenvolvimento religioso tornou-se, de fato, seu ponto central. Em
termos muito gerais, as teorias da secularização armam que o processo de
modernização e seus subprocessos, transformadores da totalidade da estrutura
social, não podem decorrer sem consequências para as tradições e instituições
religiosas2. Ou seja, as propriedades estruturais da modernização, como a ra-
cionalização, a diferenciação funcional ou a societalização (Vergesellschaftung)
colocam problemas à religião, pelo menos em seu sentido tradicional, e redu-
zem ou, no limite, extinguem sua relevância social.
Nessa época, a tese da secularização parecia autoevidente; todos pareciam
concordar com a ideia de que a inuência pública da religião estava diminuindo
com o avanço da modernização (STARK, 1999, p. 251; GORSKI, 2003,
p. 111). Nas reexões cientícas sobre o lugar e futuro da religião no mundo
moderno, a secularização foi, desde os nais da década de 1960, o paradigma
dominante.
Não obstante sua proliferação e hegemonia nas ciências sociais, seus
pressupostos foram progressiva e mais sistematicamente questionados, em
2 Por exemplo, a urbanização e a erosão da civilização paroquial, normalmente associadas a fortes vínculos
religiosos; a expansão da literacia e da educação e o f‌im do monopólio do conhecimento do clero; a ciência
e a tecnologia e o desenvolvimento de caminhos alternativos aos religiosos para se compreender o mundo;
as ideologias políticas e o surgimento de novos princípios reguladores e legitimadores da ação estatal; o cres-
cimento do Estado moderno e a centralização de funções oferecidas anterior e unicamente pelas instituições
religiosas; a participação política dos indivíduos e sua relativa emancipação do controle das elites políticas
e religiosas; a prosperidade e a modernização econômica e o sentimento de segurança existencial que levam
os indivíduos a recorrer menos à religião; a mobilidade e as migrações internacionais e o desaf‌io que colocam
aos monopólios religiosos.

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