As (in)experiências penais de um civilista

AutorMarion Bach
CargoAdvogada
Páginas123-123
ALÉM DO DIREITO
ALÉM DO DIREITO
243242 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
processo penal ou aos filmes
americanos que assisti – que
tenho direito a um único te-
lefonema. Telefono para a
minha mãe, que não atende.
Está no bingo. Espero que seja
o dia de sorte dela, porque o
meu, definitivamente, não é.
Resolvido o mal-entendi-
do, prometo a mim mesmo
que nunca mais coloco os pés
em uma delegacia. Oito anos
mais tarde, porém, já forma-
do, advogado e especialista
em direito civil, a promessa
é quebrada. Tarde da noite,
toca o meu celular. Um ami-
go, desesperado, teve o irmão
preso em flagrante. Acusação
de tráfico de drogas. “Por fa-
vor! Acompanhe a prisão, na
delegacia.” Explico que não é
a minha área, mas a amizade
fala mais alto e, em menos de
dez minutos, estou vestido.
De terno, mas sem gravata.
Chego na delegacia e o que
vejo são cinco diferentes canais
de televisão, fazendo reporta-
gem e filmando diretamente
o rosto do preso. Meu amigo,
em um canto, ainda mais de-
sesperado. Nesse momento
lembro – não sei se graças às
aulas de processo penal ou aos
filmes americanos que assisti
– que advogado criminal tem
de ter postura e voz firme. Me
dirijo a um policial. “Vocês por
acaso têm autorização para
filmar?” O policial – que deve
ter assistido às mesmas aulas
de processo penal ou aos mes-
mos filmes americanos – reage:
“quem é você?” Minha resposta
vem, automática. “Não interes-
sa quem eu sou...”.
Em poucos segundos, os bra-
ços do policial. Um movimento
que jamais vou esquecer. Se
soubesse que era obrigatório,
teria vindo de gravata. Tarde
demais. Ele me engravata, e me
tira, agora para sempre, dali.1 n
* O protagonista desta crônica é Car-
los Nepomuceno, famoso advogado e
professor de processo civil. Suas úni-
cas – e inesquecíveis – experiências
com o direito penal foram estas: como
réu e como advogado engravatado.
Onze contra onze. Acertou-
-se que cada time poderia
convocar seus serventuários
e os advogados que militavam
na comarca.
O time foi apelidado de
Sertogado F. C. O problema
estava que o elenco era mui-
to fraco. O juiz andava preo-
cupado, até que o promotor
de justiça propôs a solução.
Levar o Niquinha, que estava
de férias na cidade, ele que já
tinha brilhando com a camisa
10 do time B do Londrina.
Mas o Niquinha não é
serventuário nem advogado,
argumentou o juiz.
Sugiro que o senhor o
nomeie oficial de justiça ad
hoc. Mera medida adminis-
trativa, com validade de pou-
cos dias. O argumento é que
se trata de precaução para
o caso de movimento exces-
sivo no fórum. Sem vínculo
empregatício nem remune-
ração, claro.
Arranjo feito, nomeação
efetuada, Niquinha foi a sal-
vação. Desequilibrou a par-
tida, marcou dois gols, deu
passe para mais um e saiu de
campo como herói: 3 x 2 para
os visitantes.
No fim do jogo, um advoga-
do do time adversário, achan-
do o sico e o estilo do craque
muito aprimorados, quis sa-
ber se ele era serventuário.
Trabalho no fórum, res-
pondeu ele.
– E o que você faz?
– Sou oficial de justiça alo-
que [ad hoc]. n
Anita ZippinADVOGADA
VOLVER À SERENATA
“Quando só se pretende a
prática
do bem, sempre se triunfa”
(J.J. Rousseau)
FOI PELOS IDOS de 90, reuni-
mos um grupo de advogados e
empresários para colocar músi-
ca nas janelas de gente que fez
e ainda faz o bem a Curitiba.
Eu recém tinha chegado de
Buenos Aires e vim impres-
sionada com o tango Volver,
que fala que 20 anos não é
nada, que febril a mirada…
e, encontrando o violonista
e cantor Paco, começamos a
nos reunir todas as sextas-
-feiras, sempre numa das ca-
sas dos idealizadores. E, quan-
do o relógio batia quase meia
noite, saímos em carreata,
talvez dez carros, sempre com
o roteiro dos merecedores de
nossa homenagem elaborado
por mim, com todo carinho.
Pegávamos de verdade,
bons cidadãos e cidadãs de
camisolas e pijamas, cabelos
em pé, mas emocionados. Não
apenas eles, mas seus familia-
res, em especial quem nunca ti-
nha visto uma serenata, como
o caso da jovem Rogéria, filha
do bom amigo, o criminalista e
professor René Ariel Doi.
Tínhamos como lema não
entrar nas casas, por mais
insistência que recebíamos,
porque nossas paradas eram
para mais de dez serenatas
em cada noite, e torcíamos
para que encontrássemos
muita lua cheia e estrelas.
Como anônimos curiti-
banos, deixávamos algumas
mensagens de bem viver e es-
colhíamos sempre um lugar de
referência para sentarmos ao
final, comentarmos sobre as
carinhas nas janelas, só risos, e
nos despedíamos para voltar-
mos na outra sexta-feira.
Foi numa madrugada en-
cantadora que escolhemos
nos reunir, na Praça do Batel,
ainda inteira, sem o corte no
Marion BachADVOGADA
AS (IN)EXPERIÊNCIAS PENAIS DE UM CIVILISTA*
TREZENTOS E SESSENTA e
quatro reais. Em dinheiro vivo.
Tendo recebido meu primeiro
salário, como estagiário em um
grande escritório de advocacia,
me vi diante de um dilema mo-
ral. Usar o dinheiro para tirar a
minha conta (universitária) do
negativo ou para dar de beber
à minha sedenta Parati, verde
esmeralda, ano 91?
Estando dividido, decidi
dividir também o valor. De-
positei metade no banco: o
suficiente para, se meu santo
fosse forte, não encerrarem
minha conta. A outra me-
tade, foi para o tanque seco
da Parati: o suficiente para
chegar a Cornélio Procópio,
onde passaria o feriado de Ti-
radentes na casa de um velho
amigo.
Sábado, no meio da tarde,
chego em Cornélio. Era a pri-
meira vez que estava na cida-
de. À época, não havia GPS –
ou, se havia, certamente não
era acessível a um universitá-
rio com a conta no vermelho
–, então a busca de endereço
era árdua missão. Concentra-
do nos pontos de referência
e complexos nomes de rua
que me foram passados, não
atentei à placa com um dizer
bem simples: pare. Não parei.
Então, já na chegada, tingi um
veículo corneliano procopen-
se – hoje, por razões compre-
ensíveis, abortaram o corne-
liano e ficaram apenas com
procopense – com o verde es-
meralda da minha Parati.
Desci do carro nervoso.
Mas os indivíduos do veículo
que eu (a)tingi, ainda mais.
Tanto que me apontaram um
38 e me mandaram colocar a
mão sobre o capô. Coloquei
as duas, para garantir. Foi as-
sim que descobri que havia
abalroado a viatura desca-
racterizada da Polícia Civil.
Apreenderam minha Parati e
alertaram que apenas libera-
riam ao término do feriado.
E, claro, cobraram o valor do
prejuízo que causei à viatura.
Dinheiro vivo – aquele, do iní-
cio do texto – eu já não tinha.
Mas tinha um talão de che-
ques da minha conta (univer-
sitária, mas com talão).
Dia seguinte, os mesmos
policiais telefonam e solici-
tam minha presença na dele-
gacia. Chego e, confesso, não
gosto da recepção que tenho.
É a primeira vez que sou re-
cebido com voz de prisão. Es-
telionato, senhor. Seu cheque
voltou, a conta está encerra-
da. Nesse momento lembro
– não sei se graças às aulas de

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT