As Liberdades Públicas no Âmbito da Comunicação Social

AutorSuzana de Camargo Gomes
Páginas153-187

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1. Introdução

O homem demonstrou, desde priscas eras, ser detentor de ínsita natureza gregária, em primeiro lugar como forma de vencer as adversidades decorrentes do mundo primitivo em que vivia, a reclamar a conjugação de forças como instrumento indispensável à sobrevivência, e depois, com o decorrer dos tempos e desenvolvimento da civilização, revelou-se fundamental como meio de satisfação dos fins superiores de cooperação e auxílio, expressos tanto na esfera material como ética.

E é justamente, como emanação do sentido societário, que surge a comunicação humana, na condição de elemento indispensável, pois, faculta a exteriorização e a troca de ideias entre as pessoas, encarnando, assim, um dos mais expressivos elos a propiciar as relações sociais.

De sorte que a interação social repousa, fundamentalmente, na liberdade pública consubstanciada no direito de manifestação do pensamento, por meio das diversas modalidades de expressão oral e escrita. É por isso que os ordenamentos jurídicos dos países tem tido a preocupação de disciplinar essa matéria, de forma assegurar a livre expressão do pensamento.

Na verdade, trata-se de uma das grandes conquistas da civilização, sendo resultante da luta do homem contra as opressões e o obscurantismo.

Na Antiguidade, a manifestação do pensamento estava sujeita a severas restrições, sendo bastante conhecida a série de perseguições movidas contra o fabulista Caio Julio Fedro, em Roma, por conter suas histórias, embora de maneira discreta e inteligente, uma dose de crítica social às elevadas autoridades romanas.

É assim que esse antigo escravo, liberto do Imperador Augusto, teve suas fábulas proibidas por ordem de Lucio Elio Sejano, prefeito do pretório, chegando a ser exilado, após ter seus escritos apreendidos. A fábula, que mais causou desconten-

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tamento a Sejano, foi a do "Lobo e o Cordeiro", sendo o lobo a indicação clara ao prefeito do pretório e o cordeiro representava todo e qualquer cidadão inocente, perseguido no Império.

Neste caso, restou a Fedro somente se resignar, lembrando para tanto, com tristeza, a velha·sentença de Enio, o trágico, donde aprendera, ainda no início de sua formação, que "é crime para o plebeu manifestar-se publicamente" (Enio, Tragédias, 276, V).

Outro exemplo de opressão foi o vivido por Sócrates, dado que, por ter afirmado sua fé em uma Justiça superior; por ter lançado as bases para um sistema filosófico idealista; por ter orientado a sua meditação para o estudo do homem; por ter insistido na necessidade do auto-conhecimento celebrizado nas expressões "conhece-te a ti mesmo"; por ter ensinado o respeito às leis, não só as escritas, como também as emanadas dos deuses e impostas aos homens; enfim, em razão da manifestação de suas ideias, veio a ser condenado à morte, sob a acusação injusta de ter introduzido novos deuses e corrompido a juventude.

A acusação somente foi possível porque Sócrates se dizia inspirado por uma divindade, que não era outra senão a sua consciência, o que foi suficiente para ser entendido que a sua postura era contrária à religião dominante, fazendo com que seus adversários se utilizassem desse artifício para impor a eliminação da sua vida.

Era a represália em relação ao seu modo de pensar, e que foi aceita com resignação pelo condenado, daí ter Giorgio Del Vecchio ressaltado, a respeito de Sócrates, que "a maneira sublime e serena como encarou a morte toma ainda mais admirável a sua figura e faz dele um precursor de outros mártires do pensamento."1

Verifica-se, assim, que a história registra páginas lamentáveis, onde a liberdade de manifestação do pensamento não foi respeitada, tendo, muitas dessas passagens, redundado até em severas penas aplicadas aos que ousaram expressar suas ideias. Desse jaez é a condenação de Fedro, a de Sócrates, a morte de Cristo, de Joana D’Arc, a imposição feita a Galileu Galilei para que abjurasse publicamente as conclusões científicas a que chegara, a extirpação da língua nos escravos e servos pelos seus senhores.

A luta do homem, portanto, nessa seara, foi árdua e intensa, tendo tido papel decisivo nas conquistas encetadas a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791, quando, em seu artigo 11, já reconhecia que:

A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem.

Da mesma forma, grande relevância teve a Constituição alemã de Weimar, de 1919, onde consagrava que:

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Todo alemão tem direito, dentro das leis gerais, a manifestar com liberdade a sua opinião, oralmente ou por escrito, mediante a imprensa, a gravação, ou de qualquer outra maneira.

Enfim, verifica-se que os regimes democráticos facultam a manifestação do pensamento, quer pela escrita, quer por meio da fala, dos gestos ou quaisquer outros sinais exteriores idealizados pela inteligência humana, enquanto que os regimes totalitários, em qualquer uma das modalidades em que se apresentem, utilizam-se de mecanismos de ingerência e controle sobre todas as formas de expressão do pensamento humano.

E, assim, tomando-se em consideração os diversos segmentos da humanidade, vêse que a luta continua, devendo ainda muito ser pugnado para a consagração no seio de todos os povos da relevante liberdade pública, consubstanciada na manifestação do pensamento sem peias e sem restrições autoritárias, mas jungida exclusivamente à lei, tendo em vista que não se encontra presente em todos os cantões do mundo.

2. A comunicação social no brasil
2. 1 A comunicação social

A comunicação social consiste na exteriorização do pensamento humano, na projeção de ideias no mundo.

Trata-se da revelação do pensamento interior, que, sendo objeto de manifestação, transborda da intimidade do ser emissor e é transmitido para os homens.

As ideias, as opiniões, os pensamentos, se não transitivados, não possuem relevância para o Direito, pois, consoante realça Pimenta Bueno:

"a liberdade de pensamento, em si mesma, enquanto o homem não o manifesta exterior-mente, enquanto o não comunica, está fora de todo o poder social. Até então, é do domínio do próprio homem, de sua inteligência e de Deus. A sociedade, ainda quando quisesse, não tinha meio algum de penetrar nessa esfera intelectual, suas leis não chegam até lá."2

No mesmo diapasão posiciona-se V. E. Orlando, quando destaca que:

"o pensamento é por si mesmo livre, escapa, como tal, a qualquer sanção jurídica. Esta liberdade é um dos modos mais elevados, o mais elevado entre todos, mediante o qual o homem afirma sua personalidade. Por isso, quando o pensamento se exterioriza por meio da palavra, resta ainda intacto o fundamento da liberdade do pensar."3

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E mais, enfatiza Carlos Maximiliano que:

"o pensamento é íntimo, simples função psíquica incoercível. Dele faz uso até o encarcerado. O próprio indivíduo dificilmente o evita, cada um sente a tortura de uma ideia, que desejaria expungir do cérebro. Reivindica-se apenas a liberdade da palavra, que é a expressão do pensamento."4

Destarte, revela-se de importância fundamental a livre expressão das ideias, pois, somente dessa forma se concretiza a garantia jurídica à liberdade de manifestação do pensamento, sendo nessa esteira o ensinamento de Pontes de Miranda, ao ressaltar que:

"é pela liberdade da psiquê que começam as liberdades, se queremos considerá-las quanto à sua importância humana. Se não pode pensar e julgar com liberdade, que se há de entender por liberdade de ir, ficar e vir, de fazer e não fazer? Se falta liberdade de pensamento, todas as outras liberdades humanas estão sacrificadas, desde os fundamentos. Foram os alicerces mesmos que cederam. Todo o edifício tem de ruir."5

Assim, o tratamento dispensado pelos ordenamentos jurídicos às questões relativas à comunicação social assume especial realce, ainda mais no momento atual, em que os meios existentes possibilitam que as ideias sejam propagadas de maneira mais rápida e atingindo um número infindável de pessoas, em todos os quadrantes do mundo.

É, pois, indubitável que, no contexto hodierno da civilização, a comunicação humana não encontra mais fronteiras, tendo o antigo mundo escrito de Gutenberg se transformado no mundo audiovisual, face a utilização dos meios de transmissão de sons e imagens determinados pelos avanços tecnológicos. É o que registra

J. Cretella Júnior ao aduzir que "a galáxia de Gutenberg cede lugar à galáxia da imagem e do som".6

2. 2 Evolução histórica no Brasil

A Constituição do Império de 1824, em seu artigo 179, 4º, consagrava a liberdade pública da expressão escrita e falada, sendo que estava consignada nos seguintes termos:

"Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito, nos caso e pela forma que a lei determinar."

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A par da garantia da liberdade de expressão, prevista constitucionalmente na época, foram criados também limites, principalmente no tocante a espetáculos e diversões públicas. Surgiu, assim, a censura teatral, que teve origem no ano de 1829, sendo, portanto, a mais antiga forma de...

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