As Lições da Comissão de Garantia do Direito Italiano ao Direito Brasileiro

AutorIlmar da S. Moreira - Marcelo Ivan Melek
Páginas85-92

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Ilmar da S. Moreira *

Marcelo Ivan Melek **

Introdução

Tem-se como objeto do presente estudo, a Comissão de Garantia, instituto previsto no direito Italiano, o qual avalia a idoneidade dos acordos coletivos e dos códigos de regulamentação dos trabalhadores autônomos quanto ao conteúdo das cláusulas limitativas de greve no serviço público essencial. Como atribuição, a referida Comissão deve formular proposições às partes, como forma de solução do conflito, no caso de avaliação negativa da questão.

O estudo justifica-se pela necessidade de conhecer e discutir a limitação heterônoma do exercício do direito de greve do trabalhador nos serviços públicos essenciais, o que não significa tornar a situação menos complexa ou definitiva, inclusive com vistas ao respeito absoluto às normas constitucionais. No Brasil, diferentemente da Itália, a questão da greve em atividades essenciais é resolvida, em regra, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, tendo por fundamento a Lei n. 7.783/1989.

Com o objetivo de compreender e discutir o instituto da Comissão de Garantia, pretende-se analisar se o referido instituto poderia ou deveria ser adotado no Brasil, como forma de melhor regulamentar as questões relativas ao direito fundamental da greve especialmente nos serviços públicos essenciais.

Para tanto, o artigo foi dividido basicamente em três partes, a saber: a primeira onde se traça de forma panorâmica e geral os contratos coletivos no direito italiano; a segunda aborda exatamente a comissão de garantia prevista no ordenamento italiano, com sua composição e atribuições; e a regulamentação brasileira sobre o direito de greve no plano constitucional e infraconstitucional, bem como discute o papel do Ministério Público do Trabalho.

Breves considerações acerca dos contratos coletivos de trabalho no direito italiano

Antes mesmo de adentrar ao objeto do presente estudo, é imperioso tecer, ainda que de forma breve e geral, algumas premissas essenciais da definição dos contratos coletivos de trabalho no direito italiano.

A Lei n. 563, de 3 de abril de 1926, e seu respectivo Regulamento de Execução n. 1.130, de 1º de julho de 1926, instituíram o ordenamento corpora-

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tivo na Itália, conforme registra Magalhães (2006, p. 34). Com base em tal legislação, previa-se o reconhecimento legal de uma única associação para cada categoria de empregadores, trabalhadores, artistas e profissionais em geral.

O art. 54 do Decreto n. 1.130, de 1º de julho de 1926, assim dispõe:

Os contratos de trabalho estipulados pelos empregadores individualmente considerados e trabalhadores sujeitos ao contrato coletivo, devem uniformizar-se com as normas estabelecidas por este. As cláusulas destoantes dos contratos de trabalho individuais, preexistentes ou sucessivos ao contrato coletivo são substituídas de pleno direito por aquelas do contrato coletivo, salvo no caso de serem mais favoráveis aos trabalhadores.

A relação entre lei e contratação coletiva baseia-se em uma simples combinação entre as duas fontes, norteada por dois axiomas: a norma legal fixa o parâ-metro mínimo de tratamento, enquanto a contratação coletiva intervém acerca de matérias específicas elevando ainda mais as garantias já preceituadas em lei.

Frisa-se que a norma legal, dada sua função de fixar um tratamento mínimo, é absolutamente inderrogável: a contratação pode ir além, nunca aquém do dispositivo legal. Desta forma, na relação lei versus contratação aplica-se à relação hierárquica entre disciplina legal e autonomia privada, prescrita no art. 1.322 do Código Civil italiano. (MAGALHÃES, 2006).

Assim sendo, a autonomia contratual desenvolve-se no âmbito dos ditames da lei e fora dos tipos contratuais enquanto seja objetivada a realizar interesses ensejadores de tutela, segundo o ordenamento jurídico vigente.

A comissão de garantia no direito italiano

A criação da Comissão de Garantia no direito italiano foi uma inovação fundamental no plano de reforma realizado com a promulgação da Lei n. 146/1990, porque representa um dos pilares sobre o qual está baseado o sistema de controle do direito de greve descrito pelo legislador italiano.

Neste sentido, a Comissão nasceu institucionalmente responsável para assegurar a correta aplicação da Lei n. 146/1990, com funções posteriormente alteradas pela Lei n. 83/2000, que incorporou as orientações interpretativas fornecidas pela própria Comissão, no período anterior, reforçando seus poderes.

A autoridade é primeiramente chamada para fazer um juízo sobre a adequação das regras criadas pelas partes para o exercício da greve no serviço público essencial nas suas respectivas áreas de atuação, a fim de assegurar a idoneidade das prestações indispensáveis, dos procedimentos de prevenção e conciliação, a fim de garantir o equilíbrio entre o exercício de greve e o gozo dos direitos da pessoa, constitucionalmente assegurados. Caso tais regras não sejam suficientes para garantir tal equilíbrio, pode a Comissão de Garantia, após instar as partes a solucionar o problema, formular um regulamento provisório para a greve, que vige até que as partes solucionem tal impasse.

A Comissão de Garantia é composta por nove membros nomeados pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado entre especialistas em direito constitucional, direito do trabalho e relações indus-triais e nomeados pelo Presidente da República.

Vale dizer, que a Comissão de Garantia é um órgão independente e de natureza administrativa, em razão da sua função em solucionar conflitos de forma imparcial. É, ainda, o órgão responsável pela valoração da legitimidade da greve proclamada, bem como pelo exame das disposições dos contratos coletivos que regulamentam a greve nos serviços públicos essenciais (se a valoração for positiva, o contrato coletivo adquire eficácia geral, vinculando todos os envolvidos na prestação de tais serviços); além da aplicação de sanções no caso de violação da lei por alguma das partes do conflito (art. 4º da Lei n. 146/1990); pela interpretação da lei; possui poderes para intervir nos conflitos (art. 13 da Lei n. 146/1990) e para elaborar regulamentações provisórias no caso da ausência de regulamentação do contrato coletivo no tocante à greve nos serviços públicos essenciais ou se tais disposições foram consideradas não idôneas. (SANTOS; PEREIRA, 2017).

A principal tarefa da comissão em garantia é a de avaliar a idoneidade dos acordos coletivos e dos códigos de regulamentação dos trabalhadores autônomos quanto ao conteúdo das cláusulas limitativas de greve no serviço público essencial. Em caso de avaliação negativa, a Comissão deve formular proposta às partes. Não havendo aceitação da proposta, a Comissão emana deliberações próprias a respeito das regras de exercício da greve, aptas a realizar a almejada harmonia entre os direitos constitucionais. Tais deliberações são sempre provisórias porque podem a qualquer momento ser revogadas por acordo entre os litigantes, desde que chancelada sua idoneidade pela própria Comissão, a qual deve antes ouvir o parecer das associações de consumidores operantes no plano nacional ou local, conforme seja o nível da greve (art. 13, § 1º, a)

E ainda em particular, a Comissão:

  1. Pode emitir, a pedido das partes interessadas, uma decisão sobre o mérito da controvérsia re-

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    lativa à interpretação ou aplicação questões do conteúdo dos acordos ou códigos de regulamentação (Art. 13, b... da Lei);

  2. Pode convidar e adiar a greve para outra data para permitir mais uma tentativa de mediar os conflitos de importância nacional;

  3. Reformular a proclamação de greves, em caso de flagrante violação das regras relativas às fases que precedem a abstenção...

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