As limitações, o fair use e a guinada utilitarista do direito autoral brasileiro

AutorCláudio Lins de Vasconcelos
Páginas757-777
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AS LIMITÕES, O FAIR USE
E A GUINADA UTILITARISTA
DO DIREITO AUTORAL BRASILEIRO1
Cláudio Lins de Vasconcelos
Sumário: 1 Introdução. 2 Limitações e fair use: a raiz da diferença. 3 O sistema brasileiro:
das causas naturais às consequências práticas. 4 Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Na ordem constitucional brasileira, e mesmo na ordem jurídica internacional, ao
contrário do que reza um dos mitos mais repetidos do mundo jurídico, há, sim, direitos
absolutos.1 Tome-se aqui emprestado um exemplo de difícil contestação, oferecido
pelo Ministro Carlos Ayres Britto: o brasileiro nato tem o direito constitucional de não
ser extraditado e nada parece autorizar qualquer espécie de ponderação em sentido
contrário.2 Não importa o quão sanguinário tenha sido o crime praticado no exterior,
quão repulsivas tenham sido suas motivações ou quão relevantes sejam as relações
diplomáticas com o Estado requerente. Se o réu é brasileiro nato, não há hipótese legal
para sua extradição.
Transpondo essa mesma lógica para o direito internacional público, percebe-
remos que nenhum Estado, por mais convicto de sua soberania que esteja, teria a
audácia de contestar abertamente a existência de uma proibição universal e abso-
luta à utilização de trabalho escravo.3 O direito de não ser escravizado, portanto, é
absoluto, e sua estrita observância se impõe a todos os Estados, sem qualquer exce-
ção, na paz ou na guerra. É uma norma imperativa de direito internacional, ou jus
1. Absolutos dentro da ordem jurídica estabelecida, claro. Modif‌icada essa ordem, ou a fonte de onde emana o poder
de efetivamente estabelecer o direito, a criação ou revogação de qualquer conteúdo normativo torna-se teoricamente
possível. (N. A.).
2. BRITTO, Carlos Ayres. A liberdade de expressão e as obras biográf‌icas. Palestra ministrada no seminário Justiça
e Comunicação Social. Mangaratiba, Rio de Janeiro, 6-9 de outubro de 2011. (Anotações do autor). Para outras
manifestações do Ministro Ayres Britto no mesmo sentido, cf., p. ex.: BUCCI, Eugênio. Liberdade de imprensa, direito
absoluto. Observatório da Imprensa, edição 585, 15.4.2010. Disponível em:
com.br/news/view/liberdade-de-imprensa-direito-absoluto>. Acesso em: 10 jan. 2020.
3. Pode-se aqui ponderar que condições sub-humanas de trabalho, por vezes análogas às de escravos, persistem de
forma velada em diversos países e que o uso do trabalho forçado como pena, ainda que alternativa à privação da
liberdade, é relativamente comum. Mas o uso de trabalho forçado como direito prima facie contra determinadas
pessoas, em especial contra certos grupos étnicos – o que talvez def‌ina “escravidão” –, é prática incontestavelmente
banida da ordem jurídica internacional (N. A.).
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cogens, def‌inida pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados – talvez sua
mais relevante fonte normativa –,4 como aquela sobre a qual nenhuma derrogação é
possível.5 Absoluta, por def‌inição.
Esse não é, contudo, o caso dos direitos de propriedade, em geral, e nem dos di-
reitos de propriedade intelectual, em particular. Nem na esfera industrial, nem na au-
toral. Direitos de propriedade intelectual são fundamentais, o que é reconhecido pelo
ordenamento doméstico6 e pelo direito internacional.7 Mas isso não signif‌ica que não
sejam sempre limitados, de uma forma ou de outra, no mínimo quanto ao seu prazo de
duração. E desde pelo menos a gênese das convenções de Paris8 e Berna,9 instrumentos
fundadores do sistema internacional de proteção à propriedade intelectual como o
conhecemos, os limites impostos aos direitos exclusivos se guiam essencialmente pelo
4. CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS, adotada em 26 de maio de 1969, em vigor desde
27 de janeiro de 1980 (doravante, Convenção de Viena). A Convenção de Viena prevê, em seu art. 4o, sua própria
irretroatividade, mas no mesmo artigo reconhece a existência de regras no corpo da Convenção que já eram parte
do direito internacional e às quais os Estados membros já estavam sujeitos antes da Convenção. Por isso, a maioria
dos internacionalistas não hesitaria em aplicar seus princípios, e algumas de suas provisões, mesmo a tratados
f‌irmados anteriormente à sua adoção e mesmo que as circunstâncias envolvam Estados não signatários. Cf., e.
g., HENKIN; PUGH; SCHACHTER; SMITH. International Law: Cases and Materials. 3. ed. St. Paul, MN: West
Publishing, 1993, p. 416-417 (“The [Vienna] Convention is regarded as in large part (but not entirely) declaratory of
existing law, and on that basis it has been invoked and applied by tribunal and by states prior to its entry into force and in
regard to non-parties as well as parties […] It is perhaps more signif‌icant that states tend to refer to all of the provisions
of the Convention as an authoritative source of law, thus gradually transforming its innovative features into customary
law through such application”). Cf., ainda: Convenção de Viena, art. 4: “Sem prejuízo da aplicação de quaisquer
regras enunciadas na presente Convenção a que os tratados estariam sujeitos em virtude do Direito Internacional,
independentemente da Convenção, esta somente se aplicará aos tratados concluídos por Estados após sua entrada em
vigor em relação a esses Estados”.
5. CONVENÇÃO DE VIENA, art. 53: “É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conf‌lite com uma norma
imperativa de Direito Internacional geral. Para os f‌ins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito In-
ternacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como
norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modif‌icada por norma ulterior de Direito Internacional
geral da mesma natureza.
6. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 5o, inciso XXVII: “[A]os autores pertence o direito exclusivo de utilização, publi-
cação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei f‌ixar”. CF, art. 5o, inciso XXIX:
[A] lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção
às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o
interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
7. PACTO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS (adotado pela As-
sembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966), art. 15, 1 (c): “Os Estados Partes no presente Pacto
reconhecem a todos o direito [...] de [se] benef‌iciar da proteção dos interesses morais e materiais que decorrem de toda
a produção científ‌ica, literária ou artística de que cada um é autor”. Analisando especif‌icamente esse dispositivo, o
Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, órgão colegiado máximo das Nações Unidas nessa esfera
do Direito Internacional dos Direitos Humanos, reaf‌irmou a jusfundamentalidade dos princípios básicos do
direito de autor. Cf.: COMMITTEE ON ECONOMIC, SOCIAL AND CULTURAL RIGHTS. General Comment
no 17 – The right of everyone to benef‌it from the protection of the moral and material interests resulting from
any scientif‌ic, literary or artistic production of which he or she is the author (article 15, paragraph 1 (c), of the
Covenant). E/C.12/GC/17, de 12 de janeiro de 2006. Disponível em:
cescr/comments.htm.> Acesso em: 10 jan. 2020. “The right of everyone to benef‌it from the protection of the moral
and material interests resulting from any scientif‌ic, literary or artistic production of which he or she is the author is a
human right, which derives from the inherent dignity and worth of all persons.
8. CONVENÇÃO DE PARIS PARA A PROTEÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (adotada em 20 de março de
1883; emendada em 2 de outubro de 1979).
9. CONVENÇÃO DE BERNA PARA PROTEÇÃO DE TRABALHOS ARTÍSTICOS E LITERÁRIOS (adotada em 9 de
setembro de 1886; emendada em 28 de setembro de 1979).
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interesse público,10 princípio abstrato que no âmbito autoral se traduz na complicada
busca pelo livre desenvolvimento e fruição das artes, da cultura e da ciência dentro de
uma lógica economicamente sustentável.
2. LIMITAÇÕES E FAIR USE: A RAIZ DA DIFERENÇA
As chamadas “limitações” aos direitos autorais – hipóteses em que uma determinada
obra artística ou literária, ainda no prazo de proteção legal, pode ser livremente utilizada,
sem a anuência prévia de seu autor ou titular – representam um locus privilegiado do
interesse público dentro da esfera regulatória de um direito eminentemente privado, que
é a propriedade intelectual. Relevante notar, contudo, que as duas principais tradições
jurídicas ocidentais – a romano-germânica, também chamada de continental-europeia
ou civilista (civil law), e a anglo-saxônica (common law) – tratam essas hipóteses de uso
livre de forma distinta. Até porque possuem diferentes visões f‌ilosóf‌icas a respeito do
próprio conceito de propriedade intelectual e de suas justif‌icativas éticas profundas,
que envolvem algumas questões de ordem moral e outras puramente pragmáticas. E
para compreendermos a diferença essencial entre elas, e as razões que nos levam a crer
que o sistema brasileiro se aproxima a passos largos da essência anglo-saxônica, faz-se
necessária uma breve revisão dos pressupostos teóricos das duas tradições autoralistas.
As justif‌icativas de ordem moral para o direito de autor se fazem especialmente
presentes entre seguidores da tradição civilista do droit d’auteur, caso da maior parte dos
países da Europa continental e suas ex-colônias, entre as quais o Brasil. Nesses sistemas,
não soaria estranha a af‌irmação de que os autores possuem um vínculo personalíssimo
com o fruto de sua criação intelectual, que lhes “pertence” como projeção (o “ser-aí”) de
sua própria liberdade (will) individual, na linha da teoria da personalidade de Hegel.11
Talvez seja possível, portanto, atribuir-lhes um “direito natural”12 pelo menos ao reconhe-
cimento público de sua autoria e, nos limites de sua honra, à integridade intelectual dessa
criação. O recurso a Hegel certamente bastaria para justif‌icar a noção de “pertencimento”
entre autor e obra, mas talvez não fosse suf‌iciente para justif‌icar sua “propriedade”, no
10. RICKETSON, S. Wipo study on limitations and exceptions of copyright and related rights in the digital environment.
Estudo preparado para a 9ª Sessão do Comitê Permanente de Direitos Autorais e Conexos da OMPI – SCCR/9/7
(Genebra, 23 a 27 de junho de 2003), p. 3. (“It has long been recognized that restrictions or limitations upon authors,
and related rights may be justif‌ied in particular cases. Thus, at the outset of the negotiations that led to the formation
of the Berne Convention in 1884, the distinguished Swiss delegate Numa Droz stated that it should be remembered that
‘limits to absolute protection are rightly set by the public interest”).
11. Cf.: HUGHES, Justin. The philosophy of intellectual property. 77 Georgetown Law Journal 287 (1988), p. 2.
Disponível em: Acesso em: 10 jan. 2020 (“’[P]ersonality theory’
[...] describes property as an expression of the self. This theory [...] is relatively foreign to Anglo-Saxon jurisprudence.
Instead, its origins lie in continental philosophy, especially the work of Georg Wilhelm Friedrich Hegel”). Para a teoria
original de Hegel, cf.: HEGEL, G. W. F. Princípios da f‌ilosof‌ia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Em especial
p. 39-69. Uma versão eletrônica do texto está disponível em:
Principiosda.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020.
12. Na def‌inição de Hugo Grócio (apud Bittar e Almeida), o direito natural é “o mandamento da reta razão que indica
a lealdade moral ou a necessidade moral inerente a uma ação qualquer, mediante o acordo ou o desacordo desta com a
natureza racional” (BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de f‌ilosof‌ia do direito. 7. ed. São
Paulo: Atlas, 2009. p. 262).
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sentido de “direito exclusivo” que lhe dá o liberalismo clássico.13 Ainda assim, notam-se
resquícios da moral jusnaturalista na base que sustenta também os direitos patrimoniais
do autor, pois em sua origem o direito autoral foi igualmente inf‌luenciado pela noção
lockeana14 da propriedade como “justa remuneração” do trabalho humano.15
Em sua gênese moderna, portanto, a propriedade intelectual do autor se reveste de
certo ar “sagrado” que, embora mais diretamente relacionado com a tradição do droit
d’auteur,16 não pode ser totalmente dissociado da sacralização mais ampla do direito
de propriedade como um todo, essencial à moral liberal-iluminista. Em sua essência, a
legitimidade moral do direito de propriedade, especialmente como proposta por John
Locke, está na base dos principais sistemas jurídicos contemporâneos, tanto nos países
do civil law quanto do common law, na medida em que está também na base do próprio
sistema econômico capitalista.17 No âmbito específ‌ico dos direitos imateriais, contudo,
13. HUGHES, Justin. The philosophy of intellectual property. Op. cit. p. 29 (“To the classical liberal, true freedom is a
freedom from external restraint. For Hegel, freedom is increasingly realized as the individual unites with and is expressed
through a higher objective order: a unity which, to the classic liberal, is tantamount to drowning the individual in the
larger ‘geist’ of social groups”).
14. Craig Dallon ensina que o pensamento de John Locke inf‌luenciou diretamente a adoção do chamado “Estatuto
da Rainha Ana”, promulgado na Inglaterra em 1710 e considerado pela maioria da doutrina internacional como
a primeira lei de direitos autorais do mundo. Segundo Dallon, “locke opposed perpetual copyrights as both harmful
and unreasonable, remarking: ‘of [t]his I am sure, it is very absurd and ridiculous that any one now living should pretend
to have a property in, or a power to dispose of any copy or writings of authors who lived before printing press was known
or used in Europe’. Locke also advocated limited duration copyrights for works of modern authors, and suggested that ‘it
may be reasonable to limit their property to a certain number of years after the death of the author, or the f‌irst printing
of the book, as, suppose, f‌ifty or seventy years” (DALLON, Craig. The problem with congress and copyright law:
forgetting the past and ignoring the public interest. Santa Clara Law Review, v. 44, 2004). Sobre o pioneirismo
regulatório do Estatuto da Rainha Ana, cf., entre outros: MOORE, Adam D. Intellectual property and information
control: philosophical foundations and contemporary issues. New Brunswick: Transactions Publishers, 2006. p.
12. Pelo calendário britânico vigente à época (o ano começava no mês de março), o Estatuto teria sido promulgado
em 1709. Em 1750, com a mudança do início do ano-calendário britânico para janeiro, a data de promulgação do
Estatuto foi atualizada para 1710, o que explica a existência de referências díspares na doutrina. Cf.: PATTERSON,
Lyman R. Copyright in historical perspective. Nashville: Vanderbilt University Press, 1968, p. 3, no 3.
15. Cf.: HUGHES, Justin. The philosophy of intellectual property. Op. cit. p. 6-7 (“The general outline of Locke’s property
theory is familiar to generations of students. In Chapter V of the Second Treatise of Government, Locke begins the dis-
cussion by describing a state of nature in which goods are held in common through a grant from God. God grants this
bounty to humanity for its enjoyment but these goods cannot be enjoyed in their natural state. The labor adds value to
the goods, if in no other way than by allowing them to be enjoyed by a human being.”). Para o texto original de Locke,
cf.: LOCKE, John. Segundo tratado sobre governo civil: ensaio sobre a origem, os limites e os f‌ins verdadeiros do
governo civil. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 97-112. Uma versão eletrônica do texto original está disponível em:
.pro.br/IF/LOCKE-Segundo_Tratado_Sobre_O_Governo.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020.
16. Cf.: VILLALBA, Carlos A.; LIPZIC, Delia. El derecho de autor en la Argentina. Buenos Aires: La Ley, 2001. p. 3.
Apud ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefícios coletivos: a dimensão pública do direito autoral
na sociedade da informação. 387 f‌ls. Tese (Doutorado) – UNISINOS, São Leopoldo, p. 84, nota 215. Disponível
em: Acesso em: 10 jan. 2020 (“Es célebre la
frase ‘La más sagrada, la más personal de todas las propiedades’ con que La Chapelier calif‌icó al derecho de autor en el
informe al que siguió al decreto 13-19 de enero de 1791 que consagró a favor de los autores el derecho de representación
pública sobre sus obras y que fue reiterada por Lakanal en el informe que precedió al decreto 19-24 de julio de 1793 que
reconoció a los creadores el derecho de reproducción de sus obras”). A tese de Adolfo foi publicada sob a forma de
livro. Cf.: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privadas, benefícios coletivos: a dimensão pública do direito autoral
na sociedade da informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008.
17. Opositor da dinastia Stuart, Locke retornou do exílio na Holanda ao f‌inal da Revolução Gloriosa e, entre 1689
e 1690, publicou suas principais obras: Cartas sobre a tolerância, Ensaio sobre o entendimento humano, e os dois
Tratados sobre o governo civil, para muitos a base f‌ilosóf‌ica do liberalismo moderno. Cf.: MELLO, Leonel Itaussu
Almeida. John Locke e o individualismo liberal. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os clássicos da política. São
Paulo: Ática, 1995. p. 81-110. Cf., ainda: HONDERICH, Ted (Ed.). The Oxford companion to philosophy. New York:
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pode-se dizer que essa noção de jusfundamentalidade encontrou mais guarida entre os
civilistas. Até porque o sistema continental-europeu é historicamente mais apegado a
noções deontológicas, como a de “justiça retributiva” – princípio arcaico18 modernizado
no século XVIII por Immanuel Kant19 e plenamente incorporado pelo normativismo
de Hans Kelsen (ele próprio um pensador neokantiano20 e ainda hoje uma referência
f‌ilosóf‌ica central dos ordenamentos do civil law).21
O pragmatismo econômico, por outro lado, foi mais inf‌luente na formação do direito
autoral dos países f‌iliados à tradição anglo-saxônica do common law, onde o instituto é
conhecido como copyright, a exemplo dos Estados Unidos da América e do Reino Unido
(muito embora o pragmatismo econômico esteja presente, até certo ponto, na racio-
nalidade de todos os sistemas autorais contemporâneos). Por essa ótica, a justif‌icativa
central para a existência do direito autoral está na convicção de que a garantia de direitos
exclusivos de exploração econômica é a forma mais ef‌iciente até aqui encontrada para
remunerar e, com isso, incentivar investimentos na criação e produção de obras literárias
ou artísticas no futuro. Na ausência desse incentivo – caracterizado por uma espécie de
Oxford University Press, 1995. p. 723 (“One specif‌ic form of property is private property. This form, associated with
John Locke’s political philosophy and with capitalism, assigns to owners the rights to use what they own in any way they
choose so long as they respect the moral or natural rights of others”).
18. Cf.: CÓDIGO DE HAMMURABI (c. 1750 a. C.), leis 196 e 200. (“Se alguém arranca o olho a um outro, se lhe deverá
arrancar o olho. Se alguém parte os dentes de um outro, de igual condição, deverá ter partidos os seus dentes”). Cf.,
ainda: LEVÍTICO 24:16-24:21 (“E aquele que blasfemar o nome do Senhor, certamente morrerá; toda a congregação
certamente o apedrejará; assim o estrangeiro como o natural, blasfemando o nome do SENHOR, será morto. E quem
matar a alguém certamente morrerá. Mas quem matar um animal, o restituirá, vida por vida. Quando também alguém
desf‌igurar o seu próximo, como ele fez, assim lhe será feito: Quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente;
como ele tiver desf‌igurado a algum homem, assim se lhe fará. Quem, pois, matar um animal, restitui-lo-á, mas quem
matar um homem será morto”). Cf., no mesmo sentido: DEUTERONÔMIO 19:16-19:21 e ÊXODO 21:22-21:27.
19. Em Kant, o direito é a tutela institucional de uma “lei universal de liberdade”, única válida a priori, independen-
temente da experiência. Essa espécie de “espaço comum” hipotético não pode ser violada pelo arbítrio de um
indivíduo ou grupo de indivíduos. Uma vez violada, cabe ao Estado impor a sanção correspondente, segundo a
lei, como ato de af‌irmação da liberdade geral. Assim Kant enunciou o imperativo categórico que ref‌lete, na visão
do f‌ilósofo, a racionalidade humana universal: “age só segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que
ela se torne lei universal” (KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo:
Martin Claret, 2005. p. 51). Muitos teóricos identif‌icam principalmente no pensamento de Kant a origem f‌ilosó-
f‌ica moderna da noção da justiça em sua faceta retributiva. Eduardo Rezende de Melo cita, por exemplo: ROXIN,
Claus. Sentido e limites da pena estatal. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Veja, 1986. p. 15 ss; HAS-
SEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Barcelona: Bosch, 1984. p. 348 ss; CATTANEO, Mario A. Pena.
Diritto e dignità umana. Saggio sulla f‌ilosof‌ia del diritto penale. Torino: G. Giappichelli editore, 1990. Cf.: MELO,
Eduardo Rezende. Justiça restaurativa e seus desaf‌ios histórico-culturais: um ensaio crítico sobre os fundamentos
ético-f‌ilosóf‌icos da justiça restaurativa em contraposição à justiça retributiva. In: SLAKMON, C.; VITTO, R. de;
GOMES PINTO, R. (Org.). Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento – PNUD, 2005.
20. Cf.: REALE, Miguel. Filosof‌ia do direito. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 458. (“Sendo um neokantiano ligado à Escola
de Cohen, o princípio fundamental de Kelsen é a distinção a que tantas vezes nos temos referido, entre ser e dever ser,
que, a princípio, se apresenta com caráter irredutível e quase que ‘entitativo”) (Grifos no original).
21. Em sua clássica proposição da norma jurídica como um juízo hipotético condicional, Hans Kelsen ensina que,
dada a não prestação (hipótese de incidência), deve ser sanção (consequência jurídica), dessa forma relacionando
a pena a um fundamento pretérito. Objetivos futuros – sejam políticos, econômicos ou sociais – não fazem parte
do enunciado. Como destaca Alexandre Picolli: “A representação lógica do juízo hipotético condicional é por Kelsen
concentrada na seguinte fórmula: ‘Se A é, B deve ser’. A primeira parte do juízo lógico (‘Se A é’) recebe a denominação
de condição, hipótese legal, hipótese de incidência, suporte fático ou preceito. A segunda parte (‘B deve ser’) é chamada
consequência jurídica. A hipótese legal consiste num fato ou conduta, comissivo ou omissivo, livre, obrigado ou proibi-
do, que tem como consequência a sua validação ou uma sanção” (PICCOLI, Alexandre. Norma jurídica e proposição
jurídica: estudo diferenciativo. Espumoso: Alexandre Picolli Editor, 2008. p. 12).
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“monopólio”22 temporário em sentido lato –, artistas, intelectuais e todos que decidissem
investir prof‌issionalmente no processo criativo desses atores dependeriam de subsídios
ou favores para continuar no mercado, alternativas que a teoria econômica clássica
tende a considerar menos ef‌icientes no longo prazo.23 Isso poderia reduzir, no futuro,
as oportunidades de livre expressão (free speech), cuja defesa é, em última instância, a
própria razão de ser do copyright.
Indo ainda mais fundo nas considerações de ordem prática, presume-se que expor
criadores e produtores de conteúdo intelectual à concorrência dos que não arcaram com
os custos e riscos do investimento inicial ameaçaria a sustentabilidade de uma série de
indústrias que, ao longo do século XX, assumiram um papel estratégico na economia
mundial, em especial para os grandes exportadores de capital intelectual. A racionali-
dade do copyright reconhece que, no curto prazo, a concessão de direitos exclusivos de
exploração gera o que os economistas chamam de “inef‌iciências”, resultado lógico da
escassez artif‌icial por eles imposta. Acredita, contudo, que tais inef‌iciências são mais
que compensadas no longo prazo pelos ganhos advindos do contínuo desenvolvimento
cultural da sociedade em geral. Nota-se, portanto, uma relação de troca (quid pro quo)
entre o Estado outorgante e os criadores outorgados, que forma a essência da doutrina
utilitarista do direito da propriedade intelectual, inspirada principalmente no pensa-
mento de Jeremy Bentham e John Stuart Mill24 (pensamento este que, apesar das duras
22. Muitos autores discordam da aplicação do termo monopólio, ainda que em sentido aproximado, para def‌inir os
efeitos econômicos gerados pelos direitos de PI. A favor dessa terminologia, desde que aplicada de forma sui ge-
neris, fora da acepção que tem no direito da concorrência, Landes e Posner assim se manifestaram: “Information
is a scarce good, just like land. Both are commodif‌ied – that is, made excludable property – in order to create incentives
to alleviate their scarcity. Talk of pat ent and copyright ‘monopolies’ is conventional; we have used this terminol ogy
ourselves in this book. The usage is harmless as long as it is understood to be different from how the same word is used
in antitrust analysis” (LANDES, William M.; POSNER, Richard A. The economic structure of intellectual property
law. Boston: Harvard University Press, 2003. p. 374. (Grifos nossos)). Já Keith Maskus se manifesta no sentido
contrário: “Intellectual property rights def‌ine the extent to which their owners may exclude others from activities that
infringe or damage the property. Thus, IPRs set out and protect the boundaries of legal means of competition among f‌irms
seeking to exploit the value of creative assets. Efforts to extend the rights beyond these boundaries are denied, in principle.
In this context, it is more fruitful to conceive of IPRs as rules regulating the terms of static and dynamic competition,
rather than mechanisms for creating legal monopolies, which is the standard economic conception. While IPRs do
create market power, the impact on competition varies as widely across products, technologies, and countries as it does
across the scope of protection” (MASKUS, Keith. The international regulation… Op. cit. p. 2. (Grifos nossos)).
23. Cf.: VASCONCELOS, Cláudio L. Mídia e propriedade intelectual: a crônica de um modelo em transformação. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 19-20.
24. William Fisher cita Landes e Posner para descrever a proposição básica da doutrina utilitarista da PI, tendo Ben-
tham e Stuart Mill como base doutrinária: “A good example of scholarship in this vein is William Landes’ and Richard
Posner’s essay on copyright law. The distinctive characteristics of most intellectual products, Landes and Posner argue,
are that they are easily replicated and that enjoyment of them by one person does not prevent enjoyment of them by other
persons. Those characteristics in combination create a danger that the creators of such products will be unable to recoup
their ‘costs of expression’ (the time and effort devoted to writing or composing and the costs of negotiating with publishers
or record companies), because they will be undercut by copyists who bear only the low ‘costs of production’ (the costs
of manufacturing and distributing books or CDs) and thus can offer consumers identical products at very low prices.
Awareness of that danger will deter creators from making socially valuable intellectual products in the f‌irst instance.
We can avoid this economically ineff‌icient outcome by allocating to the creators (for limited times) the exclusive right
to make copies of their creations. The creators of works that consumers f‌ind valuable – i.e., for which there are not,
in the opinion of consumers, equally attractive substitutes – will be empowered thereby to charge prices for access to
those works substantially greater than they could in a competitive market. All of the various alternative ways in which
creators might be empowered to recover their costs, Landes and Posner contend, are, for one reason or another, more
wasteful of social resources. This utilitarian rationale, they argue, should be -- and, for the most part, has been – used
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críticas que Bentham fazia ao common law inglês, inf‌luenciou profundamente o direito
econômico anglo-saxão, particularmente o norte-americano).25
Em suma, pode-se dizer que a principal diferença entre as justif‌icativas f‌ilosóf‌icas
que estão na base dos sistemas droit d’auteur e copyright está no foco temporal de cada
uma. Na tradição civilista, o direito autoral existe por causa da realização de um trabalho
no passado, no qual o autor imprimiu sua personalidade, merecendo por isso ser honrado
e remunerado. Entre utilitaristas, por outro lado, qualquer direito, inclusive o autoral,
só se justif‌ica por sua capacidade de contribuir para o “bem-estar comum”.26 O direito
exclusivo é um meio para se atingir, no futuro, um f‌im socialmente desejável (útil),27 que
é o aumento das oportunidades de expressão e aprendizado.
to shape specif‌ic doctrines within the f‌ield” (FISHER, William W. Theories of intellectual property. New Essays in the
Legal and Political Theory of Property. Cambridge: University Press, 2001. p. 2. Disponível em:
harvard.edu/people/tf‌isher/iptheory.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020. Cf.: LANDES, William; POSNER, Richard.
An economic analysis of copyright. Law. Journal of Legal Studies, 18, 1989. p. 325.
25. Cf., p. ex.: PARISI, Francesco. Positive, normative and functional schools in law and economics. European Journal
of Law and Economics, 18, p. 259–272, 2004. Como já tivemos a ocasião de observar em trabalho anterior, existe
uma estreita relação entre a Análise Econômica do Direito (Law and Economics), movimento contemporâneo
que tem no pensamento de Bentham e Mill uma de suas principais raízes, e o direito anglo-saxão da propriedade
intelectual, hoje sem dúvida a principal referência normativa do direito internacional da propriedade intelectual.
Cf.: VASCONCELOS, Cláudio Lins de. Mídia e propriedade intelectual... Op. cit. p. 124.
26. A noção de “bem-estar” é essencial à proposição ética do utilitarismo, que a def‌ine, de forma simplif‌icada, como
“a maior felicidade possível para o maior número possível de pessoas”. Bentham, inspirado no pensamento do
francês Helvetius, identif‌icou o prazer ao “bem”, sendo seu oposto, a dor, o mal. E com base no princípio da utilidade
– presente, de forma menos sistemática, já em Locke e Hume – propôs que moralmente correto é tudo aquilo que
maximiza o prazer (“bem”) e minimiza a dor (“mal”), o que, se for realizado por todos, levará à “felicidade”, bem
maior e objetivo supremo de todo o sistema político, inclusive do direito. A proposição hedonista de Bentham foi
submetida a todo tipo de crítica, inclusive entre seus sucessores na escola do utilitarismo, mas esse conceito básico –
o “prazer” como bem supremo – não era exatamente uma novidade. Já estava presente em Epicuro (341-270 a. C.),
por exemplo, mas entre os antigos essa busca pela felicidade se colocava mais como uma meta pessoal, enquanto
em Bentham ela se torna um objetivo de Estado. De qualquer forma, a noção contemporânea do utilitarismo tende
a se basear mais na doutrina de John Stuart Mill (f‌ilho do também f‌ilósofo James Mill, contemporâneo e amigo de
Bentham), que ref‌inou bastante a proposição do mestre. Mais importante para nossa análise, no entanto, é o fato
de que Bentham jogou para o futuro o fundamento ético da política e, por consequência, do próprio direito. Antes
dele, as justif‌icativas teóricas do direito em geral recorriam à prevalência de algum dever (sagrado ou natural)
sem origem identif‌icada ou comprovável, mas ainda assim válido a priori. O próprio Bentham as nomeou “deon-
tológicas” (deontologia: estudo do dever). A teoria kantiana, por exemplo, é deontológica, pois seu imperativo
categórico não é apreensível pela experiência. Assim como a de William Blackstone, talvez o jurista inglês mais
importante de sua época, e um dos fundadores do common law moderno, a quem Bentham também criticava, com
base nas mesmas premissas. Todos os pensadores que sucederam Bentham na defesa do conceito de que o direito
se legitima por sua função são, de certa forma, herdeiros de sua ideia básica. (N. A.). Sobre a inf‌luência de Helvetius
sobre Bentham, cf.: MILL, John Stuart. Bentham. London and Westminster Review (agosto de 1838, rev. em 1859).
Dissertations and discussion, v. 1. Disponível em: .ca/~econ/ugcm/3ll3/bentham/
bentham>. Acesso em: 10 jan. 2020. Sobre as inf‌luências primordiais de Hume, cf.: FOSL, Peter S. Doubt and
divinity: cicero’s inf‌luence on hume’s religious skepticism. Hume Studies, v. XX, no 1 (abril de 1994) p. 103-120.
Disponível em: .org/hs/issues/v20n1/fosl/fosl-v20n1.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020.
Sobre o conceito de felicidade em Epicuro, cf.: WARBURTON, Nigel. Uma breve história da f‌ilosof‌ia. 2. ed. Porto
Alegre: L&PM, 2012. p. 22-28.
27. Sobre o utilitarismo, em geral, cf.: HONDERICH, Ted (Ed.). The Oxford companion to philosophy. Op. cit. p. 890-
893. Em trabalho anterior, tivemos a oportunidade de contrastar o kantismo e o utilitarismo. Cf.: VASCONCELOS,
Cláudio Lins de. Sobre feitiços e feiticeiros: a “cruzada da retaliação” no comércio internacional. Revista Eletrô-
nica do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual – IBPI, no 3, p. 89. Disponível em: .klsc.com.br/
pdf/REVELnumero3.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020 (“O utilitarismo se funda no princípio iluminista do bem-estar
máximo. Transposta para o mundo do direito, a teoria utilitarista defende que a norma jurídica deve ser utilizada para
atingir o bem-estar comum. A sanção é, portanto, o complemento que torna a norma mais ‘ef‌iciente’, o que deve ser
compreendido em termos paretianos, indicando uma situação que benef‌icia ao menos uma pessoa sem com isso prejudi-
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CLÁUDIO LINS DE VASCONCELOS
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Longe de serem meras divagações, essas características f‌ilosóf‌icas deixaram pro-
fundas marcas no direito autoral vigente em cada um desses sistemas. Inf‌luenciados
na origem pelas doutrinas jusnaturalistas da personalidade e do trabalho, os países do
droit d’auteur separaram os elementos morais dos patrimoniais, tornaram os primeiros
inalienáveis e equipararam os últimos a um “direito real” de exploração condicionada.
Já os do copyright, inf‌luenciados pela doutrina da utilidade, compreendem o instituto
do direito autoral como um instrumento de política econômica, cultural ou social
e, como regra geral, reconhecem apenas seu elemento material.28 Mas talvez seja
no campo das limitações que a diferença entre as duas escolas se mostra mais clara.
Nos sistemas civilistas, a fundamentação deontológica supõe que o direito exclusivo
“nasce” com o trabalho criativo e, assim sendo, a regra geral é a proteção, sendo as
limitações exceções à regra. Por isso, as hipóteses de limitação aos direitos exclusivos
do autor são normalmente interpretadas, na tradição do droit d’auteur, como uma lista
fechada (numerus clausus) ou substancialmente fechada, além da qual pouca ou ne-
nhuma extensão hermenêutica é permitida, enquanto nos países do copyright ocorre
precisamente o inverso.
Terminologicamente, o Copyright Act dos EUA se refere ao fair use como uma “li-
mitação” (limitation),29 mas existe uma diferença fundamental entre os limites impostos
por esse instituto e os impostos pelas “limitações” do droit d’auteur. O direito do autor,
no common law contemporâneo, não é um dever da sociedade para com o autor, válido
a priori, mas uma proposição funcional do Estado, válida por suas consequên cias previ-
síveis. O copyright em si é uma exceção talhada para conf‌irmar, no longo prazo, a regra
geral do free speech. É comum entre os anglo-saxões, especialmente nos EUA, referir-se
ao fair use como um “porto seguro” (safe harbor) onde o direito exclusivo não se aplica.
É, antes de tudo, uma tese de defesa que pode ser alegada em um número indef‌inido de
car qualquer outra pessoa. Alerte-se para o fato de que, contrariamente ao que muitos críticos da doutrina utilitarista
apontam, não se trata de buscar uma ‘média’ positiva entre ‘benef‌iciados’ e ‘prejudicados’, mas de buscar um resultado
em que o conjunto nada perde; apenas ganha. Note-se que entre as doutrinas kantiana e utilitarista há um importante
ponto de conf‌luência f‌ilosóf‌ica: o bem comum passa pela ausência de perdas individuais relevantes. A diferença é que,
em Kant, o foco está no passado, em um dever (portanto, ‘dívida’) moral original que se revela por meio de uma razão
pura inatingível, talvez divina, mas certamente metafísica (porque inapreensível pela experiência); em Bentham/Mill,
o foco está no futuro, em um destino moralmente virtuoso – o ‘bem-estar’ – que também interessa à metafísica, porque
atrelado à (ou a uma) moral, com a diferença de ser teoricamente atingível pela experiência. Este é um ponto-chave na
bipartição f‌ilosóf‌ica entre as tradições do [direito da propriedade intelectual no] common-law, mais utilitarista, e [no]
civil law, mais normativista. Ambas são, no entanto, marcadamente humanistas e igualmente modernas”).
28. Cf. RIGAMONTI, Cyrill P. Deconstructing moral rights. Harvard International Law Journal, v. 47, no 2 (Verão de
2006), p. 354. Disponível em: < http://www.harvardilj.org/print/58 >. Acesso em: 10 jan. 2020 (“[I]t had been a
canon of comparative copyright scholarship that the most signif‌icant difference between Anglo-American and Continental
European copyright law was their respective attitudes toward moral rights. The inclusion of moral rights in statutory
copyright law was generally understood to be the def‌ining feature of the Continental copyright tradition, while the lack
of statutory moral rights protection was considered to be a crucial component of the Anglo-American copyright tradition.
This dichotomy had been celebrated and cultivated since World War II on both sides of the Atlantic to the point where
the statutory protection of moral rights or the lack thereof had become an integral part of each legal system’s identity,
essentially dividing the world of copyright into two fundamentally different ideal types, one that includes moral rights,
and another that excludes moral rights. The common law courts were fully aware of this dichotomy, and while they
recognized the existence of the concept of moral rights in civil law countries, they uniformly rejected its applicability in
their own jurisdictions.”)
29. UNITED STATES COPYRIGHT ACT (17 U.C.C.A., 1976), § 107.
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AS LIMITAÇÕES, O FAIR USE E A GUINADA UTILITARISTA DO DIREITO AUTORAL BRASILEIRO
situações concretas.30 Por isso, o fair use não se apresenta como uma lista fechada de
hipóteses, mas como um conjunto de parâmetros hermenêuticos, cujas linhas gerais
foram incorporadas ao direito escrito (statutory law) norte-americano em meados da
década de 1970, mas que têm origem na jurisprudência das cortes (case law) e são quase
tão antigos quanto o próprio instituto jurídico do copyright.31
3. O SISTEMA BRASILEIRO: DAS CAUSAS NATURAIS ÀS CONSEQUÊNCIAS
PRÁTICAS
O direito civil brasileiro é profundamente inf‌luenciado pelo pensamento conti-
nental-europeu, sendo o Brasil classif‌icado, no âmbito maior do direito comparado,
entre os países de tradição civilista,32 muito embora a inf‌luência das escolas de pen-
samento deontológicas, típicas dessa tradição jurídica, já tenha sido maior em outros
momentos. No âmbito específ‌ico do direito autoral, contudo, a f‌iliação ao civil law
sempre foi muito clara, o que não quer dizer que direitos autorais não possam ser
ponderados frente a outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão (in-
cluindo a liberdade de imprensa), a livre participação na vida cultural, entre outros.
Contudo – e em que pese a existência de respeitáveis opiniões em contrário33 –, quer
nos parecer que tal ponderação não se confunde com uma autorização constitucional
para a interpretação extensiva das limitações aos direitos autorais listadas no art. 46
da Lei de Direitos Autorais34 ou para a af‌irmação correlata de que suas hipóteses sejam
30. Cf.: LUCCHI, Nicola. Intellectual property rights in digital media: a comparative analysis of legal protection, te-
chnological measures, and new business models under EU and U.S. law. Buffalo Law Review, v. 53, no 4, Fall 2005,
p. 122, nota 93 (“Fair use is not an aff‌irmative right but a sort of defense. It is essentially a safety valve operating in
the absence of licensing that can be structured in different ways but that is recognized by all modern copyright systems.
While common law countries generally recognize a general defense, civil law countries generally provide a strict list of
exceptions, even though at present there are no pure systems that adhere strictly to any of the above models. In the U.S.
system there is a strong relation between fair use and free speech.”)
31. LEVAL, Pierre N. Toward a Fair Use Standard. 103, Harvard Law Review, 1105, 1989-1990, p. 1105 (“Not long after
the creation of the copyright by the Statute of Anne of 1709, courts recognized that certain instances of unauthorized
reproduction of copyrighted material, f‌irst described as ‘fair abridgment’, later ‘fair use,’ would not infringe the author’s
rights. In the United States, the doctrine was received and eventually incorporated into the Copyright Act of 1976, which
provides that ‘the fair use of a copyrighted work [...] is not an infringement of copyright’.”)
32. Cf., p. ex., OEA. O ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em:
pt_bra-int-des-ordrjur.html>. Acesso em: 10 jan. 2020. (“O ordenamento jurídico brasileiro é baseado na tradição
romano-germânica, isto é, civilista.”)
33. No Brasil, discordâncias acerca do caráter exaustivo ou exemplif‌icativo das limitações aos direitos do autor são
cada vez mais comuns, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. A tradição civilista pura, no entanto, trata as
limitações como hipóteses em numerus clausus. Entre os que acreditam que impor limitações em numerus clausus
viola o princípio constitucional da função social da propriedade está Guilherme Carboni, para quem “[a]s limitações
aos direitos autorais traçadas pela Lei 9.610/98 não são suf‌icientes para resolver os conf‌litos entre o direito individual
do autor e o interesse público à livre utilização de obras intelectuais. A previsão numerus clausus dessas limitações
contraria a função social do direito de autor”. Cf.: CARBONI, Guilherme. Aspectos gerais da teoria da função social
do direito de autor. Estudos em homenagem ao professor Carlos Fernando Mathias, no prelo. Disponível em:
www.gcarboni.com.br/pdf/G6.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020. O autor cita, corroborando sua posição: ASCENSÃO,
José de Oliveira. Direito intelectual, exclusivo e liberdade. Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade
Intelectual, no 59, jul./ago. 2002, p. 48.
34. Lei no 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras
providências). Muitos autores preferem a denominação “Lei de Direito Autoral”, nomenclatura adotada pelo
próprio Ministério da Cultura. Embora essa área do direito seja famosa pelas divergências terminológicas, quer
nos parecer que a expressão direito autoral se refere mais propriamente à disciplina jurídica homônima, apesar de
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CLÁUDIO LINS DE VASCONCELOS
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meramente exemplif‌icativas. Circunstâncias de uso não expressamente previstas entre
as limitações aos direitos do autor podem até ser interpretadas pelo Judiciário como
justif‌icáveis em face de uma ponderação principiológica de natureza constitucional.
Mas isso não implica, necessariamente, na extensão ou restrição a qualquer disposi-
tivo ou categoria de dispositivos em particular, pois qualquer dispositivo legal poderia
ser objeto de interferência semelhante. Trata-se, em outras palavras, de uma relação
horizontal entre direitos do mesmo nível.
O copyright, em contraste, existe em função de sua f‌inalidade social.35 Na célebre
def‌inição do Justice O’Connor, trata-se de um “privilégio limitado”, pelo qual se pode
atingir “um objetivo público relevante”, com os propósitos fundamentais de “motivar a
atividade criativa de autores [...] pela provisão de uma recompensa especial” e permitir
livre acesso aos “produtos de seu gênio”, após expirado o prazo de proteção.36 Sua legi-
timidade está nos resultados esperados ou, mais precisamente, na “utilidade esperada”
(expected utility) do direito. No espaço hipotético onde o direito exclusivo não incide,
o uso livre é um direito prima facie, sendo por isso “razoável” (fair), na medida em que
conf‌irma – e não subverte – a racionalidade do sistema, que é a busca pela máxima “ef‌i-
ciência” na fruição dos recursos disponíveis.
Tradições são referências ancestrais com inegável impacto sobre convenções sociais,
entre as quais o direito, mas não são imunes – nada é – ao espírito de seu tempo. E embo-
ra aspectos geográf‌icos sejam em regra essenciais à sua caracterização, a inf‌luência das
tradições tende, naturalmente, a ultrapassar fronteiras. Na atualidade, pode-se dizer que
não existem sistemas autorais exclusivamente vinculados à racionalidade de uma ou outra
tradição. Os EUA, por exemplo, como aqui já se disse, seguem a tradição do copyright, de
viés utilitarista, o que em princípio excluiria o elemento moral do direito autoral. Mas,
contrariando a tradição anglo-saxônica, o Visual Artists Rights Act de 199037 conferiu
também se referir a cada um dos direitos específ‌icos garantidos pela lei aos autores, intérpretes e outros titulares
a título de “direitos de autor” e os que lhes são “conexos”. Por causa dessa dubiedade, a nomenclatura “Lei de
Direito Autoral” pode gerar a impressão (equivocada) de que é possível que uma disciplina caiba no escopo de
uma lei, embora o texto legal, em si, seja apenas um elemento constitutivo (talvez o mais importante, mas não o
único) da disciplina. O objeto de estudo do direito autoral, ou de qualquer disciplina jurídica, não se esgota, ou
mesmo se guia, prima facie, pelo texto de uma lei, por mais relevante que seja. Seria como chamar a Constituição
Federal de “Lei de Direito Constitucional”. (N. A.)
35. Cf. declaração de Abraham Kaminstein (ex-Register of Copyrights, cargo máximo do órgão of‌icial norte-americano
para a administração de direitos autorais) em audiência perante a Subcomissão de Patentes, Marcas e Direitos
Autorais do Congresso, realizada em 1965, reproduzida em Madeleine Schachter e Joel Kurtzberg. Law of the
Internet speech. 3. ed. DURHAM: Carolina Academic Press, 2008. p. 732. (“The basic purpose of copyright is the
public interest, to make sure that the wellsprings of creation do not dry up through lack of incentive, and to provide an
alternative to the evils of an authorship dependent upon private or public patronage. As the founders of this country
were wise enough to see, the most important elements of any civilization include its independent creators – its authors,
composers and artists – who create as a matter of personal initiative and spontaneous expression rather than a result of
patronage or subsidy. A strong, practical copyright is the only assurance we have this creative activity will continue.”)
36. SONY CORP. v. UNIVERSAL CITY STUDIOS. 464 U.S. 417 (1984). Opinião (Opinion) de Justice O’Connor. Apud
BARRET, Margreth. Intellectual property cases and materials. St. Paul: West, 2007. p. 619. (“[This] limited grant is a
means by which an important public purpose may be achieved. It is intended to motivate the creative activity of authors
and inventors by the provision of a special reward, and to allow the public access to the products of their genius after the
limited period of exclusive control has expired.”)
37. VISUAL ARTISTS RIGHTS ACT OF 1990 (“VARA”), §§ 601–10, 17 U.S.C. §§ 101, 106A, 107, 113, 301, 411, 412,
506 (1990).
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AS LIMITAÇÕES, O FAIR USE E A GUINADA UTILITARISTA DO DIREITO AUTORAL BRASILEIRO
expressamente aos autores de obras enquadradas no conceito de “artes visuais”38 – e
apenas a estes – os direitos de atribuição e integridade,39 que são essencialmente direitos
morais. Para muitos, essa guinada foi resultado direto da adesão (tardia, mas bem vinda)
do país à Convenção de Berna, ocorrida um ano antes.40
Mas vento que sopra lá sopra cá, e não é difícil perceber no direito civil brasileiro
uma crescente presença de recursos normativos típicos do common law, como é o caso das
chamadas “cláusulas gerais”, que deixam basicamente para a jurisprudência a def‌inição
do exato conteúdo normativo de conceitos essenciais como o de “boa-fé subjetiva” ou
“onerosidade excessiva”.41 Outro ponto de aproximação do sistema brasileiro em relação
à tradição anglo-saxônica é a introdução de mecanismos proces suais explicitamente
consuetudinários na rotina judiciária, como a súmula vinculante, que na verdade ape-
nas ref‌letem uma mudança de postura cultural, onde a opinião das cortes assume papel
cada vez mais relevante como fonte do direito. E quanto mais se sobe na hierarquia do
ordenamento, mais se percebe a profundidade desse movimento, como indica a presença
de dispositivos francamente consequencialistas, para não dizer utilitaristas, na própria
O art. 5o, inciso XXIII, da Carta Magna, por exemplo, reza que “[a] propriedade
atenderá a sua função social”. A instrumentalização do direito – ou seja, sua utilização
para atingir um f‌im socialmente desejável – é a proposição f‌ilosóf‌ica básica do utilitarismo
38. VARA, § 21: “A ‘work of visual art’ is — (1) a painting, drawing, print, or sculpture, existing in a single copy, in a limited
edition of 200 copies or fewer that are signed and consecutively numbered by the author, or, in the case of a sculpture, in
multiple cast, carved, or fabricated sculptures of 200 or fewer that are consecutively numbered by the author and bear
the signature or other identifying mark of the author; or (2) a still photographic image produced for exhibition purposes
only, existing in a single copy that is signed by the author, or in a limited edition of 200 copies or fewer that are signed
and consecutively numbered by the author.”
39. VARA, § 106A: “(a) Rights of Attribution and Integrity.– Subject to section 107 and independent of the exclusive rights
provided in section 106, the author of a work of visual art – (1) shall have the right – (A) to claim authorship of that work,
and (B) to prevent the use of his or her name as the author of any work of visual art which he or she did not create; (2)
shall have the right to prevent the use of his or her name as the author of the work of visual art in the event of a distortion,
mutilation, or other modif‌ication of the work which would be prejudicial to his or her honor or reputation; and (3) subject
to the limitations set forth in section 113(d), shall have the right – (A) to prevent any intentional distortion, mutilation,
or other modif‌ication of that work which would be prejudicial to his or her honor or reputation, and any intentional
distortion, mutilation, or modif‌ication of that work is a violation of that right, and (B) to prevent any destruction of a
work of recognized stature, and any intentional or grossly negligent destruction of that work is a violation of that right.
(b) Scope and Exercise of Rights. – Only the author of a work of visual art has the rights conferred by subsection (a) in
that work, whether or not the author is the copyright owner. The authors of a joint work of visual art are coowners of
the rights conferred by subsection (a) in that work.”
40. Diferentemente do que ocorreu com sua “irmã” da área industrial, a Convenção de Paris, a Convenção de Berna
nasceu quase que exclusivamente sob a doutrina civilista, embora o escopo da proteção ali prevista seja perfeita-
mente compatível em termos práticos com o instituto do copyright. Ainda assim, EUA e Reino Unido levaram um
século para ratif‌icar a Convenção de Berna. Entre as razões “of‌iciais” estava a alegação de que o instituto dos direitos
morais, expressamente previsto na Convenção, era incompatível com a doutrina autoralista anglo-saxônica. Cf.:
CONVENÇÃO DE BERNA. Op. cit. art. 6 (bis). (N. A.)
41. Cf.: DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, v. 187, 69-83, 2010, p. 73-74. “A relação
entre cláusula geral e o precedente judicial é bastante íntima. Já se advertiu, a propósito, que a utilização da técnica
das cláusulas gerais aproximou o sistema do civil law do sistema do common law. Esta relação revela-se, sobretudo,
em dois aspectos. Primeiramente, a cláusula geral reforça o papel da jurisprudência na criação de normas gerais: a
reiteração da aplicação de uma mesma ratio decidendi dá especif‌icidade ao conteúdo normativo de uma cláusula geral,
sem, contudo, esvaziá-la; assim ocorre, por exemplo, quando se entende que tal conduta típica é ou não exigida pelo
princípio da boa-fé. Além disso, a cláusula geral funciona como elemento de conexão, permitindo ao juiz fundamentar
a sua decisão em casos precedentemente julgados.”
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CLÁUDIO LINS DE VASCONCELOS
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e não encontra qualquer guarida na doutrina retributiva de Kant42 nem no normativismo
kelseniano dela derivado.43 A funcionalização do direito, por qualquer forma ou com
qualquer conteúdo, o atrela necessariamente a um objetivo (futuro). E não há como negar
que o direito brasileiro, em especial o constitucional, está cada vez mais funcionalista,
portanto consequencialista. Onde há função, há utilidade esperada. Apenas imprópria ou
f‌igurativamente seria possível se falar em “função” deontológica, assim como em “dever”
consequencialista. No mínimo, há que se reconhecer que todos os consequencialistas,
independentemente das (muitas) nuances f‌ilosóf‌icas que os diferenciam, dividem a
mesma raiz utilitarista,44 embora muitos pref‌iram não ser chamados assim. Repita-se:
não há, certamente, sistema jurídico na contemporaneidade inspirado exclusivamente
neste ou naquele tronco da f‌ilosof‌ia moral, o que não nos impede de reconhecer que seus
princípios podem se aproximar ou se afastar de uma ou outra linha teórica.
Se foi claramente consequencialista ao conferir “função social” à propriedade em
geral, o constituinte foi bem menos explícito no que tange ao direito autoral, especif‌ica-
mente. Embora não se possa excluir a propriedade intelectual do alcance dos princípios
relacionados com a propriedade em geral, tampouco se pode dizer que os direitos auto-
rais, na ordem constitucional brasileira, existem para a consecução de qualquer objetivo
específ‌ico além da remuneração do autor ou de quem tenha adquirido seus direitos pa-
trimoniais, na forma da lei. No limite, os direitos reservados pela Constituição Federal
aos autores estão no mesmo nível dos demais direitos fundamentais, diferentemente do
que ocorre na ordem constitucional norte-americana, por exemplo, onde tais direitos
estão desde sempre subordinados à função de “promover o progresso da ciência e das
artes aplicadas”.45 E também não será na ordem infraconstitucional que o observador
encontrará qualquer vestígio funcionalista no direito autoral pátrio. Em consonância com
a tradição civilista do droit d’auteur, a Lei de Direitos Autorais brasileira não relaciona
os direitos exclusivos a qualquer objetivo específ‌ico, seja econômico, político ou social.
Daí a importância de se ref‌letir sobre a mudança estrutural proposta pelo Antepro-
jeto de Reforma da Lei no 9.610/98, preparado pelo Ministério da Cultura, enviado em
2012 à Casa Civil da Presidência da República e ainda hoje aguardando o encaminha-
mento ao Congresso Nacional. O texto, cuja versão f‌inal não foi divulgada, é resultado
42. Cf.: MELO, Eduardo Rezende. Justiça restaurativa... Op. cit. p. 55-56. (“Quando vemos que Kant defende, para o
caso da dissolução da sociedade civil por todos os seus membros, que a pena haveria de ser imposta e cumprida ao último
criminoso para que cada qual recebesse o que merece por seus atos e o povo não se torne cúmplice desta violação pública
da justiça, entendemos então que, para além do rigor e coerência interna de seu sistema, em jogo está uma relação pre-
cisa com o tempo, em que as questões do presente que sobrelevam são basicamente aquelas decorrentes de uma situação
passada, ante a qual há de se fazer um acertamento de contas. Fecha-se, com isso, toda consideração a aspectos outros
do presente e, sobretudo, do porvir.”)
43. Muito embora tal funcionalização já tenha sido abertamente defendida por pensadores de origem normativista
como Norberto Bobbio. Cf.: BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri:
Manole, 2007.
44. Não há consenso entre estudiosos sobre se há e qual seria a fronteira entre consequencialismo e utilitarismo.
Ambos têm como moralmente correto aquilo que gera o bem maior. Consequencialistas divergem profundamente
sobre o que vem a ser “bem” e a quem cabe tal def‌inição, mas concordam que é um destino, mais que uma origem,
diferentemente do que defendem as teorias deontológicas. (N. A.)
45. CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (promulgada em 17.9.1787), seção 8, cláusula 1: “The
Congress shall have Power To […] promote the Progress of Science and useful Arts, by securing for limited Times to
Authors and Inventors the exclusive Right to their respective Writings and Discoveries.”
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AS LIMITAÇÕES, O FAIR USE E A GUINADA UTILITARISTA DO DIREITO AUTORAL BRASILEIRO
de uma série de encontros intitulada “Fórum Nacional de Direito Autoral”, realizada
entre 2007 e 2009, origem das versões submetidas a duas consultas públicas entre os
anos de 2010 e 2011. O discurso of‌icial apontava para a necessidade de se “modernizar”
a legislação autoral em face da revolução tecnológica provocada pela digitalização de
praticamente todos os processos de criação, produção e distribuição de conteúdo em
escala economicamente relevante. Um pouco menos decididamente, defendia a corre-
ção do que considerava como distorções econômicas no mercado de bens simbólicos,
não tendo sido raro que certos titulares fossem acusados, explícita ou veladamente, de
“abuso de direito”. Os alvos preferenciais da crítica of‌icial pareciam ser: (a) os herdeiros
de artistas mortos; (b) as entidades de gestão coletiva de direitos, muito particularmente
o Escritório Central de Arrecadação de Direitos – ECAD; e (c) a indústria de mídia em
geral. Em suma, os propositores da reforma autoral alegavam que o texto vigente estaria
historicamente superado, sendo incapaz de assegurar que os direitos autorais por ela
regulados cumprissem sua função social, como direitos de propriedade que também são.
Em outras palavras, o Anteprojeto pretende estabelecer um novo equilíbrio entre
os direitos privados do titular da obra protegida e os direitos difusos de acesso à cultura
e à informação, objetivo este que já se encontra positivado no âmbito do direito inter-
nacional, mais especif‌icamente no art. 7o do Acordo TRIPS da Organização Mundial do
Comércio,46 devidamente internalizado pelo ordenamento brasileiro. A proposta do go-
verno, até onde se sabe, não modif‌ica as características mais visíveis dos direitos autorais,
como seu campo de incidência material ou o prazo de validade dos direitos exclusivos,
mas introduz um caráter expressamente funcionalista ao direito autoral brasileiro, o
que ainda não se havia tentado no contexto do direito positivo. Essa guinada f‌ilosóf‌ica
– que, como vimos, é mais profunda do que possa à primeira vista parecer – se expressa
logo no parágrafo único que o texto acrescenta ao art. 1o da Lei no 9.610/98, onde se lê:
A interpretação e a aplicação desta Lei atenderão às nalidades de estimular a criação intelectual e a
diversidade cultural e garantir a liberdade de expressão e orientar-se-ão pelos ditames constitucionais
de proteção aos direitos autorais em equilíbrio com os demais direitos fundamentais e os direitos so-
ciais.47 (Grifos nossos)
E reitera seu viés funcionalizante em outro dispositivo inédito, o parágrafo único
do art. 28, que reza:
O objeto fundamental da proteção desta lei, do ponto de vista econômico, é a garantia das vantagens
patrimoniais resultantes da exploração das obras literárias, artísticas ou cientícas em harmonia com
os princípios Constitucionais da atividade econômica.48 (Grifos nossos)
46. ACORDO SOBRE ASPECTOS DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL RELACIONADOS AO CO-
MÉRCIO (Anexo 1C do Acordo de Marrakesh estabelecendo a Organização Mundial do Comércio, adotado em 15
de abril de 1994, vigente desde 1o de janeiro de 1995) – Acordo TRIPS, art. 7o: “A proteção e a aplicação de normas
de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para
a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de
uma forma conducente ao bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações.”
47. ANTEPROJETO DE REFORMA DA LEI DE DIREITO AUTORAL, art. 1o, parágrafo único. Disponível em:
www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/consulta/>. Acesso em: 10 jan. 2020.
48. ANTEPROJETO DE REFORMA DA LEI DE DIREITO AUTORAL, art. 28, parágrafo único. Disponível em:
www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/consulta/>. Acesso em: 10 jan. 2020.
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Note-se que o texto confere “f‌inalidades” e um “objeto fundamental” à proteção
autoral em sua esfera econômica, que é a “garantia das vantagens patrimoniais resultantes
da exploração das obras”. Ao mesmo tempo, relativiza (ou mesmo afasta) a jusfunda-
mentalidade de seu componente patrimonial ao equipará-lo aos “princípios constitu-
cionais da atividade econômica”, que não constam entre as “garantias fundamentais”,
diferentemente do dispositivo constitucional que trata dos direitos autorais.49 Como já
diagnosticado pela Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – APBI,
[e]sses dois elementos – a explícita relativização do direito autoral em face de outros direitos; e sua
subordinação a um objetivo maior de Estado – aproximam como nunca o direito autoral brasileiro da
doutrina utilitarista da propriedade intelectual, losocamente relacionada à tradição anglo-saxã [...]”.50
Em outras palavras, o Anteprojeto deixa claro que o bem jurídico tutelado pelo
direito autoral, ao menos no que tange a seus aspectos patrimoniais, não é o trabalho
nem a obra intelectual em si, mas sua utilidade econômica futura.
Mais importante, contudo, é notar que o Anteprojeto não apenas insere automati-
camente o direito de propriedade intelectual do autor no contexto mais amplo da função
social da propriedade em geral como, na verdade, dá conteúdo a essa função social, que
consistiria em: (a) estimular a criação intelectual e a diversidade cultural; e (b) garantir
a liberdade de expressão. Aceitando-se a premissa de que os direitos autorais podem (ou
talvez devam) ter uma função, tais objetivos nos parecem inatacáveis, mas seria perfeita-
mente razoável questionar por que foram estes os únicos a merecer menção expressa na
lei. Assegurar uma remuneração digna ao trabalhador intelectual, fortalecer a indústria
de conteúdo nacional ou ampliar a presença do produto cultural brasileiro no mercado
internacional de bens simbólicos seriam objetivos relevantes o bastante? Quem, af‌inal,
escolhe o que entra ou não na lista? Indo mais fundo, seria a lei ordinária um instru-
mento apropriado para dar conteúdo a um princípio constitucional tão abstrato como
“função social”? Não seria tecnicamente necessário explicitar a mudança de paradigma
do direito autoral brasileiro – de deon tológico para utilitário – na própria Constituição,
como ocorre, por exemplo, nos EUA (e, na ordem constitucional brasileira, com a pro-
49. Descartada nos países do common law, a questão da jusfundamentalidade dos direitos patrimoniais de autor é bem
menos clara nos países civilistas. Analisando especif‌icamente a situação brasileira, Denis Barbosa atribui a uma
inadequação classif‌icativa a presença de direitos patrimoniais de autor entre os direitos fundamentais relacionados
pela Constituição Federal. Cita, na mesma linha, José Afonso da Silva, para quem “o dispositivo que [...] def‌ine
[a PI] está entre os direitos individuais, sem razão plausível para isso, pois evidentemente não tem natureza de direito
fundamental do homem. Caberia entre as normas da ordem econômica (BARBOSA, Denis B. Propriedade intelectual:
a aplicação do acordo TRIPs. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 26). Quer nos parecer que a verdadeira questão
está na medida. Como ocorre com o direito de propriedade em si, os direitos de PI, tanto nos aspectos morais
quanto patrimoniais, são direitos fundamentais enquanto princípio, mas não necessariamente com este ou aquele
escopo, conforme opinião do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas (General
Comment no 17. Op. cit.), aqui já citada. (N. A.)
50. RESOLUÇÃO DA ABPI no 80 – O Anteprojeto de Lei que altera a Lei 9.610/98 e seus impactos nas indústrias de
criação, produção e distribuição de conteúdo intelectual, p. 2. Disponível em: g.br/biblioteca.
asp?idioma=Portugu%EAs&secao=Biblioteca&subsecao=Resolu%E7%F5es%20da%20ABPI&assunto=Re-
la%E7%E3o%20completa>. Acesso em: 10 jan. 2020. A referida Resolução teve por base um Relatório produzido
pela Comissão de Direitos Autorais e da Personalidade e pelo Comitê Empresarial da ABPI, cuja produção foi
coordenada pelo autor do presente artigo. (N. A.)
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AS LIMITAÇÕES, O FAIR USE E A GUINADA UTILITARISTA DO DIREITO AUTORAL BRASILEIRO
priedade industrial),51 para somente então detalhar, no âmbito infraconstitucional, que
“função” seria essa?
Mais adiante, seguindo em seu movimento de aproximação do common law – e
mantendo o foco sobre as consequências da utilização –, o Anteprojeto amplia de oito
para 21 as hipóteses de limitação listadas no art. 46 e agrega, no § 2o, uma espécie de
cláusula geral de indisfarçável inspiração consuetudinária:
O Poder Judiciário, em casos análogos aos incisos deste artigo, ao conhecer que não há ofensa aos
direitos autorais, observará cumulativamente as seguintes condições:
I – que a utilização não tenha nalidade comercial nem intuito de lucro direto ou indireto;
II – que a utilização não concorra com a exploração comercial da obra;
III – que a utilização não prejudique injusticadamente os interesses do autor.
Essa inspiração era ainda mais evidente na cláusula geral proposta pela primeira
versão do Anteprojeto,52 que foi sensivelmente atenuada após a primeira consulta pú-
blica, talvez para caber no escopo da chamada Regra dos Três Passos de Berna.53 Ainda
assim, isso signif‌ica que mesmo usos não expressamente previstos na lista de limitações
poderiam, pelo Anteprojeto, ser considerados lícitos pelo Judiciário, desde que o uso
analisado seja análogo aos expressamente previstos. Trata-se, portanto, de um conceito
muito próximo ao fair use, perfeitamente adequado ao realismo jurídico anglo-saxão,
onde a construção jurisprudencial está no topo da hierarquia normativa. O direito no
common law é, por def‌inição, fortemente inf‌luenciado pela inteligência das cortes (case
law), e, embora exista uma complexa relação hierárquica entre os diversos precedentes,
a aderência dos magistrados ao case law é um pressuposto do próprio sistema, o que
favorece a criação de posicionamentos paradigmáticos que condicionam e dão objetivi-
dade às cláusulas gerais.54 Na tradição formalista romano-germânica, à qual se af‌iliam
não apenas as leis brasileiras, mas os tribunais que as aplicam, o peso dos precedentes
judiciais é, em geral, signif‌icativamente menor.
Do ponto de vista dos setores da economia nacional que integram a cadeia produtiva
dos bens simbólicos, o ponto central dessa discussão é saber se a “americanização” do
direito autoral brasileiro será capaz de gerar o que, em última análise, qualquer indústria
51. Constituição Federal, art. 5o, inciso XXIX: “[A] lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário
para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e
a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País
(Grifos nossos).
52. Cf.: ANTEPROJETO DE REFORMA DA LEI DE DIREITO AUTORAL (Primeira Versão), art. 46, parágrafo único:
Além dos casos previstos expressamente neste artigo, também não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução,
distribuição e comunicação ao público de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização
do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza, quando essa utilização for: I – para f‌ins educa-
cionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo; e II – feita na medida justif‌icada para o
f‌im a se atingir, sem prejudicar a exploração normal da obra utilizada e nem causar prejuízo injustif‌icado aos legítimos
interesses dos autores.
53. CONVENÇÃO DE BERNA, art. 9.2: “Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução
das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra nem
cause prejuízo injustif‌icado aos interesses legítimos do autor.”
54. Sobre as características hermenêuticas do common law e como elas se comparam às do civil law, cf.:
MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes: o desenvolvimento judicial do direito constitucional contempo-
râneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
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espera: segurança jurídica. A presença de cláusulas gerais e conceitos abertos, como
“onerosidade excessiva” ou “acontecimentos extraordinários e imprevisíveis”,55 não é,
em si, uma inovação, pois, como já mencionado, estão presentes tanto na Constituição
quanto no Código Civil. Mas é importante ressaltar que a densidade jurisprudencial do
direito autoral brasileiro é relativamente baixa em comparação a outras esferas do direito
civil e que, por mais ilustrados que sejam – e são –, os operadores do direito no Brasil têm,
em geral, baixíssima exposição teórica à doutrina autoralista, sendo que a esmagadora
maioria sequer estudou a matéria em sua formação básica.
4. CONCLUSÃO
Nada há de moralmente “errado” com o utilitarismo ou qualquer forma de con-
sequencialismo jurídico, como também não há com as correntes deontológicas em si.
Ambas as perspectivas apresentam pontos fortes e fracos. Na deontologia do droit d’auteur,
é mais difícil justif‌icar uma busca dinâmica pelo equilíbrio entre os direitos autorais e
outros direitos, notadamente os de caráter econômico, pois, por def‌inição, sua validade
apriorística não se sujeita à verif‌icação pela experiência. O utilitarismo do copyright tem
a vantagem de pressupor esse equilíbrio, mas a análise da relação custo-benefício da
proteção intelectual na economia como um todo apresenta tantas variáveis que é preciso
estabelecer um consenso a priori que delimite minimamente o que se espera a título de
“bem-estar”, decisão sujeita a todo tipo de inf‌luência circunstancial.
Ao tomar o rumo do consequencialismo, contudo, o legislador precisa compreen-
der que está criando objetivos, e não traduzindo pressupostos, razão pela qual deve
considerar com especial atenção os impactos práticos que a mudança proposta poderá
vir a ter sobre a criação, produção e distribuição de conteúdo autoral no futuro. No
percurso do anteprojeto de lei até aqui, o governo não demonstrou grande preo cupação
com a coleta e análise de dados objetivos capazes de justif‌icar as mudanças propostas, ou
mesmo em fornecer detalhes sobre os efeitos macroeconômicos esperados com medidas
como, por exemplo, a que dá aos produtores e coautores de obras audiovisuais, inclusive
estrangeiros, o direito de arrecadar direitos de exibição pública no Brasil,56 sendo que os
produtores e coautores brasileiros não terão o mesmo direito em outros países (inclusive
nos EUA, o maior mercado audiovisual do mundo). Em outras palavras, faltam, se não
evidências, ao menos dados indicativos de que a aplicação da normativa proposta levará
à consecução dos objetivos que o próprio texto legal se impõe.57
55. Cf.: ANTEPROJETO DE REFORMA DA LEI DE DIREITO AUTORAL, art. 4o, § 2o: “Nos contratos de execução
continuada ou diferida, qualquer uma das partes poderá pleitear sua revisão ou resolução, por onerosidade excessiva,
quando para a outra parte decorrer extrema vantagem em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.”
56. Cf.: ANTEPROJETO DE REFORMA DA LEI DE DIREITO AUTORAL, art. 81, § 3o: “O produtor responsável pela
primeira f‌ixação de obra audiovisual terá o direito a uma remuneração referente a cada exibição pública a que se refere
o art. 68”. Cf., ainda, art. 86: “Os direitos autorais, decorrentes da exibição pública de obras audiovisuais e da execução
pública de obras musicais [...] serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos [...]
que as exibirem, ou pelas empresas que as transmitirem. Parágrafo único. Os proventos pecuniários resultantes de cada
exibição pública de obras audiovisuais serão repartidos entre seus autores, artistas intérpretes e produtores, na forma
convencionada entre eles ou suas associações.”
57. Em palestra sobre o Anteprojeto de Reforma Autoral, proferida durante o XXXII Congresso Internacional da
Propriedade Intelectual (São Paulo, 27 e 28 de agosto de 2012), o advogado Fábio Barboza ressaltou que o Reino
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Para um texto legal que se propõe explicitamente funcionalista, isso pode ser um
problema sério. Em especial quando se sabe que o direito há muito se vale da análise
de dados objetivos para avaliar o grau de “ef‌iciência” das leis e demais instrumentos
normativos, ou seja, se tais normas são efetivamente capazes de gerar os resultados
socioeconômicos esperados. Em todo o mundo, dados coletados de acordo com a
metodologia de outras ciências são utilizados para justif‌icar ou rejeitar propostas le-
gislativas e decisões administrativas. Na área ambiental, por exemplo, não se concebe
uma medida de caráter normativo que, tendo claras implicações em um dado ecos-
sistema, prescinda de uma análise prévia de impactos, tão detalhada quanto possível.
Por isso, antes de mudar as regras gerais para a atividade exploração de petróleo em
alto-mar, por exemplo, espera-se que o Estado proceda a uma cuidadosa análise dos
riscos ambientais (poluição das águas, diversidade da fauna marinha etc.), humanos
(sustentabilidade das atividades de pesca artesanal, mudanças no perf‌il demográf‌ico
das cidades costeiras etc.) e também econômicos (“doença holandesa”,58 redução do
f‌luxo turístico etc.) da medida proposta.59
Claro que, por outro lado, o mesmo proponente deverá considerar os efeitos positivos
da medida: como (e o quanto) as novas regras favoreceriam o aumento da arrecadação
de tributos, quantos novos empregos diretos e indiretos podem ser razoavelmente es-
perados, e assim por diante. Adivinhar o futuro é impossível, mas as lições do passado
mostram que é melhor tentar prever algo, mesmo errando, do que simplesmente esperar
tudo acontecer. Vazamentos de óleo em alto-mar acontecem e por isso os riscos associados
devem ser qualif‌icados, controlados e, na medida do possível, quantif‌icados. A mesma
lógica serve para os impactos positivos. Ao f‌inal, o que se tem é uma análise da relação
custo-benefício da medida regulatória proposta, ferramental intimamente relacionado
ao movimento conhecido nos países anglo-saxões como Law and Economics (em portu-
Unido promoveu quatro revisões da política geral de propriedade intelectual nos últimos sete anos, com o objetivo
de manter a ef‌iciência econômica do sistema em face das recentes mudanças tecnológicas, com forte base em dados
objetivos do mercado relevante em que atuam as indústrias de conteúdo (que os britânicos, em especial, costumam
chamar de “indústrias criativas”). O advogado comparou a experiência britânica à brasileira, concluindo que,
no Brasil, não há evidências de que o processo se valeu de dados objetivos similares. Cf.: BERENZIN, Ricardo Z.
Lei de direito autoral deve garantir segurança jurídica. Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2012. Disponível em:
.com.br/2012-ago-29/lei-direito-autoral-garantir-seguranca-juridica-empresas>. Acesso em:
10 jan. 2020.
58. Na def‌inição de Bresser Pereira, a chamada “doença holandesa” é “uma falha de mercado decorrente da existência
de recursos naturais baratos e abundantes usados para produzir commodities (e da possível elevação dos preços das
mesmas) que são compatíveis com uma taxa de câmbio mais apreciada do que aquela necessária para tornar competitivos
os demais bens comercializáveis”. Essa falha de mercado gera condições macroeconômicas, notadamente cambiais,
relativamente desfavoráveis às demais atividades econômicas, comprometendo sua competitividade. O resultado
é uma concentração excessiva de investimento em um ou algumas indústrias específ‌icas, tipicamente de commo-
dities, atrasando o desenvolvimento tecnológico do país. Cf.: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Doença holandesa
e sua neutralização: uma abordagem ricardiana. Revista de Economia Política 28 (1), p. 47-71. Versão eletrônica da
versão em língua portuguesa está disponível em: eira.org.br/papers/2007/07.26.Doen%E-
7aHolandesa.15dezembro.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2020.
59. Para um exemplo concreto, ligado à exploração brasileira de petróleo na camada pré-sal, cf., p. ex.:
PETROBRAS; ICF Consultoria do Brasil. RIMA – Relatório de Impacto Ambiental: Projetos Integrados de Produção
e Escoamento de Petróleo e Gás Natural no Polo Pré-Sal, Bacia de Santos. Rev. 2 (Março de 2011). Disponível em:
.pdf>. Acesso
em: 10 jan. 2020.
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guês, normalmente chamado de Análise Econômica do Direito – AED),60 ainda muito
pouco estudado no Brasil.
Em suma, pode-se dizer que o processo de reforma da legislação autoral brasileira
tem se desenrolado sobre bases quase que exclusivamente retóricas, construídas a partir
de uma sucessão de seminários e consultas públicas em que a argumentação subjetiva
prevaleceu sobre a análise técnica de dados objetivos a respeito do mercado de criação,
produção e distribuição de conteúdo literário e artístico. Tais dados são, de fato, escassos
no Brasil, o que não os torna menos necessários ao processo de reforma, em especial
quando se adota uma visão consequencialista dos direitos de autor e os que lhes são cone-
xos. Se em outras esferas regulatórias que têm no “futuro” a sua própria razão de existir,
como é o caso do direito ambiental, os estudos de impacto tornaram-se uma ferramenta
essencial para a tomada de decisões, por que prescindir do mesmo cuidado em relação
ao direito autoral? O futuro da produção cultural é pelo menos tão importante quanto
o de qualquer bioma, pode-se argumentar. Pelo menos na medida em que se aceitem os
pressupostos da racionalidade humanista de onde surgiu o próprio direito da propriedade
intelectual como o conhecemos, em todas as suas variantes.
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=Portugu%EAs&secao=Biblioteca&subsecao=Resolu%E7%F5es%20da%20ABPI&assunto
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na sociedade da informação. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008.
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60. Cf.: VASCONCELOS, Cláudio Lins de. Mídia e propriedade intelectual... Op. cit. p. 124. (“A AED não é uma disci-
plina jurídica propriamente dita, mas uma abordagem do Direito a partir de suas características e desdobramentos de
natureza econômica. O resultado dessa análise será tipicamente um diagnóstico de ef‌iciência, ou seja, de como os custos
da aplicação legal se comparam aos seus benefícios, tendo por objetivo o cumprimento das f‌inalidades socioeconômi-
cas da lei, dentro de uma escala subjetiva de valores [...] [E]ssa análise exercerá em muitos casos função meramente
acessória, como na hipótese de uma medida qualquer que, embora inef‌iciente do ponto de vista estritamente econômico,
será a mais adequada para a consecução de objetivos específ‌icos. Em outros, contudo, a AED tende a ser fundamental,
particularmente nas áreas em que a ef‌iciência econômica consiste no próprio bem jurídico a ser tutelado. Em sua concep-
ção contemporânea, [...] o [direito internacional da propriedade intelectual] tem como principal preocupação a busca
do equilíbrio entre os interesses econômicos de titulares e usuários de bens intelectuais, o que equivale dizer que busca
conceitualmente a melhor alocação possível dos recursos destinados tanto à produção quanto ao consumo desses bens.
Não por acaso, alguns dos maiores nomes da AED são também referências obrigatórias em matéria de PI”). Em nota
de rodapé, no mesmo trabalho, exemplif‌icamos: “Richard Posner e William Landes talvez sejam os exemplos mais
óbvios, mas não os únicos. Nomes como Steven Shavell, Stanley Besen, Carlos Alberto Primo Braga, Harold Demsetz,
Paul Goldstein, Wendy Gordon, Michael Katz, Carl Shapiro, Sanford Liebovitz, Edwin Mansf‌ield e George Stigler, entre
outros, se debruçaram sobre o tema e se tornaram fontes autoritativas tanto no estudo da PI quanto na AED.”
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CLÁUDIO LINS DE VASCONCELOS
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