As lógicas por trás das políticas de regularização fundiária: a alteração de paradigma pela lei 13.465/2017 / The logic behind landholding regularization policies: the paradigm changed by law 13.465/2017

AutorPaulo Sérgio Ferreira Filho
CargoDoutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: paulinhosff@gmail.com
Páginas1449-1482
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 3. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.32040
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Revista de Direito da Cidade, vol. 10, nº 3. ISSN 2317-7721 pp. 1449-1482 1449
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As políticas de regularização fundiária devem ser cuidadosamente planejadas e executadas,
refletindo as normas sociais nas comunidades beneficiárias, bem como, aliada à titulação da
propriedade, implementar uma rede de serviços públicos e infraestrutura urbana. Tal conclusão
é atingida após a análise econômica dos impactos dos referidos programas, apontando como a
Lei 13.465/2017 operou uma mudança de lógica no marco legal da regularização fundiária,
centrando-se numa lógica de mercado. Contudo, aponta-se que uma mera lógica de concessão
de títulos de propriedade individualizada pode aumentar a vulnerabilidade dos beneficiários,
causando uma maior insegurança da posse dos imóveis por eles exercida, o que seria sinal do
fracasso de uma política pública que deve estar voltada para a efetivação do direito social à
moradia e a diminuição da pobreza. Daí a necessidade de cada projeto se atentar para os usos e
costumes da comunidade afetada, a melhoria efetiva das condições urbanas e de
habitabilidade, bem como a criação de mecanismos para que incentivem que as pessoas
beneficiadas continuem na formalidade após a execução do programa.
-: Regularização Fundiária; Titulação da Propriedade; Custos de Transação; Análise
Econômica do Direito; Direitos de Propriedad e.
Landholding regularization policies must be carefully planned and performed, reflecting social
norms in the beneficiary communities, and also, allied with property titling, implement a
network of public services and urban infrastructure. This conclusion is alighted upon the
economic analysis of the impacts of these programs, indicating how Law 13,465/2017 operated
a logic change in the legal framework of landholding regularization, focusing on a market logic.
However, it is pointed out that a mere logic of granting individualized title deeds can increase
the vulnerability of the beneficiaries, causing greater insecurity on the properties tenure, which
would be a sign of the failure of a public policy that should be directed towards the
achievement of the social right to housing and the reduction of poverty. Hence the need for
each project to pay proper regard to the use and customs of the impacted community, the
effective improvement of urban conditions and habitability, and also the creation of
mechanisms to encourage beneficiaries to continue in formality after the execution of the
program.
: Landholding Regularization; Land Titling; Transaction Costs; Economic Analysis of
Law; Property Rights.
1 Doutorando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: paulinhosff@gmail.com
Revista de Direito da Cidade vol. 10, nº 3. ISSN 2317-7721
DOI: 10.12957/rdc.2018.32040
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A Declaração das Nações Unidas sobre assentamentos humanos de 1996 (Habitat II)
(ONU, 1996) afirma que os países devem assegurar moradia digna para os habitantes dos
centros urbanos, garantindo a função social da propriedade e o desenvolvimento sustentável
das cidades (ROSA, 2005, p. 17).2 Tal conferência reconheceu o direito à moradia como um
direito humano, obrigando-se os Estados signatários a realizá-lo progressivamente por meio de
planos e programas habitacionais, bem como proteger de modo eficaz o direito à moradia
(SOBRANE, 2005, p. 209).
Desse modo, o direito à moradia, incluído expressamente como direito fundamental no
art. 6° da CRFB/88 (BRASIL, 1988), possui papel central nas políticas públicas urbanas e também
na promoção dos direitos humanos, sendo ele diretamente ligado a diversos outros direitos
sociais, sendo que a ausência de moradia digna retira da pessoa uma condição concreta de
exercer sua cidadania e de viver com dig nidade.
Em tal contexto, é preciso encarar o papel central das políticas habitacionais,
especialmente as de interesse social, no desenvolvimento sustentável das cidades. Ganha
destaque, assim, num ambiente de prévio crescimento desordenado e informal das cidades
brasileiras, a importância dos programas de regularização fundiária. A discussão ganha relevo
ainda maior com a edição recente da Lei nº 13.465/2017 (BRASI, 2017), a qual mudou
completamente o marco regulatório da regul arização fundiária no Brasil.
A fim de se aprofundar os debates acerca de tal instituto, na seção 2 deste artigo
discute-se, utilizando uma abordagem econômica, os impactos dos programas de regularização
fundiária na sociedade, expondo a difundida teoria de Hernando de Soto, correlacionando-a a
uma análise econômica institucionalista, focada nos custos de transações. Ademais, demonstra-
se como a Lei nº 13.465/2017 parece ter adotado tal lógica em sua concepção.
Na seção 3, discute-se a necessidade de os programas de regularização refletirem as
normas costumeiras e usos que a comunidade beneficiada tradicionalmente dá à posse e à
propriedade, sob pena de ineficácia de um programa planejado e executado em uma
perspectiva top-down.
2 A referida declaração congregou dois temas básicos: a adequada habitação para todos e assentamentos
humanos sustentáveis em um mundo em urbanização (SOBRANE, 2005, p. 209).
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Na seção 4, são apresentadas algumas das principais críticas aos programas de titulação
em massa de propriedades individuais, bem como são apresentadas pesquisas empíricas
realizadas em várias regiões do mundo sobr e os impactos dos referidos projetos.
Conclui-se, por fim, que os programas de regularização fundiária, caso bem executados,
refletindo as normas sociais da comunidade beneficiada, pode sim ter muitos impactos
positivos, inclusive gerando crescimento econômico. Porém, eles não devem se resumir à mera
titulação formal, devendo ser complementados por implantação de infraestrutura urbana
básica e serviços públicos essenciais. Ademais, em comunidades tradicionais com fortes laços
comunitários, a titulação coletiva da propri edade pode se mostrar um caminho mais adequado.
A análise econômica do direito (AED) é uma disciplina relativamente nova no cenário
jurídico brasileiro, embora já esteja consolidada no âmbito da common law. Para Posner (2013),
por exemplo, haveria uma lógica econômica implícita no sistema do common law, em que a
economia seria a base do direito e a dogmática jurídica apenas a sua superfície, sendo que
ambas formariam um sistema coerente de indução de comportamentos eficientes na cadeia de
relações sociais.
A AED busca, por meio de uma abordagem microeconômica, a resposta a uma questão
positiva, relativa ao impacto das leis nos comportamentos dos indivíduos e seus reflexos para a
prosperidade social, e a uma questão normativa, relacionada às vantagens das normas em
termos de eficiência e aprimoramento da soc iedade (GAROUPA; GINSBURG, 2012).
Como dito, a análise econômica do direito utiliza como base doutrinária o ramo da
ciência econômica chamado de microeconomia, o qual pressupõe a existência de um homem
racional, que realiza as suas escolhas pautadas em análises de custo-benefício3 de seus atos,
atuando de modo a maximizar os proveitos por ele obtidos (CO OTER; ULEN, 2010).
Dessa forma, a AED pode ser de grande valia para se realizar uma avaliação prévia dos
efeitos de uma política pública a ser implementada, bem como para uma avaliação crítica
daquelas que já estejam em andamento, preocupando-se sempre com os efeitos concretos das
normas sobre o comportamento e, consequent emente, a vida das pessoas.
3 A ideia por trás da análise de custo-benefício é muito simples: é uma técnica para mensurar se os
benefícios de uma ação são maiores que os custos (HANLEY; BARBIER, 2009).

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