As medidas político-judiciárias modernas em portugal e no brasil de 1750 a 1850: um reforço à tradição?

AutorRafael Parisi Abdouch
CargoBacharel em Direito pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP). Mestrando do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo de São Francisco)
Páginas74-94
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AS MEDIDAS POLÍTICO-JUDICIÁRIAS MODERNAS EM PORTUGAL E NO
BRASIL DE 1750 A 1850: UM REFORÇO À TRADIÇÃO?
THE MODERN POLITICAL AND JUDICIAL MEASURES IN PORTUGAL
AND BRAZIL, 1750-1850: STRENGTHENING THE TRADITION?
Rafael Parisi Abdouch1
RESUMO
Neste artigo, pretendo mostrar que tanto em Portugal, como no Brasil, no período
compreendido entre 1750 a 1850, houve importantes reformas modernizantes,
incompatíveis com a ordem jurídico-política tradicional herdada do período medieval e,
assim, demonstrar a possibilidade de fazer-se uma leitura do período diferente da que
fizeram Garriga e Slemian, para quem as mudanças político-jurídicas e legislativas
ocorridas no período tenham reforçado a tradição antes que rompido com ela.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição; Tradição; Portugal; Brasil; Ordem.
ABSTRACT
In this article, I aim to show that both in Portugal and in Brazil, from 1750 to 1850,
there were important modernizing reforms, which were incompatible with the legal-
political order inherited from the medieval period and thus demonstrate that it is
possible to interpret the period from a different perspective than that of Garriga and
Slemian, for whom the political and legislative changes in the period have strengthened
the tradition rather than breaking it.
KEYWORDS: Constitution; Tradition; Portugal; Brazil; Order.
INTRODUÇÃO
Garriga e Slemian (2013) tentaram demonstrar que tanto em Portugal, como no
Brasil, à semelhança do que teria ocorrido em Espanha e seus domínios ultramarinos
com a Constituição de Cádiz (1812), o processo constituinte e as constituições daí
advindas vieram mais a reforçar a ordem política e jurídica herdadas do medievalismo
escolástico (que chamam e aqui também chamarei de “ordem tradicional”) do que trazer
uma nova “ordem moderna”, ao contrário do que teria acontecido em França com a
Constituição revolucionária. Esta visão foi explorada e corroborada nesta revista por
1 Bacharel em Direito pela Escola de Direito deo Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito
SP). Mestrando do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (Largo de São Francisco).
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Pesso (2016). O constitucionalismo como rompimento brusco e explícito com o sistema
político-jurídico herdado da época medieval, como demonstra o preâmbulo da
Constituição francesa de 1791, teria sido um caso isolado na Europa, não seguido pelos
movimentos constitucionalistas da América ibérica. Neste artigo, pretendo demonstrar
que, embora não tenha havido no Brasil e em Portugal um rompimento revolucionário e
explicitado nos preâmbulos das Constituições que surgiram entre 1750 e 1850 (data
compreendida pelos autores no artigo), pelo menos desde o governo de D. José I
(através de seu todo poderoso ministro Marquês de Pombal), importantes reformas
modernizantes ocorreram. Sugiro aqui, ao contrário de Garriga e Slemian (2013), uma
leitura diferente do período, que pretende enfatizar as mudanças em vez das
continuidades. Esta é uma leitura segundo a qual a manutenção de alguns dos
"paradigmas" da ordem jurídica tradicional pode ser vista como residual e incapaz de
suplantar os "avanços modernizantes". Tratarei de analisar o período estritamente do
ponto de vista normativo, deixando de perscrutar, neste artigo, a efetividade de tais
inovações no plano fático2. Pretendo fazer isto, sucintamente, a partir de cinco
“eventos” compreendidos neste período: (i) a reforma do ensino universitário em 1772,
(ii) a “(r)evolução” nas fontes do direito trazidas pela chamada “Lei da Boa Razão”, (iii)
a Constituição portuguesa de 1822, (iv) o debate sobre a extinção dos privilégios na
primeira assembleia constituinte brasileira e (v) a Constituição outorgada de 1824. Para
isso, procederei em cinco passos: em primeiro lugar, tento reconstruir, sinteticamente, a
tese de Garriga e Slemian (2013); em segundo, explicitar o que se entende por "ordem
tradicional"; em terceiro, expor o que se entende por “moderno” em relação à ordem
política e jurídica, a recepção desses ideais em Portugal e no Brasil durante na segunda
metade do século XVIII e a sua consagração na Constituição Francesa de 1791; em
quarto, demonstrar pontos e discussões essenciais incompatíveis com a ordem
tradicional nas Cortes de Lisboa de 1820, na primeira constituinte brasileira e as
disposições da Constituição Portuguesa de 1822 e a brasileira de 1824 e alguns de seus
desdobramentos; em quinto e último lugar, passo às minhas considerações finais em que
sustento que, diante disso, é possível que se faça uma leitura desses eventos não como
tendo dado nova força à tradição, mas antes (e principalmente), tendo rompido com ela.
2 Garriga e Slemian (2013) também parecem preocupar-se com as mudanças do ponto de vista
estritamente normativo.

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