As mudanças no mundo do trabalho e suas repercussões sobre a saúde do trabalhador: revisão e tendências para o início do século XXI

AutorHeleno Rodrigues Corrêa Filho
Páginas93-126

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Heleno Rodrigues Corrêa Filho *

Apresentação

Este trabalho está aberto a outras abordagens sobre as implicações sociais das disputas sobre causalidade. Revê as correntes de pensamento social que influem sobre o desenvolvimento das ciências da saúde e seus impactos sobre a compreensão do mundo do trabalho e da Saúde do Trabalhador. Revisa fundamentos das ciências sociais e saúde e seus impactos nas práticas corporativas e na política internacional. Toma posição baseada na sociologia dos grupos sociais em conflito e nas correntes de simbolismo, subjetividade e poder. O texto não pretende revisar a economia política em suas vertentes pós-revolução industrial embora termine avaliando mudanças à interpretação de resultados obtidos a partir dos modelos de conhecimento biológico dominante listando prováveis impactos nas práticas científicas, filosóficas e jurídicas decorrentes das mudanças no paradigma dominante. Destaca duas mudanças principais do pensamento científico em Saúde do Trabalhador: — A exposição e não a dose é o que determina as doenças além das gerações presentes; e, o ônus da prova de isenção da exposição recai sobre quem promove e se beneficia da exposição seja ela na produção ou no ambiente.

Introdução

A globalização pressupõe, entre outras coisas, o livre trânsito do dinheiro e de mercadorias através das fronteiras mundiais, incluindo entre as mercadorias bens culturais, artísticos, estruturas educacionais, serviços comerciais e em períodos mais recentes até prisões e exércitos mercenários. Aspectos negativos e positivos da globalização fazem a balança oscilar dependendo do grau de autonomia dos estados e nações contra o grau de submissão da vontade dos povos, a subordinação a condições de exploração degradantes para a saúde e para o ambiente (SANTOS, 2001; SANTOS, 2004).

Entre os aspectos da saúde e do ambiente que podem ser promovidos ou degradados pela globalização estão a Saúde Coletiva e seu subconjunto, a Saúde do Trabalhador. A Saúde Coletiva é definida como a prática da Saúde

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Pública subordinada ao controle social organizado por meio de democracia participativa direta. Dentro desse conceito a Saúde do Trabalhador foi desenvolvida como a prática da Saúde Coletiva nos ambientes de trabalho subordinada ao controle dos trabalhadores organizados e livres de práticas antissindicais — p. 13 (COSTA, CARMO et al., 1989) e p. 29 (PIMENTA, CAPISTRANO-FILHO et al., 1988).

Os métodos produtivos que causam degradação ambiental e doenças nos países dependentes convergem com interesses de classe, políticos e econômicos locais para utilizar os mesmos processos de controle da poluição e destruição praticadas anteriormente nas matrizes (SIQUEIRA, 2003).

A globalização subordinada antagoniza a proteção e promoção da saúde dos trabalhadores decorrentes da economia dos processos produtivos. A globalização dependente cria necessidade de remediação e controle a cada nova etapa de expansão. Existe uma “corrida para o fundo do poço”.

A epidemiologia tem potencial para fornecer informação que favoreça a população e os trabalhadores na luta contra processos degradantes que fogem ao controle dos governos (FRUMKIN, 1999; HASTINGS, 2012). O conhecimento epidemiológico do processo saúde-doença nas relações de produção envolve trabalhadores (ODDONE, MARRI et al., 1986) e o ambiente (SIQUEIRA, 2003).

Os países que mais privatizaram e entregaram seus sistemas de saúde para as corporações das seguradoras são também aqueles em que os trabalhadores fazem menos greves por condições de trabalho e por salário. Os EUA são citados por Vicenç Navarro como um exemplo de país onde o número de greves é muito reduzido pela ameaça de demissão dos trabalhadores que esta forma de luta representa. Naquele contexto, o trabalhador perde de uma só vez o emprego, o salário e o seguro-saúde que mantém sua família e suas condições já abaladas de saúde, uma vez que a maioria dos seguros custa caro e são pagos em grupo pelo empregador (NAVARRO, 2008).

A interpretação dos fatos científicos é tema da filosofia das ciências que orienta as correntes de investigação com consequências sobre divergências nos diagnósticos, pensamento causal, políticas públicas e intervenção. “Fatos científicos” considerados “universais” geram condutas distintas quando se transformam em fatos sociais, dependendo do momento histórico e dos grupos sociais atuantes (JACOB, 1983).

Influência das concepções de sociedade sobre a ciência

O pensamento científico pós-moderno, ou seja, após a segunda grande guerra mundial, foi influenciado por concepções que emergiram nos quatrocentos anos anteriores, embora prejudicado pela massificação do acesso às interpretações modernas e pós-modernas desvinculadas da explicitação das correntes de pensamento que lhes deram base, agravadas pelo desconhecimento dos textos originais. Para fins práticos demarcamos três grandes correntes ou “fases” do pensamento e interpretação do mundo pós-moderno segundo Nunes (NUNES, 2006):

Fase 1 — Funcionalismo — Propõe sistemas solidários em que a filosofia de diagnóstico, tratamento e prevenção se ajustam à suposta funcionalidade harmônica do sistema da economia e da política. Nas ciências sociais os paradigmas são representados por Talcot Parsons (EUA); Friedrich Auguste Von Hayek — Professor de Economia Política, cidadão da Áustria e da Inglaterra que lecionou nos EUA e criou os “Chicago Boys”, cuja corrente de pensamento modelou os planificadores e economistas que deram suporte aos governos dos golpes militares no Brasil (01.05.1964) e no Chile (11.09.1973); e Karl Popper, filósofo da ciência britânico criador da teoria do falsificacionismo dedutivo. Popper e Friedrich Von Hayek fazem parte do grupo criador do Fórum Econômico de Davos desenvolvendo teorias neoliberais ‘duras’, como as de Milton Friedman nos EUA, contrárias às teorias socialistas de organização do mundo pós-segunda grande guerra cujos expoentes foram Gunnar Myrdal da Suécia e John Maynard Keynes dos EUA que fundamentou a Social-democracia de mercado (NUNES, 2006).

Fase 2 — Sociologia dos grupos de conflito — Avalia a organização social pela produção, o trabalho e as classes sociais como no estruturalismo e marxismo, representada por Marx e alguns expoentes da escola de Frankfurt, além de renovadores do Marxismo como Gramsci; Georg Luckács; Vigotski; Eric Hobsbawn e Slavoj Zizek. Fase 3 — SIMBOLISMO e o PODER — Analisa, para além dos conflitos de classes sociais aqueles que ocorrem entre estratos e os grupos sociais, a criação da dinâmica cultural, a língua (linguística e semiótica) e os valores subjetivos em produção e consumo. Baseiam-se na filosofia, na antropologia, na psicologia e na economia política pós-moderna. São exemplos: Foucault; Deleuze; Pierre Bordieu e Noam Chomsky.

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O conceito de determinantes em ciências

A metafísica (Meta= “lateral a”) é o conjunto das teorias sobre a realidade a partir do pensamento puro e que cujas leis e axiomas não se baseiam em medidas materiais do que hoje chamamos de física. O pensamento metafísico determinístico surgiu após a renovação do pensamento da concepção religiosa da filosofia escolástica. Dele derivaram concepções da determinação a partir do pensamento (idealismo), da matéria (materialismo), e da subjetividade (fenomenologia e relativismo cultural) (THE NEW ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 1987).

Determinismo em filosofia é a “teoria em que todos os eventos, incluindo as escolhas morais, são completamente determinados pelas causas existentes anteriormente que impedem o livre arbítrio e a possibilidade de que o homem pudesse ter agido de outra forma. Nas palavras do poeta persa Omar Khayyam em suas quadras ‘E o primeiro alvorecer da Criação escreveu/Aquilo que o juízo final lerá no último anoitecer’ “ (vol. 4-p.40-1ª) (THE NEW ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 1987).

A filosofia empírico-dedutivista que deu origem ao positivismo avançou, após René Descartes, com a concepção de que o mundo real era determinado por leis imutáveis que permitiam predizer o desfecho dos fenômenos naturais e sociais em função das características presentes anteriormente no mundo material. As leis deduzidas por ideias não determinam um desfecho e sim, a matéria e suas propriedades.

Na física delineada por Isaac Newton tudo estava pré-determinado pela conservação do movimento das massas, forças acumuladas, energias potenciais, direção das forças, que resultam em...

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