As origens familiares

AutorFrancisco De Sales Gaudêncio/Hernani Maia Costa
Páginas43-101
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AS ORIGENS FAMILIARES
Nascido na cidade de São Paulo, em 15 de dezembro de 1938,
Paulo de Barros Carvalho é f‌ilho do pernambucano Leonardo de
Barros Carvalho e da gaúcha Dulce Rosa Cruz, um casal cuja união
foi fruto de um encontro que teve como pano de fundo as ocor-
rências políticas que marcaram os anos 1920, em especial aque-
las do f‌inal da década e cujo ápice foi a Revolução de 1930. Um
encontro enlaçando o Sul e o Nordeste, e não o primeiro, se en-
tendermos que o gaúcho Antônio Augusto Borges de Medeiros es-
tudou e se bacharelou em Direito pela célebre Escola do Recife,
mesmo tendo passado primeiramente pela Faculdade de Direito
de São Paulo. Ele próprio f‌ilho do pernambucano Augusto César
de Medeiros, também formado em Direito pela mesma faculda-
de. Foi ele também, quando presidente do estado do Rio Grande
do Sul, quem lançou as bases da fundação da Faculdade Livre de
Direito de Porto Alegre, inaugurada em 17 de fevereiro de 1900.
Nessa empreitada educacional, os principais organizadores daque-
la que seria a primeira escola de Direito gaúcha foram Alcebíades
Cavalcanti de Albuquerque e Manuel André da Rocha, dois de-
sembargadores nordestinos formados em Recife; o último deles,
também pernambucano, acabaria se tornando o segundo diretor
daquela escola. Pode-se af‌irmar, portanto, que a forte inf‌luência
do positivismo de Augusto Comte, na política do Rio Grande do
Sul, tenha vindo dessa corrente de pensamento, que num deter-
minado momento, foi dominante na tradicional Escola do Recife.
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Com efeito, as famílias Barros Carvalho e Rosa Cruz se en-
contrariam em meio ao conturbado quadro político, quando um
movimento armado se impunha como a única solução para os
problemas políticos que marcavam o país há décadas. As crises
dos anos 1920 sinalizavam o f‌im da Primeira República, período
da história republicana brasileira em que pontif‌icavam os gru-
pos oligárquicos. Exemplos disso foram a Reação Republicana, de
1922, quando os estados do Rio Grande do Sul, de Pernambuco,
da Bahia e do Rio de Janeiro, em apoio à candidatura de Nilo
Peçanha, se alinharam contra Artur Bernardes, o candidato of‌icial
imposto segundo as regras da política ditada pelas elites paulista
e mineira, as revoltas tenentistas de 1922 (RJ) e de 1924 (SP) e a
Coluna Prestes, iniciada no Rio Grande do Sul, que em sua mar-
cha pelo interior do Brasil adentrou ao estado de Pernambuco ar-
rastando para suas f‌ileiras inúmeros simpatizantes.
Em razão disso, a partir de 1929, passou a se viver um cli-
ma de instabilidade criado pelo processo eleitoral da sucessão
do paulista Washington Luís, o último presidente da Primeira
República, gerado pela política do café-com-leite, um esquema
de alternância do qual participavam São Paulo e Minas Gerais,
dois grandes estados da federação que aliavam, respectivamen-
te, o poder econômico e a força eleitoral com o intuito de mono-
polizar do comando da República. Pela lógica do café-com-leite,
era a vez de Minas Gerais “fazer” o presidente e Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada, então governante mineiro, surgia como can-
didato natural. Washington Luís, entretanto, preteriu sua candi-
datura alegando a necessidade de dar continuidade à sua política
econômico-f‌inanceira, indicando para sucedê-lo outro paulista,
Júlio Prestes, que na ocasião governava o estado de São Paulo.
Assim sendo, em 1929, deu-se a ruptura de um sistema de equi-
líbrio político que funcionou durante a chamada República das
Oligarquias (1894-1930), o que levou as lideranças mineiras a se
aproximarem do Rio Grande do Sul, a terceira força política do
país, que, embora estivesse à margem do esquema do café-com-
-leite, era também integrante da mesma ordem oligárquica então
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vigente. Ensejou-se assim a formação de uma frente de oposição
unindo Minas Gerais e Rio Grande do Sul, ao qual coube a indica-
ção da candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República
nas eleições de 1930. Essa frente de oposição que se denominou
Aliança Liberal procurou atrair o estado de Pernambuco – a Bahia
e o Rio de Janeiro também foram sondados – a quem caberia in-
dicar o vice-presidente da chapa aliancista. Com a recusa dos três
estados, então comprometidos com o governo federal, e com as
gestões do ex-presidente Epitácio Pessoa, coube à Paraíba a indi-
cação de João Pessoa, presidente do estado, como vice na chapa
de oposição encabeçada por Vargas.
À derrota da Aliança Liberal nas eleições de março de 1930,
atribuída, pela oposição como o resultado de um sistema elei-
toral fraudulento, um dos mecanismos do sistema oligárquico
da República Velha, seguiu-se o assassinato do paraibano João
Pessoa, motivado por razões pessoais e conf‌litos políticos regio-
nais, criando-se as condições para a def‌lagração da Revolução de
1930 e a assunção de Vargas ao poder.
Por outro lado, os problemas econômico-f‌inanceiros decor-
rentes dos efeitos da crise do capitalismo liberal, em âmbito mun-
dial, cujo ponto culminante seria a crise de 1929, completaria
esse quadro de instabilidade. O setor cafeeiro, com o predomínio
dos cafeicultores paulistas, hegemônico na economia e na política
nacional, sucumbiria diante da debacle internacional com o f‌im
das valorizações do produto. Em Pernambuco, a agroindústria do
açúcar, que era a base da sua economia, se debatia em crise des-
de o f‌inal do século anterior, esquecida pelos governos federal e
estadual. Grande era o descontentamento com Estácio Coimbra,
também um membro da açucarocracia pernambucana, à frente do
governo do estado, f‌igura central dos ataques e das críticas con-
duzidas por usineiros e senhores de engenho e, secundariamente,
por trabalhadores urbanos e setores populares.
Assim, a difícil situação da economia açucareira que se man-
tinha a mesma há décadas, acabava por gerar um quadro social

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