As partes no processo de execução (i)

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas89-101

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32. Conceito

O processo é a relação jurídica trilateral, que envolve como sujeitos o juiz e as partes. Aquele representa o Estado, no exercício da função jurisdicional, e estas (as partes), como titulares dos interesses em conflito, ficam submetidas ao poder judicante do primeiro, para alcançar-se a composição do litígio.

No conceito tradicional e civilista, as partes na relação processual seriam os sujeitos ativo e passivo da relação de direito material controvertida no processo.1

Passado, porém, o estágio em que o direito processual era considerado mero apêndice do direito substantivo, o conceito civilista perdeu seu prestígio, não só diante da comprovada autonomia daquele direito, como principalmente em razão de situações em que evidentemente a parte da relação processual não se confunde com o sujeito do direito material posto em juízo (haja vista o que ocorre no caso da substituição processual).2Com o reconhecimento da insuficiência das conceituações de caráter civilista no âmbito do processo, a parte passou a ser definida, com propriedade, no sentido formal ou processual, ou seja, como elemento do processo, que é autônomo diante dos vínculos da relação de direito material em litígio.

Assim, nessa moderna concepção, partes do processo "são as pessoas que pedem ou em face das quais se pede a tutela jurídica estatal".3Do lado ativo - correspondente ao que pede a tutela jurisdicional - tem-se o autor. Do lado passivo, isto é, daquele em face de quem se pediu a providência jurisdicional, tem-se o réu.

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Na execução forçada, autor e réu são chamados, respectivamente, exequente e executado, ou simplesmente credor e devedor, como às vezes preferia o Código de Processo Civil de 1973. O NCPC, entretanto, corrigiu a nomenclatura adotada de forma indiferente pela codificação anterior, utilizando os termos tradicionais de exequente e executado para tratar das partes ativa e passiva da execução, respectivamente. As poucas vezes em que, no Livro II, referiu-se a credor e devedor, o fez para ressaltar a situação material subjacente ao título executivo (são alguns exemplos os arts. 778, 779, 786 e 787).

33. Legitimação ativa

Na prática, e salvo as exceções legais (NCPC, arts. 778, § 1º e 779, ns. II a VI),4"a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figurar como credor e deve sê-lo contra a pessoa que no mesmo título tiver a posição de devedor".5Historicamente, o primeiro legitimado para propor a actio iudicati foi o vencedor da ação condenatória. Mais tarde, sob influência do direito germânico, evoluiu-se para uma equiparação entre a sentença de condenação e certos títulos extrajudiciais de confissão de dívida.

Daí em diante, a execução forçada (executio parata) passou a ser possível tanto em face da sentença como daqueles títulos negociáveis comprobatórios de dívida líquida, certa e exigível, a que a lei reconhece a força de título executivo.

A verdade é, contudo, que não se pode cogitar de execução sem que um título legalmente a justifique. Nulla executio sine titulo.

A existência do título executivo e o inadimplemento do devedor são requisitos específicos da execução forçada.

Satisfeitos ambos, cumpre determinar-se a legitimação das partes para formação da relação processual executiva.

Via de regra, o título se apresenta como "a expressão integral das condições da ação executória",6revelando em seu contexto, diretamente, as figuras do credor e do devedor, que serão as partes legítimas para o processo executivo.

Nem sempre, porém, será ele suficiente para demonstrar, prima facie, a legitimidade das partes. Pode, por exemplo, ter havido sucessão mortis causa, cessão manual de título ao portador, endosso, cessão de crédito etc. E tudo isto altera a titularidade do crédito, exigindo exame de outros elementos para reconhecer-se a legitimidade de parte para a execução.

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Nessas condições, o postulante da tutela executiva terá, além de exibir o título, de comprovar o fato jurídico que o transformou em seu proprietário, como sucessor daquele que primitivamente figurava como credor.

O código trata da legitimatio ad causam ativa no artigo 778.7No caput e no § 1º, inciso I, do dispositivo, tem-se a legitimação originária, ou seja, a que decorre do conteúdo do próprio título e compreende:

  1. o credor, como tal indicado no título; e

  2. o Ministério Público, nos casos previstos em lei.

Nos demais incisos do § 1º, acha-se especificada a legitimação derivada ou superveniente, que corresponde às situações formadas posteriormente à criação do título e que se verificam nas hipóteses de sucessão tanto mortis causa como inter vivos.

34. Legitimação ativa originária

Compete a execução, em primeiro lugar, ao credor "a quem a lei confere o título executivo" (NCPC, art. 778, caput).8A força executiva atribuída a determinados títulos de crédito, como se vê, decorre da lei. A legitimação das partes, por sua vez, será extraída, quase sempre, do próprio conteúdo do título. Assim, no título judicial, credor ou exequente será o vencedor da causa, como tal apontado na sentença. E, no título extrajudicial, será a pessoa em favor de quem se contraiu a obrigação.

Excepcionalmente, pode a lei admitir modificação ou substituição da figura do credor, sem que o título reflita diretamente a mutação. É o que ocorre, por exemplo, no caso da Lei nº 8.906, de 04.07.94, que legitima o advogado a executar, em nome próprio, a sentença proferida em favor do seu constituinte, na parte que condenou o adversário ao ressarcimento dos gastos de honorários advocatícios (artigo 23).

Por outro lado, o processo de execução acha-se subordinado aos mesmos princípios gerais que fundamentam o processo de conhecimento, como bem esclarece o art. 771, parágrafo único, do NCPC.9Por isso, além de ser parte legítima, por figurar no título como credor, ou por tê-lo legalmente sucedido, para manejar o processo de execução o interessado terá ainda que:

  1. ser capaz, ou estar representado de acordo com a lei civil pelo pai, tutor ou curador;

  2. outorgar mandato a advogado.

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Pode, também, promover a execução forçada "o Ministério Público, nos casos previstos em lei" (NCPC, art. 778, § 1º, I).

A propósito, convém notar que o Ministério Público é considerado pelo Código, ora na função de órgão agente (NCPC, art. 177),10ora de órgão interveniente (art. 178).11Quando, nos casos previstos em lei, exercer o direito de ação, caber-lhe-ão os mesmos poderes e ônus que tocam às partes da relação processual.

Daí a sua legitimidade ad causam, também, para promover a execução da respectiva sentença (art. 778, § 1º, I), sempre que for colocado na posição de órgão agente.

Como exemplo dessas funções do Ministério Público, podem ser citados os casos de tomada de contas de testamenteiro, de arrecadação de resíduos, de cumprimentos de legados pios, da execução, no juízo civil, da sentença condenatória penal, quando a vítima for pobre, para fins de obter a indenização do dano, na forma do art. 68 do Cód. de Proc. Penal etc.

35. Litisconsórcio e assistência no processo de execução

É uniforme o entendimento de que não há litisconsórcio necessário no processo de execução, seja fundado em título judicial, seja em título extrajudicial.12Mesmo sendo múltipla a titularidade do crédito, com ou sem solidariedade ativa, a cada credor será sempre lícita a execução da parte que lhe toque. Poderão, é verdade, os credores cobrar a totalidade da dívida em litisconsórcio facultativo, mas não estarão obrigatoriamente vinculados à execução única.13Um caso excepcional de litisconsórcio necessário temo-lo no concurso universal do devedor insolvente14pois, "na execução do devedor insolvente, os diversos credores são partes principais".15Quanto à assistência, sua admissibilidade no processo de execução tem sido motivo de largas controvérsias que, infelizmente, o Código não conseguiu superar. Basta dizer que, em comentários ao Estatuto de 1973, Pontes de Miranda advogava a admissibilidade da assistência, "qualquer que seja a forma do processo de cognição, ou executivo, ou cautelar", sem restrição de espécie alguma.16Já Alcides de Mendonça

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Lima batia-se energicamente contra a possibilidade da medida no processo de execução, propriamente dito, admitindo-a apenas, em caráter excepcional, nos embargos à execução e, assim mesmo, somente quando se tratar de título extrajudicial.17A assistência, como a conceitua o Código, é figura afim do litisconsórcio e consiste na intervenção voluntária de terceiro interessado, em causa pendente entre outras pessoas, para coadjuvar uma das partes a obter sentença favorável (NCPC, art. 119).18Já ficou demonstrado que o processo de execução não tende à obtenção de sentença, mas apenas se destina à prática dos atos concretos de realização coativa do crédito do autor. Logo, parece-nos intuitivo que, dada a inexistência de julgamento de mérito, nunca se poderá falar em assistente do credor ou exequente quando a execução não sofrer embargos do executado ou terceiros. Isto porque, faltaria a possibilidade jurídica de o assistente coadjuvar, a parte a obter sentença favorável, que é o objeto específico do instituto da assistência.19Mas, havendo embargos, instaura-se uma nova relação processual incidente, de natureza diversa da execução, pois o procedimento, que é cognitivo, então, visará a uma sentença com eventual força constitutiva diante do título executivo, podendo até neutralizá-lo definitivamente.

Assim, o terceiro interveniente poderá, perfeitamente, ter interesse em assistir qualquer das partes embargante ou embargado - "pois, aí, será proferida...

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