As pessoas com deficiência e sua inserção jurídica no Brasil: da estruturação e avanço da onda inclusiva deflagrada pela constituição de 1988 aos desafios regressivos despontados com a reforma trabalhista de 2017

AutorProfa. Dra. Lutiana Nabur Lorentz
CargoProfessora da Faculdade FUMEC
Páginas192-225
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AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E SUA INSERÇÃO JURÍDICA NO BRASIL:
DA ESTRUTURAÇÃO E AVANÇO DA ONDA INCLUSIVA DEFLAGRADA PELA
CONSTITUIÇÃO DE 1988 AOS DESAFIOS REGRESSIVOS DESPONTADOS COM
A REFORMA TRABALHISTA DE 2017
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PEOPLE WITH DISABILITIES AND THEIR LEGAL INSERTION IN BRAZIL:
FROM THE STRUCTURING AND ADVANCEMENT OF THE INCLUSIVE
WAVE DEFLAGRATED BY THE 1988 CONSTITUTION TO THE REGRESSIVE
CHALLENGES DISAPPOINTED WITH THE 2017 LABOR REFORM
Lutiana Nabur Lorentz
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ABSTRACT: This study carried out an inventory of the four waves of legal treatment for people with
disabilities (PCD’s) in the world and in Brazil. Then, it verified the main conceptual and terminological
innovations promoted by the current keys for reading the rights of people with disabilities, tha t is, the
Constitution of the Republic promulgated in 1988, the UN Convention on the Rights of People with Disabilities
(CRPD), ratified in 2008 by Brazil, and the Brazilian Law for the Inclusion of People with Disabilities (LBI),
enacted in 2015. Finally, it researched the changes introduced by Law n.º. 13.467, of 2017, verifying its
applicability (or not) on the rights of people with disabilities. At this moment, the focus of analysis was centered
on three aspects of the new legal diploma: collective labor negotiation, in its view of the prevalence of the
negotiated over the legislature; the challenges facing the quota system for people with disabilities, especially
with r espect to the new in termittent contract; finally, the expansion of the chances of hiring workers through
labor outsourcing and its effects on people with disabilities.
KEY WORDS: Disabled people rights. International Convention on the Rights of Persons with Disabilities.
Inclusion law for people with disabilities. Law n.º 13.467/2017.
RESUMO: O presente estudo procedeu ao inventário das quatro ondas de tratamento jurídico das pessoas com
deficiência (PCD’s) no mundo e no Brasil. Em seguida, verificou as principais inovações conceituais e
terminológicas promovidas pelas atuais chaves de leitura dos direitos das pessoas com deficiência, ou seja, a
Constituição da República promulgada em 1988, a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência
(CDPD), da ONU, r atificada em 2008 pelo Brasil, e a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência
(LBI), promulgada em 2015. Por fim, pesquisou as alterações introduzidas pela Lei n.º 13.467, de2017,
verificando a sua aplicabilidade (ou não) sobre os direitos das pessoas com deficiência. Neste instante, centrou o
foco de an álise em três aspectos do novo diploma legal: a negociação coletiva trabalhista, em seu viés da
prevalência do negociado sobre o legislado; os desafios antepostos ao sistema de cotas de pessoas com
deficiência, especialmente com respeito a o novo contrato intermitente; po r fim, a ampliação das hipóteses de
contratação de trabalhadores por intermédio da terceirização trabalhista e seus efeitos sobre as pessoas com
deficiência.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos das Pessoas com Deficiência. Convenção Internacional sobre Direitos das
Pessoas com Deficiência. Lei de inclusão das pessoas com deficiência. Lei n.º 13.467/2017.
1
Artigo recebido em: 18 de junho de 2019
Artigo aprovado em: 18/07/2019 e 24/04/2020.
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Professora da Faculdade FUMEC. Doutora em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Mestra em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista
em Direito de Estado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membro do Ministério Público do
Trabalho. Procuradora do Trabalho na 3ª Região.
RDRST, Brasília, Volume V, n. 3, 2019, p 192-227, Set-Dez/2019
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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Inventário das quatro ondas de tratamento jurídico da s pessoas com deficiência
(PCD’s). 3. A Constituição da República de 1988, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (CDPD), ratificada em 2008, e a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiência (Lei n.º
13.146/2015) - mudanças conceituais. 4. A Convenção da ONU s obre os Direitos das Pessoas com Deficiência
(CDPD) e a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas com Deficiências (LBI) - alterações normativas. 5. Os
impactos introduzidos pela Lei da Reforma Trabalhista de 2017 nas relações de tr abalho das pessoas com
deficiência. 6. Considerações finais. 7. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo objetiva analisar o padrão de inserção jurídica no Brasil das pessoas
com deficiência a partir da Constituição da República promulgada em cinco de outubro de
1988, com as profundas transformações que ela instigou no ambiente jurídico e institucional
brasileiro. Este padrão, identificado como correspondente à afirmação de uma onda de
inclusão dessas pessoas humanas, perseverou por várias décadas em seguida ao advento da
Constituição da República, dando origem à ratificação, pelo Brasil, de distintos documentos
normativos internacionais de notável importância, bem como à aprovação de leis e decretos
de grande influência e impacto nessa fase inclusiva então experimentada.
Para essa análise, o artigo reporta-se a tempos históricos e jurídicos anteriores, quando
a onda da inclusão sequer era conhecida nas ordens jurídicas internacionais e do País. Esse
reporte se mostra relevante até mesmo para evidenciar o grau de modernização e avanço que o
Brasil experimentou no período iniciado com a Constituição de 1988, que se estendeu até,
pelo menos, cerca de 2015, data de publicação da Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015,
conhecida como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI) ou, ainda, como
Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD).
Na análise dos períodos anteriores à onda da inclusão (que foram denominados,
respectivamente, de onda da eliminação; onda do assistencialismo; onda da integração), foram
utilizados estudos e dados sociológicos e econômicos, aptos a evidenciar, com bastante
clareza, os efeitos deletérios de todas as fases precedentes ao período inclusivo, relativamente
recente no mundo ocidental e, particularmente, no Brasil. Naturalmente que esses dados e
estudos metajurídicos também auxiliam na compreensão da importância da onda inclusiva das
pessoas com deficiência, que foi consistentemente abraçada pela Constituição da República
Feita esta abordagem mais ampla - ainda que sumarizada, é claro - das ondas
excludentes anteriores à fase inclusiva, o artigo passa a estudar o sentido das normas
constitucionais, internacionais ratificadas pelo Brasil, normas legais internas, a par mesmo de
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Decretos do Poder Executivo, todos na direção da estruturação, generalização e
aprofundamento da onda de inclusão no País.
Por fim, o artigo se encerra com o exame do surgimento, no Brasil, de uma inesperada
e tardia fase regressiva nesse campo temático, bem expressa por determinados dispositivos da
Lei da Reforma Trabalhista (Lei n.º 13.467), promulgada em 13 de julho de 2017, e vigorante
no País a contar de 11 de novembro do mesmo ano. O artigo identifica nesse diploma legal
preceitos claramente em sentido antitético ao caminho inclusivo determinado pela
Constituição de 1988, procurando analisá-los e neles demonstrar o conteúdo jurídico, social e
econômico claramente regressivo.
Nesse contexto, o estudo indica ainda que a tendência regressiva não iria se esgotar
apenas na Lei da Reforma Trabalhista de 2017, manifestando-se, pouco tempo depois, em
outras políticas públicas (ou propostas de políticas públicas) na mesma direção de refluxo da
onda da inclusão. O texto aponta algumas dessas medidas e desafios recém surgidos, mas não
se aprofunda em sua análise, evidentemente, dado que se concentra, quanto á regressão,
somente no estudo da Lei n.º 13.467, de 2017. O estudo dessas novas medidas, políticas
públicas e propostas regressivas, por além da Lei da Reforma Trabalhista, obviamente não
caberia nos marcos deste artigo, devendo ser objeto de novas pesquisas e textos, a serem
posteriormente elaborados dentro dessa temática.
O presente artigo valeu-se dos métodos de pesquisa bibliográficos, jurisprudenciais e
estatísticos. Assim, pesquisou fontes de dados primários sobre pessoas com deficiência
(PCD’s) na Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho
(OIT), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). A pesquisa também, como dito, retomou breve inventário histórico e
jurídico das ondas de tratamento das pessoas com deficiência, inclusive valendo-se, entre
outras fontes, de textos já publicados pela presente autora, quer em livro específico dedicado
ao assunto, quer em revistas especializadas. Na sequência, como visto, o artigo passa a fazer
uma análise da Constituição de 1988, neste campo temático, a par de outros diplomas
(CDPD), da ONU, de 2006 - ratificada pelo Brasil, logo depois - e a Lei Brasileira de Inclusão
das Pessoas com Deficiência (LBI) - Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015. Tratou também,
como adiantado, das principais mudanças conceituais deflagradas pela onda da inclusão
Por fim, o texto especifica os pontos mais relevantes de dissociação da Lei da Reforma
Trabalhista ( Lein.º 13.467, de 2017) em face do paradigma de inclusão abraçado, desde

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