As pessoas jurídicas no direito brasileiro

AutorChristiano Cassettari
Páginas21-125
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AS PESSOAS JURÍDICAS NO DIREITO BRASILEIRO
5.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo destina-se a dar uma noção de quais são e de como se formam as
diversas pessoas jurídicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Essa noção é fundamental porque, a partir dela, poder-se-á especif‌icar a caracteriza-
ção das diversas espécies de pessoas jurídicas de direito privado e, dentre essas, distinguir
as que são constituídas por meio da competente inscrição de seus atos constitutivos no
Registro Civil de Pessoas Jurídicas (RCPJ). Esse tema constitui um domínio de ordem
prática no trabalho diuturno desses órgãos registrais em todo o país.
Logo, é importante salientar que no Brasil não há um “registro geral” de pessoas
jurídicas de direito privado. No nosso país, o registro é fragmentário, havendo vários
órgãos registrais passíveis de provê-lo. Entretanto, de acordo com a lei, não há mais de
um órgão registral com atribuições para registrar os atos constitutivos de uma mesma
espécie de pessoa jurídica. Cada órgão possui atribuições exclusivas para as espécies
registrais a que pode conferir personalidade jurídica por meio do registro.
As pessoas jurídicas são, regra geral, passíveis de constituição por força de lei (o que
dá origem às pessoas jurídicas de direito público), em razão de tratados ou convenções
internacionais (o que dá origem a pessoas jurídicas de direito internacional) ou por força
do registro perante o órgão competente (o que dá origem às pessoas jurídicas de direito
privado), pois, de acordo com a apropriada expressão utilizada por Maria Bernadete
Miranda,1 seguindo na esteira do pensamento de Hans Kelsen, “a pessoa jurídica somente
tem existência quando o Direito lhe imprime o sopro vital”.
5.2 AS PESSOAS JURÍDICAS RECONHECIDAS PELO DIREITO BRASILEIRO
Há três categorias de pessoas jurídicas reconhecidas no âmbito do direito brasileiro,
de acordo com o que dispõe o art. 40 do Código Civil (Lei n. 10.406/2002):
a) as pessoas jurídicas de direito público interno;
b) as pessoas jurídicas de direito público externo;
c) as pessoas jurídicas de direito privado.
A distinção básica entre essas pessoas jurídicas se faz pela forma como são consti-
tuídas, ou seja, pela forma com que passam a ser reconhecidas pelo Direito. As pessoas
1. MIRANDA, Maria Bernadete. Pessoa jurídica de direito privado como sujeito de direitos e obrigações. Disponível
em: .br/arquivospdf/artigos/pj.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2011.
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REGISTRO CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS • JOÃO PEDRO LAMANA PAIVA E PÉRCIO BRASIL ALVARES
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jurídicas de direito público interno devem ser instituídas por meio de lei, ou seja, a lei
é seu elemento essencial e traço distintivo de constituição como entes jurídicos. Claro
que o termo “lei”, aqui, é usado em sentido amplo, abrangendo, também, a Constituição,
enquanto lei fundamental e norma suprema do ordenamento jurídico nacional.
Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios estão nessa
categoria de pessoas jurídicas de direito público interno a que a Constituição confere
personalidade jurídica. Possibilitam a estruturação da organização político-adminis-
trativa da República Federativa do Brasil, a partir do momento em que, por força de
sua autodeterminação e soberania, a Nação brasileira, por seus representantes eleitos,
reunidos em assembleia nacional constituinte, proclamou a forma pela qual se iria
estruturar politicamente o Estado brasileiro, nos termos do art. 18 da Constituição:
A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.
Aliás, nesse particular, surge uma questão interessante, relativamente ao disposto
no inciso IV do art. 41 do Código Civil. Nesse dispositivo, a lei inclui, na categoria das
pessoas jurídicas de direito público (ao lado dos Estados e do Distrito Federal), também
os Territórios, diferentemente do que dispunha o art. 14 do revogado Código Civil de
1916, que os não incluía. Então, cabe a pergunta: os Territórios, ainda que inexistentes
na atual organização político-administrativa brasileira, são pessoas jurídicas de direito
público interno?
Os Territórios Federais, apesar de não constituírem Unidades da Federação (porque
não dotados de autonomia político-administrativa), são pessoas jurídicas de direito
público interno, constituindo apenas uma descentralização administrativa e territorial
da União, nos termos do que estabelece o § 2º do já referido art. 18 da Constituição. O
Território, na prática, tem sido a forma embrionária de formação de novos Estados em
nossa organização federativa.
Além dos entes políticos listados no art. 41 do Código Civil (União, Estados, Distrito
Federal e Municípios), para complementar a estruturação político-administrativa básica
do Estado brasileiro, podem, ainda, esses entes políticos que integram a Federação criar,
por lei, outras pessoas jurídicas de direito público interno, de acordo com as peculiari-
dades organizacionais do sistema de Administração Pública que cada uma das esferas
independentes de governo (federal, estadual e municipal) resolve adotar, de acordo
com a autonomia política e administrativa que lhes foi outorgada pela Constituição.
Surgem assim, também, nessa categoria das pessoas jurídicas de direito público, ou-
tras organizações de caráter público, dotadas de personalidade jurídica, instituídas por
lei, tais sejam: as autarquias, as associações públicas ou consórcios públicos (quando
constituídos na forma do inciso I do art. 6º da Lei n. 11.107, de 6-4-2005) e as fundações
puramente de direito público.
As empresas públicas e sociedades de economia mista, apesar de seu caráter publicístico
como integrantes da Administração Indireta, nos termos do Decreto-lei n. 200/1967, têm
personalidade jurídica de direito privado (Constituição, art. 173, § 1º, II). Necessitam
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autorização legal específ‌ica para serem instituídas, dispondo a lei sobre seu estatuto
jurídico, que, entretanto, necessita de registro para sua regular constituição como pes-
soas jurídicas. As primeiras são dotadas de patrimônio próprio e capital exclusivamente
pertencente ao Poder Público, empreendendo atividade econômica a que o Governo seja
levado a desenvolver por força de contingência ou de conveniência administrativa,
podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito (inciso II do art. 5º do
Decreto-lei n. 200/1967 com redação dada pelo Decreto-lei n. 900/1969). As segundas,
também criadas para desenvolvimento de atividade econômica de mercado em setores
de interesse público, são constituídas sob a forma de sociedades anônimas, cujo capital
votante pertence majoritariamente ao Poder Público.2
Recentemente foi editada a Lei nº 13.303, de 30.6.2016, dispondo sobre o estatuto
jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias,
no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de que trata o
§ 1º do art. 173 da Constituição. Prevê o seu art. 3º que a empresa pública é a entidade
dotada de personalidade jurídica de direito privado, com criação autorizada por lei e
com patrimônio próprio, cujo capital social é integralmente detido pela União, pelos
Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios. Em seu art. 4º, estabelece que a
sociedade de economia mista é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito
privado, com criação autorizada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações
com direito a voto pertençam em sua maioria à União, aos Estados, ao Distrito Federal,
aos Municípios ou a entidade da administração indireta. Prevê, também, que a criação
de subsidiárias, tanto de empresas públicas como de sociedades de economia mista,
depende igualmente de autorização legislativa.
Estabelece, ainda, o parágrafo único do art. 41 do Código Civil que, não havendo
disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público a que tivesse sido dada
estrutura de direito privado (na vigência do Código anterior) seriam regidas, no que
coubesse, quanto a seu funcionamento, pelas normas estabelecidas no Código Civil (Lei
n. 10.406/2002). O referido dispositivo gerava dif‌iculdade interpretativa no sentido de
saber-se a que situações precisamente seria passível de aplicação, até que, por ocasião
da III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal (CEJ-CJF),3 foi editado o Enunciado n. 141, dispondo que essa remissão do pa-
rágrafo único do art. 41 do Código Civil, relativa às “pessoas jurídicas de direito público,
a que se tenha dado estrutura de direito privado”, diz respeito às fundações públicas e
aos entes de f‌iscalização do exercício prof‌issional.
Dessa forma e atendendo a uma tradição do direito administrativo brasileiro, po-
de-se dizer que existem duas formas de fundações públicas (destinadas a desenvolver
atividades cujas f‌inalidades são de interesse público), as quais podem ser instituídas
como fundações de direito público e como fundações de direito privado. As primeiras
são totalmente criadas e reguladas por meio de lei, independendo de registro (sendo
2. RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 262.
3. O Centro de Estudos Judiciários (CEJ) é órgão instituído nos termos da Lei n. 11.798, de 29 de outubro de 2008,
que dispôs sobre a composição e a competência do Conselho da Justiça Federal.
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