As políticas de austeridade são inimigas da democracia

AutorAntónio José Avelãs Nunes
Páginas211-232
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XIV
AS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE SÃO
INIMIGAS DA DEMOCRACIA
14.1. Perante a evidência do desastre das políticas de austeridade
impostas à Grécia e a Portugal e aplicadas também em outros países
europeus, custa a perceber a insistência nessas políticas com o argumen-
to de que não há alternativa.
Desde logo, as políticas que matam a economia impedirão esses
países de pagar as suas dívidas (ainda que afetem ao pagamento delas uma
parte significativa do PIB) e forçarão o aumento do défice das contas
públicas, que provocará o aumento do montante da dívida.
O seu objetivo não pode ser este. E parece que só pode ser o de
destruir os países mais fracos como Portugal, eliminando por completo
as bases da sua soberania, empobrecendo e humilhando os seus povos,
condenando-os a um estatuto colonial, com o regresso do analfabetismo,
das doenças endémicas (tuberculose, etc.) e das elevadas taxas de mor-
talidade infantil herdadas do ‘paraíso salazarista’ (Portugal já ganhou o
galardão de ter quase um terço das suas crianças a viver em condições
de pobreza, situando-se acima da média da UE).
É óbvio, porém, que a destruição de um país não é um objetivo
legítimo e confessável. Por isso é que, em Portugal como em outros
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ANTÓNIO JOSÉ AVELÃS NUNES
países da Europa, a violência deste tratamento de choque vem-se fazendo
em claro desrespeito da Constituição da República. Passam também por
aqui, é bom de ver, as ameaças à democracia tão dramaticamente visíveis
nos tempos que correm.
14.2. Há uns anos atrás, a então Presidente do partido que hoje é
responsável pelo governo de Portugal admitiu que a ‘solução’ para re-
solver os problemas do país poderia estar na suspensão da democracia du-
rante seis meses. Na altura, este ‘projeto’ envergonhado foi considerado
um deslize lamentável. Mas a troika e os seus servidores em Portugal
perderam a vergonha e estão a cumprir tal projeto, atuando como se a
democracia tivesse sido suspensa por tempo indeterminado, talvez por
decisão dos ‘mercados’.
A gravidade desta suspensão da democracia é tanto mais preocupan-
te quanto é certo que ela vai tendo certa cobertura do Tribunal Cons-
titucional (TC) e a concordância (ou o estímulo?) de consagrados espe-
cialistas de Direito Constitucional.177
J. J. Gomes Canotilho defendeu que “certas formalidades consti-
tucionais” ou mesmo “algumas garantias” podem ser ultrapassadas ou
eliminadas quando estiver em causa “a saúde pública [a ‘saúde’ do país,
creio eu], a necessidade pública, a felicidade pública”. Perante a neces-
sidade de “tomar decisões” nestas matérias, “não podemos olhar a gran-
des rigores normativos e a rigores constitucionais”, porque “a felicidade
pública é a lei superior”.178
Também Jorge Miranda aceita que, perante uma situação de
‘emergência’ [não diz o que é, nem quem a declara...], alguns direitos
177 Podem ver-se, a este respeito, os seguintes acórdãos: Acórdão 3/2010, de 6.1.2010
(em http://www.dgaep.gov.pt/upload/Legis/2010_acordao_3_02_02:pdf); Acórdão
251/2011, de 17.5.2011 (em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/
acordaos/20110251.html); Acórdão 396/2011, de 21.9.2011 (em http://www.
tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110396.html); Acórdão 613/2011, de
13.12.2011 (em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110613.html).
178 Transcrevo excertos de uma entrevista de J. J. Gomes Canotilho à Antena 1 (19 de
outubro de 2011): http://rtp.pt/antena1/index.php?t=EntrevistaaGomesCanotilho.
rtp&article=4171&visual=11&tm=16&headline=13

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