As principais normas infraconstitucionais que regem o setor de seguros e planos de saúde no Brasil e em direito comparado (Portugal)

AutorOscar Ivan Prux
Páginas59-109
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Capítulo 4
AS PRINCIPAIS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS
QUE REGEM O SETOR DE SEGUROS E PLANOS DE
SAÚDE NO BRASIL (E EM DIREITO COMPARADO:
PORTUGAL)
Na análise das normas infraconstitucionais que regem os seguros
e planos de saúde, com vistas a acrescentar aspectos da Política Nacional
das Relações de Consumo e sua relação com a iniciativa privada,
optamos pelo recurso de utilizar direito comparado, neste caso, citando
Portugal que pertence a União Europeia e adota modelo diferente do
brasileiro. Por essa fórmula se busca expor para análise de quem estuda a
matéria, as diferentes visões que acabam por trazer consequências nas
práticas cotidianas desse tipo de contrato.
Muito embora o setor seja o mesmo e exista a globalização da
economia, o sistema brasileiro mostra em seus aspectos jurídicos,
econômicos, e inclusive da efetiva prática no mercado, ter menos em
comum do que seria de se supor, considerada a realidade de outros
países. Em Portugal, por exemplo, tendo em vista que a saúde pública
funciona melhor do que no Brasil, o seguro de saúde é um dentre tantos
outros, sem todo um aparato legislativo específico (lei de planos de
saúde, centenas de normas da agência reguladora, etc.).
Assim, examinar aspectos encontrados em direito comparado
contrapondo-os aos encontrados no cenário brasileiro contribui para
reflexão tão necessária na análise dessa problemática cujas causas
transparecem quando da distinção. Em síntese: vê-se uma “radiografia”
de como cada país trata esse tipo de contrato e o panorama formado nas
práticas de mercado, tanto no que é positivo, quanto ao que representa
problema a demandar medidas re-estruturantes.
Principia-se observando em Portugal, a coincidência do propósito
de proteger ao consumidor, tal como no Brasil, porém as fórmulas e
resultados acabam sendo diferentes pela forma como a legislação é
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aplicada. Diz à introdução que representa a exposição de motivos do
Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril (Lei de Seguros de Portugal):
II Nesta reforma foi dada particular atenção à tutela
do tomador do seguro e do segurado - como parte
contratual mais débil -, sem descurar a necessária
ponderação das empresas de seguros. No âmbito da
protecção da parte débil na relação de seguro,
importa realçar dois aspectos. Em primeiro lugar,
muito frequentemente, a maior protecção conferida
ao segurado pode implicar aumento do prêmio de
seguro. Por outro lado, a actividade seguradora cada
vez menos se encontra circunscrita às fronteiras do
Estado Português, sendo facilmente ajustado um
contrato de seguro por um tomador do seguro
português em qualquer Estado da União Europeia,
sem necessidade de se deslocar para a celebração do
contrato. Ora, a indústria de seguros portuguesa não
pode ficar em situação jurídica diversa daquela a que
se sujeita a indústria seguradora de outros Estados da
União Europeia. De facto, o seguro e o resseguro que
lhe está associado têm características internacionais,
havendo regras comuns no plano internacional, tanto
quanto aos contratos de seguro como às práticas dos
seguradores, que não podem ser descuradas. Em
suma, em especial nos seguros de riscos de massa,
importa alterar o paradigma liberal da legislação
oitocentista, passando a reconhecer explicitamente a
necessidade de protecção da parte contratual mais
débil. Não obstante se assentar na tutela da parte
contratual mais débil, como resulta do que se indicou,
cabe atender ao papel da indústria de seguros em
Portugal. Pretende-se, por isso, evitar ónus
desproporcionados e não competitivos para os
seguradores, ponderando as soluções à luz do direito
comparado próximo, mormente de países
comunitários.52
52 BRASIL. Ministério das Finanças e d a Administração Pública. Decreto-Lei no.
72/2008 de 16 de abril. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B-
yqEKC9XzdgODZkOWFhMzEtZTg1MS00Mzg3LTlmYjktZDg0YWU1YWU5OWVi/v
iew?hl=pt_PT. Acesso em: 18 maio de 2017d.
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Esse posicionamento aponta para o objetivo primordial de
propiciar equilíbrio entre os interesses de todos os agentes econômicos
envolvidos, sem deixar de explicitar a especial necessidade de proteção
para a parte mais fraca na contratação (no caso, os consumidores). Muito
embora a mesma preocupação também seja veiculada com frequência no
direito brasileiro, entretanto, quando se examina e compara a realidade
dos planos (seguros) de saúde nos dois países, se nota claramente que a
noção de “equilíbrio contratual” e “proteção da parte vulnerável na
contratação” (parte mais fraca, no caso, os consumidores) recebe
tratamento muito diferenciado. Começa pelo fato de Portugal dar
primazia à autonomia privada, algo que o direito brasileiro não adota para
esses casos e a legislação praticamente “dita” para a iniciativa privada o
conteúdo das cláusulas dos contratos. Enquanto o Brasil tem uma
legislação numerosa e minudente para reger esse segmento, Portugal
conta com poucas normas específicas para efetivar essa proteção do
consumidor vulnerável e as seguradoras têm maior liberdade para
estabelecer as cláusulas dos contratos. E mais, há que se atentar que, além
da natural preservação do interesse público nacional em cada um dos
países, no caso de Portugal existe toda a conjuntura relacionada ao fato
de pertencer à União Europeia e haver necessidade de uma harmonização
da legislação para esse continente, o que direciona para um menor
intervencionismo estatal.
Doutrinadores como António Menezes Cordeiro53 mostram não
manifestar discrepância quanto a essa constatação, como se pode ver pela
seguinte explanação:
I. O contrato de seguro assenta na autonomia privada
ou, segundo a linguagem do artigo 11.º, na liberdade
contratual. As regras inseridas na LCS ou, em geral,
nos demais diplomas de seguros, têm um alcance
supletivo: funcionam, apenas, na medida em que não
sejam afastadas por cláusulas em contrário. A
sujeição do contrato de seguro à autonomia privada
53 CORDEIRO, António Meneses. “Direito dos seguros” . Coimbra: Almedina, 2013. p.
458-459.

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