As profissões jurídicas no século XXI: globalização, a reforma da educação jurídica, desigualdade e império

AutorBryant G. Garth
Páginas17-37
AS PROFISSõES JuRíDICAS1 NO SéCulO XXI:
GlObAlIzAÇÃO, A REFORMA DA EDuCAÇÃO JuRíDICA,
DESIGuAlDADE E IMPéRIO2
Bryant G. Garth3
Ninguém pode prever o lugar das prossões jurídicas, global ou nacionalmente,
com algum nível de certeza. As tendências dos últimos dez a vinte anos talvez
mudem, à medida que o século passar, mas o que mais impressiona, até agora,
é o quanto a prossão globalizou-se, algo que está redenindo-a em vários
países. Bacharéis em direito de todo o mundo atualmente frequentam faculda-
des fora de seus países (por exemplo, Silver 2011); trabalham em escritórios de
advocacia internacionais; colaboram com ONGs de direitos humanos; atuam
como demandantes e advogados de defesa em uma crescente gama de tri-
bunais criminais internacionais; e, cada vez mais, trabalham como professores
fora de seus próprios países. O Direito, que era considerado essencialmente um
campo nacional, não pode mais ser ensinado sem atenção a uma crescente va-
riedade de doutrinas transnacionais. Mecanismos como o SSRN (Social Science
Research Network), uma das muitas bases de dados existentes, facilitam o diá-
logo contínuo entre estudiosos, do direito ou não, de diferentes nações e disci-
plinas. O mercado global de pessoas, ideias e soluções para problemas sociais
está prosperando. E no centro desse mercado estão os Estados Unidos e, em
menor escala, a Europa. O sucesso no mercado global, grosso modo, depende
1 Nota da revisora: O título original em inglês é “The law profession in the 21st Century: Glo-
balization, the Reform of Legal Education, Inequality and Empire”. Optamos por traduzir
por prossão jurídica, porque o termo “lawyer” não é associado somente com a função dos
advogados, mas com todas as prossões cuja formação é jurídica.
2 Tradução de Tatiana Mesquita e revisão técnica de Izabel Saenger Nuñez.
3 Professor na University California-Irvine School of Law, onde leciona desde 2012. Foi Di-
retor da Southwestern Law School de 2005 até 2012, Diretor da Indiana University-Bloo-
mington School of Law (1986-90) e Diretor da American Bar Foundation (1990-2004). Sua
pesquisa acadêmica foca na prossão jurídica, na Sociologia do Direito e na globalização.
Dois de seus livros em coautoria com Yves Dezalay, Dealing in Virtue (1996) e Asian Legal
Revivals (2010) foram recipientes do Herbert Jacobs Award pela Law and Society Associa-
tion como os melhores livros no campo de Law and Society publicados naquele ano. Um
terceiro, The Internationalization of Palace Wars (2002), foi traduzido e publicado também
em francês, coreano e espanhol. Também foi coeditor do Journal of Legal Education entre
2011-14. Atualmente está no Comitê de Coordenação Executiva do projeto “After the J.D.”,
o primeiro estudo longitudinal da prossão jurídica e coordena o Comitê Consultivo do Law
School Survey of Student Engagement (LSSSE).
18 CADERNOS FGV DIREITO RIO
do ganho de reconhecimento e credibilidade das instituições centrais para os
Estados Unidos.4
Consistente com essa narrativa parece que o modelo americano de prática
e educação jurídica, mesmo que localmente desaado diante da queda de ins-
crições nas faculdades de direito (Garth 2013) e das preocupações sobre o fu-
turo da “Big Law5”, que, cada vez mais, prosperam no exterior, particularmente
nas regiões em que Yves Dezalay e eu estudamos no passado, exerce inuência
bastante evidente e signicativa. Mais claramente, a globalização, durante os
últimos 30 anos, signicou a proliferação de escritórios de direito empresarial
inspirados nos escritórios jurídicos de Wall Street (e, mais tarde, dos escritórios
britânicos de direito consultivo) (por exemplo, Flood 2013; Hall 2013). David
Wilkins e Mihaela Papa, por exemplo, sugerem a ascensão de uma nova eli-
te de advogados corporativos nos chamados países BRICS (2013), potencial-
mente impactando tanto as regulamentações nacionais quanto globais. Uma
série de artigos de autoria de Gregory Shaffer e colaboradores documenta o
impacto nas prossões jurídicas brasileiras e indianas, por meio de esforços
para construir uma capacidade de operar efetivamente, dentro da Organização
Mundial do Comércio (Shaffer, Ratton Sanchez, e Rosenberg 2008; Shaffer,
Nedumpara, e Sinha 2014). Scott Cummings e Louise Trubek (2009) também
apontam para a globalização do interesse público, no estilo americano, o que
gerou advogados proeminentes no mundo das ONGs, que buscam regular a
conduta das corporações multinacionais que são, por sua vez, atendidas pelos
escritórios de direito corporativo. Há também um crescente quadro de advo-
gados especializados em atuar em tribunais penais internacionais acionando
violadores dos direitos humanos.
Além disso, o foco desse ensaio é o movimento relacionado com este qua-
dro que se dá dentro da educação jurídica em todo o mundo, no sentido de
reformá-la, de modo a produzir advogados mais preparados para operar nes-
ses crescentes e emergentes cenários práticos, que se conectam com o estilo
americano de prática de ensino. Esse movimento, em países como Brasil, Índia
e Coreia do Sul, levou analistas a perceberem um sucesso tardio do movimento
“direito e desenvolvimento”, das décadas de 1960 e 70, considerado por muito
tempo falho diante da inabilidade de “modernizar” a educação jurídica (Trubek
2011; Steiner 2012). Elementos do programa “direito e desenvolvimento” — pro-
fessores em tempo integral, ensino mais engajado, maior busca de produção de
4 Claro que isso não signica dizer que tudo nos Estados Unidos se transforma em modelo
fora do país ou que, mesmo se importado, opera da mesma forma que nos Estados Unidos
(por exemplo, Goldback, Brake, e Katzenstein 2013).
5 Nota da revisora: Big Law refere-se, nos Estados Unidos, aos grandes escritórios de advo-
cacia, também conhecidos como “megarms”, que contam com mais de 1.000 advogados
em seus quadros, além de estarem presentes em diferentes continentes no globo.

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