As raízes intelectuais da ideologia de gênero

AutorRodrigo R. Pedroso
Páginas217-264
217
AS RAÍZES INTELECTUAIS DA IDEOLOGIA DE
GÊNERO
Rodrigo R. Pedroso
Advogado graduado pela FD/USP. Mestre em filosofia pela FFL-
CH/USP. Procurador da Universidade de São Paulo. Membro da
UJUCASP (União dos Juristas Católicos de São Paulo) e do Cen-
tro de Estudos de Direito Natural “José Pedro Galvão de Sousa”.
Sumário: 1. Introdução: a família no direito natural – 2. O concei-
to de ideologia – 3. Ideologia de gênero e socialismo – 4. A epis-
temologia marxista e a família – 5. A origem da família segundo
o marxismo – 6. O encontro entre marxismo e feminismo – 7. A
segunda contribuição: os sociólogos do Conselho Populacional –
8. A terceira contribuição: o marxismo ocidental – 9. Quarta con-
tribuição: a palavra “gênero” – 10. Judith Butler e a formulação
da ideologia de gênero – 11. Conclusão.
1. Introdução: a família no direito natural
A família não é algo que o homem fabricou e de que pode-
ria prescindir. A família não foi instituída pelo decreto de ne-
nhuma autoridade humana, nem por deliberação de assem-
bleia alguma. Não surgiu pela vontade da maioria, nem como
resultado de nenhum lobby político. Não foi produzida em
Ideologia de Gênero.indb 217 25/10/2016 19:32:17
218
UJUCASP
laboratório, nem projetada no gabinete de uma universidade.
Só podemos dizer que a família é uma invenção, se respei-
tarmos o sentido primitivo do verbo latino invenire, invenio:
descobrir – de fato, o homem descobriu a família, não a criou.
Nunca se conheceu sociedade ou cultura em que não houves-
se a família e a universalidade do tabu do incesto, reconheci-
da mesmo por antropólogos ateus como Claude
LÉVI-STRAUSS
1
(1908-2009), é prova irrefragável desse fato.
A vigente Constituição da República Federativa do Bra-
sil, promulgada aos 5 de outubro de 1988, no caput de seu art.
226, proclama que a família é a “base da sociedade”, com di-
reito a “especial proteção do Estado”. É este um dos pontos
mais felizes de nossa Constituição, que a torna superior, sob
este particular aspecto, à celebrada Constituição dos Estados
Unidos, a qual silencia totalmente sobre a instituição da fa-
mília. Lamentavelmente, não soube o constituinte brasileiro
guardar coerência, não apenas por manter a dissolubilidade
do vínculo matrimonial (art. 226, §6º) e por reconhecer efeitos
jurídicos ao concubinato (art. 226, §3º), mas também por não
admitir influxo algum daquela instituição, que reconhece ser
a “base da sociedade”, na representação e organização políti-
ca, modelada segundo uma estruturação típica da democracia
moderna, liberal e individualista.
Entretanto, a incoerência não diminui o acerto da Cons-
tituição brasileira em reconhecer que a família é a “base da
sociedade”. E “reconhecer” é o termo correto de se empre-
gar, porque a família é base da sociedade em virtude da na-
tureza das coisas e não por decisão do poder constituinte que,
contrariamente à ideologia de Sieyès (1748-1836) e Hans Kel-
sen (1881-1973), não é incondicionado, mas está obrigado,
por força da lei natural, a reconhecer e consolidar os direitos
pré-existentes.2
1. Cf. Les Structures élémentaires de la parenté, Paris-La Haye, Mouton, 1967, pp.
10-3
2. Cf. pe. Luigi Taparelli
D’AZEGLIO S.J.
Corso elementare di natural Diritto, trad.
Ideologia de Gênero.indb 218 25/10/2016 19:32:17
219
IDEOLOGIA DE GÊNERO
A família é a base da vida social porque é a sociedade
mais simples e necessariamente a primeira que pode surgir.
Efetivamente, a vida social não é apenas uma opção para o
homem, o resultado de uma convenção como sonharam os ilu-
ministas do século XVIII, com o mito do contrato social. Pelo
contrário, a vida social é para o homem uma necessidade, im-
posta pela natureza das coisas, que fez os seres humanos de-
pendentes uns dos outros.
Mostra-nos Aristóteles, no primeiro livro de sua Política,
que as relações sociais mais fundamentais são as que existem
entre o varão e a mulher e entre os pais e os filhos. Tais rela-
ções são determinadas pela natureza e constituem a família
ou sociedade doméstica.
É inegável que sem a relação entre o varão e a mulher não
há a perpetuação da espécie, a transmissão da vida humana.
Entretanto, a necessidade que une os sexos não se resume a
isso. Uma concepção correta da sociedade deve partir de uma
concepção correta do homem, na medida em que a socieda-
de é uma realidade humana. Ora, a razão natural demonstra,
conforme os trabalhos de Aristóteles e S. Tomás de Aquino,
que o homem é uma unidade substancial de um corpo ma-
terial e de uma alma espiritual,3 corpore et anima unus. Por
isso, não basta aos pais gerar o corpo de seus filhos, há ainda a
necessidade de formar-lhes a alma, educá-los. Todavia, como
a educação do homem leva um tempo longo, é também neces-
sário que a união entre o varão e a mulher se mantenha por
vínculo estável.4
O pensamento moderno cavou um fosso abissal entre as
realidades da natureza e da cultura. Isso exatamente porque
desconheceu a concepção de que o homem é corpore et anima
port. de N. Rossetti S.J., Curso de Direito Natural. São Paulo: Anchieta, 1945, p. 353.
3. Por motivos óbvios, não temos oportunidade de transcrever a mencionada de-
monstração neste trabalho. De qualquer maneira, aos interessados se apresenta
uma excelente ocasião para estudar metodicamente a filosofia aristotélico-tomista.
4. Cf.
S. TOMÁS DE AQUINO
, Summa contra gentiles, l. III, cc. 122-4.
Ideologia de Gênero.indb 219 25/10/2016 19:32:17

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT