As (re)existências da vila itaú: memórias urbanas periféricas

AutorMárlom Geraldo Parreiras Mota, Viviane Zerlotini da Silva
CargoEgresso de Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais/Engenheira Arquiteta, mestre em Engenharia de Produção, doutora em Arquitetura e pós-doutora em Engenharia de Produção, professora adjunta na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas305-333
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, v. 48, n. 259, p. 305-333, maio/ago. 2023 | ISSN 2447-861X
AS (RE)EXISTÊNCIAS DA VILA ITAÚ: MEMÓRIAS URBANAS
PERIFÉRICAS
The production of new space and the erasure of urban memories: case study of Vila
Itaú
Márlom Geraldo Parreiras Mota
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG),
Belo Horizonte, MG, Brasil
Viviane Zerlotini da Silva
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG),
Belo Horizonte, MG, Brasil
Informações do artigo
Recebido em 07/10/2023
Aceito em 28/10/2023
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2023.n259.p305-333
Copyright (c) 2023 Márlom G. P. Mota, Viviane Z. da Silva
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MOTA, Márlom Geraldo P.; SILVA, Viviane Zerlotini da.
As (re)existências da Vila Itaú: memórias urbanas
periféricas. Cadernos do CEAS: Revista Crítica de
Humanidades. Salvador/Recife, v. 48, n. 259, p. 305-333,
maio/ago. 2023. DOI: https://doi.org/10.25247/2447-
861X.2023.n259.p305-333
Resumo
Este artigo explora o apagamento dos espaços e das memórias urbanas
de habitações localizadas e m periferias ao relacionar o tema com o
estudo de caso sob re a Vila Itaú. Em 2024, este território foi totalmente
removido, a partir de um longo processo de desa propriação, p ara dar
lugar a uma série de bacias de detenção com a intenção de resolver os
problemas de inundação do s cursos d’água da b acia hidrográfica do
Ribeirão Arrudas. As justificativas dadas para a remoção da vila, no
entanto, apresentam contradições e não levam em conta os modos de
vida dos moradores, autoprodutores do espaço, que viviam no lugar. A
produção de espaço novo reproduz o modo historicamente excludente de
produção do espaço urbano no Brasil. Investiga-se os di spositivos de
violência que pro movem o apagamento das memórias, a partir do s
interesses mercantis de agentes capitalistas produtores do espaço, e as
formas de res istência que os moradores praticam no cotidiano. Essas
últimas abrangem a autoprodução do espaço, a memória dos moradores,
o compartilhamento de fotos antigas da Vila Itaú disponibilizadas no
grupo de WhatsApp dos moradores, o registro de vídeo sobre os
escombros da vila realizado por uma antiga moradora, a retomada da
tradição c atólica da Folia dos Reis e o acervo doc umental existente e
mantido por um dos moradores (processos, notícias, fotografias, rel atos,
etc).
Palavras-chave: Memórias urbanas. Habitação. Per iferia. Produção
social do espaço. Cotidiano.
Abstract
This scientific paper explores the erasure of spaces and urban memories
of housing located in the outskirts of cities by relating the theme to the
case study of Vila Itaú. In 2024, this territory was completely remove d,
result of a long process of expropriation, to make way for a series of
detention basins with the purpose of solving the problems of flooding of
the water streams in the Arrudas’s river basin. However, the justifications
given for the expropriation bring up contradictions and do not take into
account the mode of living of the dwellers who lived in the villa and self
produced their spaces. The production of new space propagates the
historical exclusionary mode that urban space is produced in Brazil. This
paper also investigates the violence devices that promote the erasure of
the memories as from the mercantile interests of capitalists agents
producers of space and the forms of daily resistances practiced by the
dwellers. These resistances include the self production of sp ace, the
memories of the dwellers, the sharing of old pictures of Vila Itaú through
an Whatsapp group, the register in video about the r ubble of the space
made by an former resident, the resumption of Folia de Reis (catholic
popular festival and tradition) and the document col lection kept by one
of the residents (judicial process, news, pictures, stories, etc).
Keywords: Urban memories. Housing. Outskirts. Social production of
space. Quotidian.
Este artigo se origina de um relatório de pesquisa intitulado "As dinâmicas urbanas e seus impactos sobre a memória da
produção habitacional: estudo de caso da Vila Itaú". Ele é fruto da articulação entre ensino, extensão e pesquisa. O projeto
de pesquisa foi elaborado pelo alun o inspirado na prática extensionista na disciplina Teoria da Produção Habitacional,
ofertada no curso de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Unive rsidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), quando a
turma é convidada a realizar um estudo de caso sobre uma tipologia habitacional. Agradecemos à Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e à Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da PUC Minas (PROPPg) pelo
financiamento da bolsa de iniciação científica, à Pró-reitoria de Extensão (PROEX) pelo financiamento da bolsa de extensão
e ao Projeto de Extensão Programa de Formação em Saberes Ambientais (PROSA) do grupo Produção do Espaço Urbano
nos brasis (PEU nos brasis) pela contribuição no trabalho de campo.
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As (re)existências da Vila Itaú: memórias urbanas periféricas | Márlom Geraldo Parreiras Mota; Viviane Zerlotini da Silva
A MEMÓRIA DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO DA VILA ITAÚ
No Brasil, desde a sua invenção, trava-se uma histórica luta pelo acesso à habitação1,
que inclui o acesso à terra, à urbanidade e à natureza, causada pelo modo excludente da
produção social do espaço. No contemporâneo, e a partir dos processos de industrialização,
agentes produtores do espaço buscam se apropriar dos diversos territórios p ara satisfazer
seus interesses, determinados por uma lógica exclusivamente de mercado e perpetuam,
assim, violações de direitos. Os territórios existentes são frequentemente apagados por
processos ditos de ren ovação urbana, invisibilizando modos de produção de espaço que
diferem ou não se submetem a essa mercantilização do espaço.
A Vila Itaú, nosso estudo de caso, se encontrava, no ano de 2023, em fase final de
um processo de desapropriação para dar lugar ao Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)
do Arrud as, que visa a resolução das inundações provocadas pelos cursos d’água da ba cia
hidrográfica do Ribeirão Arrudas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essa bacia se
insere na bacia do Rio das Velhas, que, por sua vez, compõe a bacia hidrográfica do Rio São
Francisco. Mesmo com a remoção total do espaço da vila, não foram rea lizadas ações pelo
poder público e/ou privado para o registro das memórias dos moradores e do lugar. Este
trabalho, então, contribui também com o registro de parte dessas memórias.
Adotamos o recurso metodológico do estudo da memória, como método de
pesquisa, segundo os preceitos dos estudos políticos (Pollak, 1989) e a técnica entrevista em
narrativa2 (BAUER, 1996). No âmbito do nosso campo de atuação, Arquitetura e Urbanismo,
o enquadramento da construção da memória política se a partir do trabalho d e
autoprodução do espaço pelos moradores, segundo a ideia do conflito entre a memória
1 Neste artigo, preferimos nos referir ao termo "habitação" como direito fundamental à vida porque os anos de
assessoria técnica do grupo PEU nos brasis, realizada aos movimentos populares de luta por habitação, tem
revelado a abrangência dessa luta pelo direito à terra, à moradia, à urbanidade e à nature za.
2 Nas visitas à Vila Itaú, nos meses de janeiro a maio de 2023, dentre algumas pessoas abordadas, uma família
se dispôs a conversar com os pesquisadores e abriu espaço para o contato c om outras pessoas. Dessa conversa
inicial, realizamos cerca de três conta tos em busca de mais entrevistados, que resultaram na entrevista,
entretanto, de somente mais uma família. Nas visitas de campo, estiv eram presentes os entrevistadores (M) e
(V). E por uma questão de preservação da identidad e dos entrevistados, optou-se por denominar a todos pelas
primeiras letras: (A), (An), (Ad), (P) e (Va). As três famíl ias, que entramos em contato, apresentam em comum
o fato de recusarem as propostas iniciais de indenização oferecidas às famílias removidas. O maior prazo na
negociação da desapropriação manteve essas famílias ainda morando na vila, o que permitiu a realização dessas
entrevistas.

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