As reformas trabalhistas no mundo: a flexibilização no tempo de trabalho e na remuneração como vetor de precarização

AutorVinicius Ferreira Lins - Adalberto Oliveira da Silva
CargoDoutorando em Economia na área de Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) - Doutorando em Economia na área de Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Páginas481-513
Cadernos do CEAS, Salv ador/Recife, n. 248, p. 481-513, set./dez., 2019 | ISS N 2447-861X
AS REFORMAS TRABALHISTAS NO MUNDO: A FLEXIBILIZAÇÃO
NO TEMPO DE TRABALHO E NA REMUNERAÇÃO COMO VETOR DE
PRECARIZAÇÃO
Working reforms in the world: flexibilization in working time and remuneration as
a precarization vector
Vinícius Ferreira Lins (UFBA)
Adalberto Oliveira da Silva (UFBA)
Informações do artigo
Recebido em 31/07/2019
Aceito em 10/09/2019
doi>: https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n248.p481-513
Esta obra está licenciada com uma Licença Creative
Commons Atribuição 4.0 Internacional.
Como ser citado (modelo ABNT)
LIRA, Vinícius Ferreira Lins;
SILVA, Adalberto Oliveira da. As reformas trabalhistas
no mundo: a flexibilização no tempo de trabalho e na
remuneração como vetor de precarização. Cadernos do
CEAS: Revista Crítica de Humanidades. Salvador, n.
248, set./dez., p. 481-513, 2019. DOI:
https://doi.org/10.25247/2447-861X.2019.n248.p481-513
Resumo
O objetivo deste arti go é a di scussão sobre os impactos no
tempo de trabalho e na remuneração diante das experiências de
refor mas trabalhistas, pois entendemos que surgem evidências
de aument o da prec arização do trabalho. Constata-se um
processo de po larização, em razão da possibil idade de uma
situação de tendência de limite zero para a utilização da força de
trabalho e, consequentemente, da re muneração recebida
diante das relações de tr abalho flexíveis. Para a caracterização
deste processo, centramos a nossa atenção em dois aspectos: o
primei ro, condiz com os impactos nas rel ações de trabalho
decorre ntes dos diferentes tipos de contrato de trabalho, onde
a flexi bilização do tempo de trabalho e da remuner ação se
tornam evidente s; o segundo, refe re-se ao proc esso de
polarização em si, q ue possibilita a i nexistência de jornadas e
salários garantidos, por parte dos trabalhadores, representando
uma condição de subsunção real do trabalho ao capital. Diante
de dados empíricos de países selecionados, no período de 2000
a 2 017, apresentamos evidências de subutili zação da força de
trabalho e de p recariedade salarial, constitu indo vetores de
precarização deco rrentes do proce sso de flexibi lização dos
mercados de trabalho.
Palavras-chave: Reforma Tr abalhista. Tempo de trabalho.
Remune ração. Precarização. Polarização.
Abstract
The object ive of this article is the discussion about the impacts
on working time and remuneration in the face of labor reform
experi ences, because we be lieve that there i s evidence of
increased pre cariousness of work. There i s a polari zation
process, due to th e possibility o f a situation of zero li mit
tendenc y for the use of the workforce and, conseq uently, the
remune ration recei ved in th e face of f lexible working
relatio nships. For the characterization of this process, we focus
our atte ntion on two aspects: th e first, is consistent with the
impacts on labor relations resulting f rom dif ferent types of
employment contract, where the flexibility of working time and
remune ration become evident; The second refers to the process
of polarizati on itself, which makes it impossible f or workers to
have no hours and guaranteed wages, representing a condition
of r eal subsumption of l abor to capital. Given empirical data
from selected countries, from 2000 to 2017, we present evidence
of under utilization of the workforce and wage precariousness,
constituti ng precariousness vectors arising from the process of
flexi bilization of labor markets.
Keywords: Labor ref orm. Worki ng time. Re muneration.
Precariousness. Polarization.
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Introdução
A desregulamentação das leis trabalhistas, no sentido de flex ibilização da proteção ao
emprego, tornou-se um imperativo na etapa do capitalismo flexível. Dois argumentos norteiam esse
discurso: o primeiro, de fende a necessi dade de reformas porque as legisl ações trabalhistas estão
defasadas perante o surgimento de “novas relações de trabalho”; e o segundo, em razão do custo do
trabalho, ao caracterizá-l o como princ ipal fator para os ganhos de competi tividade no mercado
internacional
1
.
Em tese , as reformas trabalhistas consi stem de medidas ou proce dimentos jurídicos cuja
finalidade é conferir às empresas a possibilidade de ajustar a sua produção, o emprego e as condições
de trabalho diante das contingê ncias rápidas e/ou contínuas do sistema e conômico. A ssim, em
atendimento a essa demanda, as experiências de reformas trabalhistas introduzem uma profusão de
formas flex íveis
2
, que, além do contrato-padrão por tempo indeterminado, passam a oferec er uma
ampla variedade de formas fl exíveis e precárias: estágio, jovem aprendiz, c ontratação temporária,
tercei rização, home-office, trabalho intermitente, autônomo e em regime de tempo parcial.
Destacamos que e sta variedade de formas de contratações aprofunda o proc esso de
dualização dos mercados de trabalho, sendo que, no caso do trabalho intermitente, verifica-se uma
tendênci a de polarização mais contundente entre os trabalhadores. Em termos práticos, no tocante
ao tempo de trabalho e à remune ração, possibilita uma tendência a limite zero, ou seja, o tempo de
trabalho pode osci lar entre uma extensão sem li mites até uma total inatividade e, no caso da
remuneração, entre condições sem limites para o recebimento por tarefas (ou peça mínima) até casos
sem garantia de remuneração.
Essas modalidades de contratação não são comple tamente novas. No caso do c ontrato
intermitente , tem origem em meados da déc ada de 198 0, como formas j urídicas da flexibi lização
extrema do trabalho nas legislações de paíse s como a Inglaterra, com o “contrato zero hora”;
Espanha, com o “trabajo fijo discontínuo”; e Portugal, com o “trabalho alternado/trabalho a chamada.
Convém, portanto, escrutinar as características desta polarização colocada em curso e contribuir para
o entendimento deste movimento de pre carização do trabalho, sobre os ve tores do tempo de
trabalho e da remuneração, no alvorecer do século XXI
3
.
1
Salientamos que essas alterações e stão inseridas em um conte xto mais amplo, identificado c om as sucessivas
reformas trabalhistas que buscam a “flexibilização” da regulação do trabalho no que tange ao uso, à
remuneração e à demissão da força de trabalho (RIGO LETTO & PÁEZ, 2018, p.186).
2
Para maiores det alhes sobre as m etamorfoses do mundo do trabalho e as formas laborais flexíveis e precárias,
ver ANTUNES E ALVES (20 04).
3
O trabalho precarizado e stá associado não só ao tipo de c ontrato, como , também , a um conjunto de outras
variáveis que se enqu adram n a história ec onômica e social de cada país, a saber, a segurança soc ial, os direitos
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O tempo de trabalho, isto é, a extensão e a intensidade da jornada de trabalho, esteve desde
sempre no c erne da disputa capital /trabalho. Nas socied ades pré-industriais, o tempo de trabalho
estava vinculado à duração da luz sol ar, perfazendo uma jornada de 10 a 14 horas di árias, sete dias
por semana. Com o advento da eletrici dade e da Revolução Industrial, o tempo de trabalho pôde ser
modificado. A transição da sociedade agrária para a industrial trouxe consigo o aumento das horas de
trabalho. As jornadas aumentaram e há registros de práticas de até 18 horas diárias ou mesmo de
labor até o limite da ex austão humana (ENGELS, 2010). Com a organização dos trabalhadores e o
surgimento dos sindicatos, engendrou-se uma disputa pela diminuição e padronização do tempo de
trabalho. A regu lamentação da jornada padrão de 8h/dia 48h/semana, bem como feriados como
dias de não-trabalho (entre outras medidas que tornaram o trabalho mais humano), foi i nstituída
primeiro na Rússia, logo após a Revolução de 1917. A Liga das Nações, em 1919 (Convenção no.1 da
OIT), sancionou esta como a jornada padrão (embora apenas restrita a empreendimentos industriais).
Em 1938, nos Estados Unidos, implementa-se a jornada padrão de 40 horas semanas distribuídas em
5 dias da semana, pelo Fair Labour Standard Act (FLSA), seguindo a convenç ão nº 47 da OIT, de 1935
(DAL ROSSO, 2017; MESSENGER, 2018).
Assim, as jornadas de tempo integral oc uparam o lugar de jornada-padrão não por um
processo “natural” do capitalismo, mas como f ruto de muita luta e re sistência dos trabalhadores,
configurando um contra movimento qu e impunha l imites à tendênci a inerente de subsunção do
trabalho pelo capital via mecanismo de mercado (POLANYI, 2012). A hipótese que se pretende jogar
luz aqui é que a transição da sociedade industrial para a sociedade de serviços/digital promove uma
nova investida sobre os tempos de não trabalho, constitui ndo-se, assim, em um ponto de inflexão.
Isto não significa dizer que há uma reversão literal às condições do período da Revolução Industrial. O
processo é mais complexo.
A fle xibilidade no mercado de trabalho ora aparece c omo uma condição estrutural sine qua
non para assegu rar o cresc imento econômico (via diminuiç ão do desemprego e aumento da
produtividade), como advogado no icônico Jobs Study da OECD, de 1994 (DOSI et al, 2016):
Muitos padrões tradicionais na organização do trabalho e do tempo de trabalho
permanecem c onsagrados na legislação ou nos acordos colet ivos. Desta forma,
impedem a flexibilidade do me rcado de t rabalho e, indiretament e, a criação de
emprego. Arranjos menos rígidos para o horário de t rabalho diário, semanal, anual
e de tempo de vida poderiam atender aos re quisitos corporativos e às aspirações
dos t rabalhadores (...) arranjos mais flexíveis de horário de trabalho também
facilitariam uma maior participação ao longo da vida das mulheres (OECD, 1994,
p.32)
sociais, a legislação laboral, o nível salarial, a oferta do mercado de t rabalho, e ntre o utras. Para maiores
detalhes de ste debate, ver (2010).

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