As sesmarias como instrumento de colonização das terras do Brasil

AutorAlbenir Itaboraí Querubini Gonçalves
Páginas58-65

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A grande resposta de Portugal ao problema de como explorar e povoar as terras brasileiras teve início com a chegada da frota de Martim Afonso de Sousa em Pernambuco, na data de 30 de janeiro de 1531, durante o reinado de Dom João III (1521-1557), com a missão de colonizar as terras do Brasil, gozando dos títulos de Capitão-mor e Governador das terras do Brasil16. Tais títulos dotavam Martim Afonso de Souza com as atribuições de governo e administração do

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Brasil, acumulando as várias funções públicas e gozando de diversos poderes, tais como dividir o território em Capita-nias, nomear funcionários, exercer a justiça, dar terras em sesmarias, etc17. Martim Afonso era o verdadeiro longa manus do rei em solo brasileiro, responsável pela execução da tarefa de colonizar o Brasil.

Com relação às atribuições jurídicas concedidas a Martim Afonso de Souza, o ponto mais importante para os fins do presente trabalho é o fato de que foi pelo Alvará de 20 de novembro de 1530, redigido na Vila de Castro Verde (motivo pelo qual tal norma jurídica é referida pela denominação de "Alvará de Castro Verde"), que Dom João III concede a Martim Afonso de Souza a faculdade de dar terras em sesmarias. Em síntese, o Alvará regulamentava o seguinte a respeito das concessões de terras:

  1. que as terras fossem concedidas a quem as quisesse nelas morar e explorá-las, ressaltando o caráter colonizador;

  2. que as terras recebidas poderiam ser para quem as recebessem e para os descendentes, ressaltando o caráter perpétuo da concessão;

  3. que as concessões se faziam por cartas de sesmarias;

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  4. que quem recebia terras tinha o prazo de dois anos para aproveitá-las, sob pena de as terras serem concedidas a outros, com a imposição da mesma condição18.

    Desta forma, o Alvará de Castro Verde foi o instrumento jurídico que legitimou as doações de terras realizadas por Martim Afonso de Souza, podendo ser considerado como marco do início da aplicação do regime sesmarial no Brasil19.

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    Conjuntamente ao Alvará de Castro Verde, Dom João III também entregou uma carta régia em que determinava a divisão do território brasileiro em capitanias, seguindo o exemplo das experiências bem sucedidas do emprego desse sistema

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    nas Ilhas do Atlântico20. Assim, Dom João III determinou a Martim Afonso que as terras do Brasil fossem divididas em porções de cinquenta léguas de largura a contar da costa e distribuídas entre pessoas nobres e ricas, as quais possuíssem recursos financeiros para povoar as terras doadas, arcando com as despesas de transporte e estabelecimento de colonos portugueses21. As capitanias, na prática, representavam mais do que uma simples divisão territorial, pois também se constituíam em uma divisão política do território, já que eram delegados vários poderes governamentais aos donatários, tais como o poder de exercer a jurisdição cível e criminal e a liberdade de doação de terras aos interessados em cultivá-las por sesmarias22. Explicam arno e maria WEHLING que as capitanias devem ser encaradas como concessões de poder público, sem que isso caracterizasse alienação da soberania real, constituindo uma relação de soberano e súdito entre o rei e o donatário, diferindo-se das demais instituições senhorais

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    feudais europeias cujo traço característico firmava-se numa relação suserano-vassalo23, 24.

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    Foi assim que Dom João III, por intermédio de Martim Afonso de Souza, organizou a divisão político-territorial a partir das Capitanias e distribuiu terras aos interessados em explorá-las, aplicando o regime sesmarial como instrumento de ocupação e povoamento do novo território25. Desta for-

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    ma, foi pela aplicação do regime sesmarial que o Direito português deu a principal resposta ao problema jurídico de como explorar e regular o território brasileiro ao distribuir terras aqueles interessados, pois de nada adiantaria ter terras e não ter quem as explorassem.

    Porém, enganam-se aqueles que pensam que foi através da edição de uma lei específica para aplicação no Brasil ou com fins de aplicação nas novas terras conquistadas por Portugal, como aconteceria nos dias atuais. Pelo contrário, o Direito português encontrou no diálogo com a tradição a solução para tal problemática, através da adaptação das disposições da "Lei das Sesmarias", aprovada durante o reinado de D. Fernando I, no ano...

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