As touradas estão prestes a se tornar patrimônio cultural imaterial da humanidade?

AutorJean-Pierre Marguénaud
CargoProfessor de Direito Privado da Faculdade de Direito e Ciências Econômicas, Universidade de Limoges/França
Páginas64-79
64| Revista Brasileira de Direito Animal, e-ISSN: 2317-4552, Salvador, Volume 16, n. 03, p. 64-78, Set/Dez.2021.
AS TOURADAS ESTÃO PRESTES A SE TORNAR PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL
DA HUMANIDADE?
BULLFIGHTS ARE ABOUT TO BECOME AN INTANGIBLE CULTURAL HERITAGE
1
JEAN-PIERRE MARGUÉNAUD
Professor de Direito Privado da Faculdade de Direito e Ciências Econômicas
Universidade de Limoges/França
RESUMO: Este artigo analisa, a partir da legislação francesa e da União Européia, o
procedimento de inclusão das touradas francesas no inventário do patrimônio cultural
imaterial da França. Utilizando o método lógico-sistemático, o artigo demonstra que as
touradas foram incluídas no inventário nacional seguindo um procedimento que violou às
exigências da legislação européia de direitos humanos, especialmente os princípios da
transparência, igualdade de ar mas e i mparcialidade, que são garantias elementares de um
procedimento justo nos termos do artigo 6 §1 da Convenção Européia de Direitos Humanos.
No mérito, a referida inclusão estaria em desacordo com a normas de proteção dos direi tos
humanos por não contribuir com a união e tolerância entre os homens, violando os princípios
da coerência e do respeito mútuo entre as comunidades, grupos e indivíduos. O objetivo do
artigo é avaliar se estas violações podem acarretar a sua anulação pelos tribunais franceses ou
levar a França a ser condenada pela Corte Européia de Direitos Humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Corte Européia de Direitos Humanos; Convenção de Salvaguarda do
Patrimônio Cultural Imaterial; Tauromaquia; abolicionismo animal.
ABSTRACT: This article analyzes, based on French and European Union legislation, the
procedure of including French bullfights in the inventory of France's i ntangible cultural
heritage. Using the logical-systematic method , the article demonstrates that bullfights were
included in the national i nventory following a procedure that violated the requirements of
European human rights law, especially the principles of transpar ency, equality of arms, and
impartiality, which are elementary guarantees of a fair procedure according to article 6 §1 of
the European Court of Human Rights. On the merits, such inclusion would be in disagreement
with the human rights protection standards by not contributing to unity and tolerance among
men, violating the principles of coherence and mutual respect among communities, groups,
and i ndividuals. T he aim of the article is to assess whether these violations can lead to its
annulment by the French courts or lead France to be condemned by the European Court of
Human Rights.
KEY WORDS: European Court of Human Rights; Convention for the Safeguarding of the
Intangible Cultural Heritage; Bullfighting; animal abolitionism.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Questões fundamentais relativas à inscrição das touradas no
inventário do patrimônio cultural i material 3 Dúvidas quanto ao procedimento de inscrição
das touradas no inventário do patrimônio cultural imaterial francês 4 Considerações finais
sobre a justiça do registro nos termos do artigo 6 § 1 da CEDH 5 Notas de referência
1 Introdução
A tourada vai morrer hoje à tarde. Na verdade, os sinais democráticos de sua agonia
não cessam de se multiplicar. Foi assim quando o Parlamento Catalão decidiu abolir a tourada
64| Revista Brasileira de Direito Animal, e-ISSN: 2317-4552, Salvador, Volume 16, n. 03, p. 64-78, Set/Dez.2021.
em uma votação histórica de 28 de julho de 2010.
Um ano mais tarde, em 6 de julho 2011, o Parlamento Catalão confirmou que, salvo
declaração de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional da Espanha, esta proibição
entraria em vigor no dia de janeiro de 2012, visto que foram rejeitados dois projetos de lei
que prolongavam este grandioso espetáculo por não terem sido previstos os pagamentos das
colossais indenizações reivindicadas por seus organizadores condenados à inatividade.
No 7 de maio 2011, um voto popular organizado pelo então presidente Rafael Correa
voltou igualmente a proibir, o mais breve possível, a touradas na maior parte das províncias do
Equador.
Na prática e nas estatísticas o declínio é significativo, porque na Espanha, por exemplo,
entre 2008 e 2009, o número de touradas caiu vertiginosamente de 1.250 para 9.002. É por isso
que, com a energia do desespero, os adeptos da tauromaquia lutam para estender um pouco
mais os efeitos dos seus êxtases sanguinolentos, e é da Convenção da UNESCO para a
Preservação do Patrimônio Cultural Imaterial (CPPCI), aprovada em Paris em 17 de outubro de
2003, que eles esperam essa extensão.
Esta convenção internacional entrou em vigor no 20 de abril de 2006 e foi ratificada
pela França através do Decreto n°2006-1402, de 17 de novembro de 2006, tendo como
objetivo, louvado por todos, de proteger as práticas, representações , expressões,
conhecimentos e o know-how reconhecido - bem como instrumentos, objetos, artefatos e
espaços culturais que lhes são associados - de comunidades, grupos, sendo aplicável também
aos indivíduos que se reconhecem como fazendo parte desse patrimônio cultural transmitido
de geração em geração e recriados permanentemente pelas comunidades e grupos em função
de seus meios, promovendo um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim
com a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana,3 gravemente
ameaçada de degradação, desaparecimento e destruição pelos processos de globalização e
transformação social.
A este ambicioso projeto, a CPPCI instituiu uma Comissão Intergovernamental de
Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, que tem por função principal determinar a
atribuição de assistência internacional aos Estados que fazem pedidos para criar, atualizar e
publicar uma lista representativa do patrimônio cultural imaterial da humanidade no intuito de
conscientizar e favorecer o diálogo sobre a diversidade cultural4.

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