As Várias Teorias e (In)definições de Empresa

AutorEduardo Pragmácio Filho
Páginas37-80

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Falar da empresa para o direito do trabalho, em verdade, é falar da organização da empresa advinda, sobretudo, a partir da primeira Revolução Industrial16, abordando o trabalho nessa organização e o direito que regula esse trabalho.

Neste capítulo, pretende-se situar em que contexto histórico a CLT adotou a empresa como empregadora, dadas as influências do corporativismo, para, em seguida, abordar as várias teorias econômicas da empresa, olvidadas pela doutrina trabalhista nacional e, por fim, discutir a teoria da empresa de Asquini, muito festejada pelos comercialistas e conhecer em que medida ela

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auxilia na compreensão de vários institutos trabalhistas, como é exemplo a sucessão empresarial.

A partir dessa visão tríade (trabalhista, econômica e comercial), muito importante para lastrear o conceito de empresa para o direito do trabalho brasileiro, que se pretende mais adiante apresentar, inicia-se essa empresa, essa jornada, tal qual José Arcadio Buendía em sua Macondo.

A visão celetista (e corporativista) da empresa

Inicialmente, é muito importante situar em que contexto histórico, em 1943, a CLT adotou, no artigo 2º, a noção de empresa para definir o empregador17. Esta noção é fortemente influenciada pela Carta del Lavoro, de 1927, documento italiano, com 30 declarações, que definia e apontava os princípios que regeriam a normatização das relações produtivas laborais, individuais e coletivas na Itália de Mussolini.

Não é demais lembrar: a Carta del Lavoro é um documento nacionalista, fascista, sintetizado em dois conceitos básicos: autoritarismo e corporativismo. Vale-se, ainda, de dois meios para submeter os interesses de particulares ao interesse estatal: a organização das forças produtivas e a intervenção estatal (ROMITA, 2001, p. 25-28). A Declaração II da Carta del Lavoro, que tratava do valor do trabalho e da produção, assegurava:

O trabalho, sob todas as suas formas de organização ou execução intelectuais, técnicas, ou manuais, é um dever social. A esse título, e somente a esse título, é tutelado pelo Estado.

O conjunto da produção é unitário do ponto de vista nacional; seus objetivos são unitários e consistem no bem-estar dos indivíduos e no desenvolvimento da potência nacional. (ROMITA, 2001, p. 46.) Em resumo, para o corporativismo, o trabalho é um dever social, isto é, a exaltação do valor trabalho como fator de produção para realizar a potência nacional, bem diferente da noção mais democrática e atual de um direito ao trabalho (grifou-se). Para o corporativismo, o trabalho é qualquer atividade física ou intelectual colaborativa para a produção nacional (ROMITA, 2001, p. 46-50).

O Brasil foi influenciado, como se disse, por essas ideias. Tanto é que, em 1937, com a Constituição do Estado Novo, houve quase uma cópia literal da Declaração II da Carta del Lavoro na redação do artigo 136:

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Artigo 136. O trabalho é um dever social. O trabalho intelectual, técnico e manual tem direito a proteção e solicitude especiais do Estado. A todos é garantido o direito de subsistir mediante o seu trabalho honesto e este, como meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem que é dever do Estado proteger, assegurando-lhe condições favoráveis e meios de defesa.

Em relação à noção de empresa, o Brasil também adotou as ideias da Carta del Lavoro, cuja declaração VII prescrevia:

O Estado corporativo considera a iniciativa privada no campo da produção como o instrumento mais eficaz e mais útil, no interesse da nação.

Já que a organização privada da produção é uma função de interesse nacional, o organizador da empresa é responsável pela direção da produção perante o Estado. Da colaboração das forças produtivas deriva reciprocidade de direitos e deveres entre elas. O prestador de serviços, técnico, empregado ou operário, é um colaborador ativo da empresa econômica, cuja direção cabe ao empregador, pela responsabilidade que assume. (ROMITA, 2001, p. 110.)

Para a Carta del Lavoro e, consequentemente, para a CLT de 1943, a noção econômica de empresa é bem rudimentar e, sobretudo, finalística. É finalística porque condiciona a empresa como instrumento (útil e eficaz) para atender, em colaboração com as demais forças produtivas, ao interesse maior da nação. É rudimentar, pois entende a empresa apenas como organização de fatores de produção (capital e trabalho), dirigida (ou chefiada) pelo empresário empregador, dada a responsabilidade (riscos) que assume.

Essa era a noção da grande empresa fordista, fortemente hierarquizada, verticalizada, esteticamente funcional. Trata-se de um dos mitos sobre os quais o direito do trabalho se construiu18.

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Dessa hierarquização — em que existe um chefe, um empresário, uma pessoa que assume os riscos e dirige a prestação pessoal dos serviços, na visão da CLT, ou, como prescreve o artigo 2.086 do Código Civil Italiano (1942), o empresário é o chefe (capo)19 da empresa, dele dependendo seus colaboradores20 —, dessa noção se revela a essência do corporativismo: a prevalência do interesse geral sobre o particular, pois o empresário age não só no seu interesse, mas no interesse da coletividade representada pelo Estado21, isto é, o empresário exerce uma função pública, em nome do Estado (ROMITA, 2001, p. 111).

Nesse tocante, existe uma diferença importante em relação à noção mais atual e democrática, em contexto brasileiro, noção também fundamentada na solidariedade, residente na função social do contrato, cláusula geral prescrita no artigo 421 do Código Civil de 2002. Os interesses dos contratantes, aplicando-se também aos contratos de trabalho, devem observar uma função social, pois o contrato não se restringe nem faz efeitos somente aos entes contratantes,

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mas também se irradia e influencia em relação a terceiros22. Diversamente do corporativismo, em que o interesse coletivo era o interesse do Estado, hoje, no momento democrático, o interesse coletivo é o interesse de toda a sociedade, e não só o do Estado23.

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O corporativismo também influenciou a CLT na ideia de que a empresa é uma instituição, uma comunidade, em que empresários e trabalhadores colaboram, em paz, sem conflitos24, para alcançarem os fins econômicos da empresa que, ao final, são os fins econômicos do Estado. Assim, como o trabalho é um dever social, como a empresa tem uma finalidade estatal, sendo o empresário o chefe da empresa, há a primazia do caráter institucional em relação ao contrato (ROMITA, 2001, p. 113).

Essa ideia de empresa como instituição é bem clara no dizer de um dos membros elaboradores da CLT, Dorval Lacerda (apud ROMITA, 2001, p. 114):

A empresa, isto é, aquele conjunto de bens materiais e pessoais [...] visando a um determinado fim, realiza a coletividade orgânica, que é a instituição; na empresa existe um vínculo social entre todos os indivíduos que nela colaboram. Essa colaboração, evidente e inequívoca, é a própria confirmação de tal vínculo; a instituição [...] é um agrupamento de pessoas reunidas em torno de uma ideia, com o fim de realizá-la por meio de uma organização permanente [...].

A ideia de a empresa como uma instituição, como uma comunidade, é bem interessante se trasladada aos dias atuais, em uma abordagem mais democrática (isto é, deixando-se de lado o Estado Totalitário e adotando-se o Estado Democrático de Direito), em que o trabalhador também seja considerado (antes) como pessoa e, portanto, detentor de direitos fundamentais (direito à educação, à informação, à participação etc.).

Assim, no direito do trabalho brasileiro, essa noção economicamente rudimentar de empresa, somada à concepção jurídico-política corporativista de

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empresa, formaram as bases do pensamento doutrinário trabalhista brasileiro, que perduram até os dias atuais.

Para Orlando Gomes (2005, p. 64), por exemplo, o que interessa para o direito do trabalho, em relação à empresa, são as relações individuais e coletivas formadas entre os empregados e o empregador. Nesse mesmo sentido, Arnaldo Süssekind (2002, p. 189-190) explica: “a empresa corresponde a uma universalidade de pessoas intervinculadas por variadas modalidades de relações jurídicas e de bens materiais e imateriais, organizados para a realização de um empreendimento econômico”25.

Outra consequência decorrente da noção de empresa adotada pela CLT é a despersonalização do empregador.

À medida que a empresa evoluía e ganhava importância no cenário econômico, mundo afora, começavam a acontecer modificações profundas em sua estrutura econômica: a figura pessoal, humana, do empregador passou, pouco a pouco, a se ausentar do local de trabalho, fugindo do contato com os trabalhadores, ocorrendo, assim, a despersonalização. Os proprietários do capital partiram para o anonimato.

Orlando Gomes (2005, p. 109), ao tratar do tema, reflete a teoria do agenciamento na economia:

[...] a empresa deixou de ser a propriedade de um indivíduo, que a dirige e que a orienta, pessoalmente, lhe imprimindo o incisivo cunho de sua personalidade, para se converter em fria entidade, comandadas por diretores inacessíveis, que se ocultam atrás de prepostos graduados. O empregador deixou de ser aquele homem de carne e osso que descia à oficina para conversar ou repreender seus empregados.

É nisso que se baseia, em linhas gerais, o fenômeno da despersonalização do empregador, que é peculiar, sobretudo, às grandes empresas. Como se sabe, o contrato de emprego, no Brasil, é personalíssimo somente ao empregado26.

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