Aspecto familiar

AutorLuiz Kignel
Páginas41-120
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ASPECTO FAMILIAR
por Kignel
2.1.
INTRODUÇÃO
O conceito de família certamente possui um caráter in-
tuitivo. No passado recente não era necessário conhecimento
jurídico para se identificar uma família, na medida em que os
vínculos do matrimônio sempre serviram para facilmente lo-
calizar determinado grupo de pessoas em um contexto social.
A sociedade moderna, todavia, passou a conhecer novos tipos
de uniões cujas relações interpessoais modificaram fortemen-
te o conceito estático que perdurou por séculos. Essas novas
famílias, antes à margem da sociedade, vêm cada vez mais
buscando – e obtendo – respeito social e reconhecimento do
Estado, passando de espúrias a protegidas. E, uma vez reco-
nhecidas pelo sistema legal, de suas relações decorrem efeitos
patrimoniais e sucessórios que devem ser conhecidos por todos
aqueles que pretendem organizar a sucessão, em especial, de
sua empresa familiar.
O casamento monogâmico, heterossexual e indissolúvel
não é mais a única opção para a sociedade moderna. A união
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PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
estável está de tal maneira solidificada que não resta qualquer
discussão dessa nova realidade. E também a união homoafeti-
va, tema de tantos debates, obteve guarida do Poder Judiciário,
e seus direitos e deveres estão hoje plenamente incorporados
ao Direito de Família.
Mas as mudanças não param por aí. Novos formatos
tornam cada vez mais elástico o conceito de família, a começar
pela desnecessidade das figuras tradicionais de um “pai” e uma
“mãe”, admitindo-se a formação de uma família apenas com a
presença de um ou de outro, ao que se denomina “família mo-
noparental”. E, se isso pode impressionar, o que se dirá das
famílias denominadas “parentais” ou “anaparentais”, nas quais
as figuras paterna e materna podem simplesmente inexistir?
É o caso de duas irmãs que residam juntas, formem patrimônio
por esforço comum e, na sucessão de uma delas, a irmã sobre-
vivente pleiteie quinhão maior do que o dos demais irmãos que
com as duas não residiam, sob a alegação de que aquelas duas
constituíram seu próprio núcleo familiar. E seguem as famílias
socioafetivas, nas quais a verdade biológica é colocada em
segundo plano, cedendo espaço para a realidade fática de uma
relação em que pessoas sem consanguinidade formam um
núcleo familiar que deve ser igualmente protegido. Exemplos
clássicos são os segundos casamentos, em que o pai assume a
paternidade do filho de sua mulher, fruto do primeiro casa-
mento dela, e vice-versa.
O surgimento dessas novas entidades familiares não de-
corre de criação legislativa, mas sim de valores inovadores da
sociedade atual, que assume novos formatos nas suas relações,
até então não regulados pelo Direito de Família. A esse ramo
do Direito cumpre a obrigação legal de regulamentar essas
relações, tendo como foco o princípio da moral e da dignidade
humana, cuidando, porém, das questões patrimoniais delas
consequentes. Ou seja, cabe ao legislador a busca do equilíbrio
entre os aspectos intangíveis que devem primar na união de
pessoas (lealdade, respeito recíproco e mútua assistência) e os
reflexos materiais necessariamente gerados por essa união.
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PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO
2.2.
CASAMENTO CIVIL
Até dezembro de 1977, a lei civil previa apenas o regime
da comunhão total e o da separação total de bens. Com o ad-
vento da Lei n. 6.515, de 16 de dezembro de 1977, que introdu-
ziu o divórcio no Brasil, o legislador instituiu o regime da co-
munhão parcial de bens, que passou a ser o mais utilizado
pelos casais. E com o advento do Código Civil de 2002 (em vigor
desde janeiro de 2003) admitiu-se mais um sistema, denomi-
nado “participação final nos aquestos”. Além desses quatro
sistemas, há ainda o regime da separação obrigatória de bens,
que não deve ser confundido com o regime da separação total
de bens.
Enquanto para a adoção do regime da comunhão total,
separação total e participação final nos aquestos é necessária
a assinatura prévia de uma escritura pública denominada
“pacto antenupcial” (que deve ser lavrada obrigatoriamente
em Cartório de Notas, negada validade ao instrumento parti-
cular), o regime da comunhão parcial de bens aplica-se auto-
maticamente no silêncio das partes quanto à escolha de regime
patrimonial diverso. Já o regime da separação obrigatória de
bens, conforme sua própria definição, é impositivo em deter-
minadas situações, não outorgando aos casais alternativa.
2.2.1. Comunhão parcial de bens
O regime da comunhão parcial de bens incorporou-se de
tal forma ao cotidiano do brasileiro que passou a ser adotado
por muitos casais que desconhecem seus reflexos patrimoniais.
Assim é que usualmente ouvimos do leigo que pelo regime da
comunhão parcial os bens anteriores ao casamento não se co-
municam, tornando-se comuns apenas os adquiridos a partir do
matrimônio civil. Essa simplória definição causa surpresas in-
desejáveis para muitos casais, seja no momento de enfrentarem
um divórcio ou mesmo na sucessão de um dos cônjuges.

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