Aspectos criminológicos nas relações das torcidas organizadas no Brasil

AutorSandro T. C. P. Vergal
Páginas149-157

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1. Introdução

O presente estudo tem como objetivo traçar relação entre a realidade social e cultural das torcidas organizadas no Brasil com os ditames da “Teoria da Subcultura Delinquente” desenvolvida por Albert Cohen.

Buscar-se-á no transcurso deste texto a compreensão da delinquência crescente neste cenário, viabilizando reflexão sobre hipóteses possíveis para o controle deste tipo de delinquência.

Contudo, cabe, desde já, advertência de que o assunto é amplo e de importante complexidade, porquanto seria impossível realizar abordagem integral de todos aspectos que compõem esta problemática nestas poucas linhas, de modo que este texto tem a singela intenção de lançar um pequeno feixe de luz sobre o tema e, quem sabe, com isso fomentar em outros pesquisadores o desejo por maiores e mais profundas análises.

2. Rudimentos de criminologia

A Criminologia é senda do saber humano que se ocupa do estudo do fenômeno criminal e todos os fatores que circundam seu entorno, buscando, assim, a compreensão e interpretação de suas causas, do comportamento delinquente e, também, da vítima, lançando vistas ao seu controle preventivo da criminalidade.

Em conceituação condensada, Afrânio Peixoto (1953, p. 11) determina que se trata da “ciência que estuda os crimes e os criminosos, isto é, a criminalidade”. Nesta esteira, todavia trazendo maiores minúcias, Antonio Garcia-Pablos de Molina (1992, p. 20) a define como:

É a ciência empírica e interdisciplinar que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infra-tor, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, que trata de subministrar uma informação válida e contratada sobre a gênese, dinâmica e variáveis do crime, contemplando este como problema individual e social, buscando programas de prevenção eficazes e técnicas de intervenção positiva no homem delinquente conforme os diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito.

O empirismo, ou seja, o conhecimento advindo da experimentação, habita o cerne essencial de qualquer ciência, de modo que não seria diferente na trilha criminológica, pois seus alicerces encontram-se calcados nas premissas básicas da observação e experiência, as quais conduzem a posteriores conclusões. Além disso, seu objeto de estudo é visível e palpável no mundo real, não no mundo abstrato dos valores.

Por sua vez, fala-se em interdisciplinaridade criminológica, tendo em vista a comunhão de diferentes saberes humanos proporcionando ao pesquisador ampla visão acerca do objeto de estudo, o que mostra-se fulcral neste caso, levando-se em conta a alta complexidade ínsita ao evento delitivo, o qual se revela demasiado intrincado, permeado de fatores e circunstâncias.

Essa é a lição que Ruth Maria Chittó Gauer (apud CARVALHO, 2015, p. 314) de que “toda e qualquer forma de crime pode ser considerado um fenômeno complexo, e portanto, impossível de ser explicado sob o olhar de uma só ciência”. Nesta direção também caminham Eugênio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli

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(2015, p. 138) ao registrarem a criminologia como sendo “a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista biopsicossocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta aplicadas às condutas criminais”.

Tem-se que a Criminologia, portanto, é ramo da ilustração humana que, servindo-se das conclusões conduzidas à ela por ciências e saberes outros, calcadas em pesquisas efetivamente empíricas, volta suas atenções às causas da criminalidade; à periculosidade do agente, a qual prescinde ao crime em si; aos efeitos do crime no meio social em que ele se encontra inserido; ao controle social do fenômeno criminal etc.

No entanto, a Criminologia não deve ser confundida com o Direito Penal ou mesmo com a Política Criminal, disciplinas que também se dedicam a análise dos fatores que orbitam o crime, mas que não se confundem entre si. Franz Von Liszt referiu-se a este conjunto de disciplinas que se debruçam sobre o evento delitivo como “Enciclopédia das Ciências Criminais” (apud ZAFFARONI, 2015, p. 172). Dentre tantos saberes científicos, sobressaem-se três ramos basilares, alicerces que compõem esta enciclopédia: a dogmática jurídico--penal, a política criminal e a criminologia.

Diferenciando estas três vertentes científicas fundamentais da Enciclopédia das Ciências Penais, Paulo de Souza Queiroz (2011, p. 24):

O direito penal é (essencialmente) um saber normativo; a política criminal um saber estratégico; e a criminologia é um saber empírico. [...] A criminologia deve incumbir-se, assim, de fornecer o substrato empírico do sistema, seu fundamento científico; a política criminal, de transformar a experiência criminológica em opções e estratégias concretas de controle da criminalidade; por último, o direito penal deve encarregar-se de converter em proposições jurídicas, gerais e obrigatórias, o saber criminológico esgrimido pela política criminal, devendo o direito penal ser criminologicamente fundado e político-criminalmente orientado.

A transgressão comportamental sempre foi (e provavelmente sempre será) merecedora de grande atenção por parte da sociedade, haja vista o enorme sucesso literário e cinematográfico dos romances policiais, de suspense e terror que derramam sangue e pavor sobre os olhos atentos dos ávidos espectadores (VERGAL, 2015, p. 254).

Enquanto fenômeno social e humano, é natural que o engenho científico dedique-se sobre o tema, porém, em função da complexidade inerente ao tema, uma abordagem ampla e capaz de abarcar todas as suas face-tas se mostra impossível. Desta forma, diferentes ramos da erudição humana partiram para a análise de uma especificidade dos episódios criminais. Contudo, não se pode perder de vista o primordial entrelaçamento destas diferentes disciplinas, como único modo de se chegar a uma compreensão desafogada do tema.

Assim, o Poder Público deve servir-se dos ensinamentos e descobertas das mais diferentes searas científico-sociais no momento da elaboração e aplicação das políticas públicas concretizadoras do Direito Fundamental Social à Segurança Pública, em um processo referido como “Criminologia Tridimensional” de modo a tornar eficiente a proteção estatal ao cidadão, cumprindo os mandamentos constitucionais, coadunando-se à subs-tância que compõe o cerne existencial do Estado: a proteção da dignidade humana (VERGAL, 2015, p. 256).

Destarte, para que se alcance uma equilibrada produção normativo-penal é imperativo que o Estado consagre a tridimensionalidade do Direito, composta pela adjeção do fato, do valor e da norma, aos domínios das ciências penais. A este encadeamento chamamos de “Criminologia Tridimensional”, ou seja, a subsunção entre a Teoria Tridimensional de Miguel Reale à Enciclopédia das Ciências Criminais1.

Assim sendo, deve-se partir da análise factual das ameaças à segurança social e aos bens jurídicos mais caros ao convívio humano, este diagnóstico incumbirá ao estudo empírico criminológico, lastreado em experiências e observações, decompondo o crime sob os enfoques do autor, vítima e do controle social. Nesta primeira etapa, ressalta-se a já referida e imperiosa interdisciplinariedade da Criminologia, decorrente de sua própria consolidação histórica como ciência autônoma, sofrendo forte influência de diversas outras ciências.

Em um segundo momento, ocorre a operação axiológica da Política Criminal, conferindo valor relevante aos bens jurídicos mais caros ao convívio social. Na medida em que ocorre esta valorização do bem jurídico, opera-se eleição das condutas consideradas lesivas a estes bens, sendo, por isso, dignas de tipificação jurídico penal (crimes ou contravenções), bem como a seleção da quantidade, qualidade e sistema de cumprimento da sanção (pena ou medida de segurança) imposta aos transgressores.

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Por último, acontece a positivação em norma jurídica da tipologia penal, criando-se a infração penal e a
respectiva sanção cominada à conduta, é neste momento
em que esta parte do ordenamento jurídico (dogmática
penal) “determina as características da ação delituosa e
lhe impõe penas ou medidas de segurança”, como se extrai das lições de Welzel (apud QUEIROZ, 2014, p. 29).

Concerne à criminologia a análise de fatos concretos acerca da criminalidade, daí a razão do emprego de ferramentas próprias das investigações científicas que buscam, através de estudos empíricos, a decomposição dos favores criminais. Assim, o objeto de enfoque da moderna criminologia, conforme alude Alessandro Baratta (2014, p. 27), encontra-se dividido em quatro vertentes: delito, delinquente, vítima e controle social.

O verdadeiro divisor de águas entre uma concepção tradicional da criminologia, na visão de Eduardo Cabette (2007, p. 25), se deu com o florescimento da chamada “Nova Criminologia” ou “Criminologia Crítica”, foi essa guinada conceitual que constitui o cerne da evolução criminológica.

O posicionamento criminológico tradicional enfrentava a questão criminal como uma realidade em si, sendo considerado de forma ontológica. Sob este enfoque o criminoso era visto como um ser dessemelhante aos demais, um anormal ou até mesmo dotado de problemas patológicos. Todos os esforços concentravam-se nas investigações dos fatores que originavam a delinquência e os mecanismos competentes para a prevenção, repressão e correção de condutas desviadas.

Por conseguinte, a Criminologia Crítica renega estas concepções, desmistificando a crença no crime como um ente natural e ontológico, bem como o criminoso como um homem atavicamente anormal. Cosonante, Alessandro Baratta: “a consideração do crime como um comportamento definido pelo direito, e...

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