Aspectos da prova na ação civil pública ambiental

AutorMarcelo Abelha Rodrigues
Páginas343-380
CAPÍTULO 10
ASPECTOS DA PROVA
NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
1. INTROITO
A palavra prova vem do latim probatio, oriunda do verbo probare, cujo sentido
está relacionado com examinar, persuadir, demonstrar. Extrai-se daí pelo menos qua-
tro aspectos centrais no estudo da prova: o meio utilizado para convencer, o objeto do
convencimento, o método para realizar o convencimento e o sujeito a ser convencido.
A prova é fenômeno que transcende a seara jurídica, mas aqui o restringimos ao
ramo do Direito. A depender do ramo da ciência a prova segue métodos diferentes de
persuasão. Nas ciências naturais, por exemplo, a experiencia científ‌ica é fundamental para
se demonstrar os fenômenos da natureza, na matemática, por exemplo, há vários métodos
(formais e informais) de se atestar uma proposição (dedução, indução, eliminação etc.)
Centrando-nos no método de reconstrução histórica, base do modelo jurídico, é de
se dizer que sobre cada um destes elementos da prova há aspectos importantes a serem
enfrentados quando o assunto gira em torno da ação civil pública ambiental, especialmente
se recordarmos que os acontecimentos se esgotam no tempo e no espaço e não há como
retroagir ao momento do evento, motivo pelo qual a prova tem uma função importantís-
sima de (1) reconstruir da forma mais f‌idedigna possível do que aconteceu; (2) convencer
o julgador de que determinado enunciado fático aconteceu tal como ele foi narrado.1
Não sendo o processo um fenômeno contemporâneo ao acontecimento físico –
acontecimento que nele é narrado como essencial ou acessório à pretensão formulada
– nele se terá, sempre, ainda que controlado por regras e princípios, uma tentativa de se
reconstruir de forma persuasiva (do julgador) os fatos da forma como foram alegados
pelas partes.
A partir do conceito e da função da prova percebe-se que ela é íntima do contradi-
tório2, da estabilidade das decisões3, da racionalidade da cognição e da decisão4 etc. daí
porque é um dos temas centrais da teoria do processo.
1. TARUFFO, Michele. Consideraciones sobre prueba y verdad. Derechos y Libertades: Revista del Instituto Bartolomé de las Casas,
Universidad Carlos III de Madrid, ano VII, jan.-dez. 2002, (p. 99-126), p. 116.
2. TARUFFO, Michele; MICHELE, Gian Antonio. “A prova”, In: Revista de Processo, v. 16, São Paulo: Ed. RT, 1979, p. 155-168;
DIDIER, Fredie Jr.; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial,
cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 2. ed. Bahia: Juspodvm, 2008, p. 19 e ss.
3. ZANETI Jr., Hermes. Direito probatório, lógica jurídica e processo: a racionalidade prática procedimental e o retorno ao juízo.
In: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Provas: aspectos atuais do direito probatório. São Paulo: Método, p. 179-228, 2009.
4. TARUFFO, Michele. “Considerazioni su prova e motivazione”, In: Revista de Processo, v. 151, São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 229-
240.
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA E MEIO AMBIENTE • MARCELO ABELHA RODRIGUES
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Considerando a complexidade do equilíbrio ecológico, a sua instabilidade, a incog-
noscibilidade, a essencialidade etc. não será difícil imaginar que muitos serão os problemas
envolvendo a reconstrução dos fatos e a persuasão do julgador na ação civil pública ambiental.
2. DIREITO PROBATÓRIO E MEIO AMBIENTE
Nenhum juiz pode f‌icar infenso ou insensível à regra imposta pelo § 1.º do art. 225
da CF/1988. É que tal dispositivo impõe a responsabilidade e a incumbência primacial
ao Poder Público (em suas três esferas) da efetivação da proteção e manutenção do
equilíbrio ecológico, que é essencial a todas as formas de vida, presentes e futuras. Nesse
dispositivo, o legislador usa expressões muito interessantes, tais como “essencialidade
à vida”, “bem de uso comum do povo”, “futuras gerações”, “coletividade”, “todos têm
direito”, que serão muito importantes para dar sequência ao nosso raciocínio.
É que essas expressões falam por si mesmas. O direito do ambiente talvez seja o
melhor exemplo do ponto de contato entre o que seja difuso e o que seja público. Ora, a
tutela do ambiente interessa, direta ou indiretamente, a todos indistintamente. Não há
um direito difuso mais altruísta do que esse, que, pelo reconhecimento geral, poder-se-ia
denominar de direito público (do povo).
Quando tal direito é defendido em juízo, deve-se levar em consideração o que ele
representa para a coletividade. Não se pode perder de vista esse aspecto no manejo das
técnicas processuais que devem ser impregnadas por um conteúdo axiológico abso-
lutamente publicista, levando-se em consideração que o bem tutelado é indisponível,
inalienável, impenhorável, incognoscível, complexo, ubíquo, infungível, instável, in-
divisível, não exclusivo etc. e absolutamente sensível a danos e irreversivelmente não
suscetível de reconstrução. São bens que não têm valor correspondente em pecúnia, e,
por isso, nem de longe pode-se pensar em comprá-los e vendê-los, porque não admitem
disposição de qualquer natureza.
Diante de tudo isso, o que esperar do objeto da prova, dos meios de prova, do método
de convencimento do magistrado? Qual o comportamento em relação ao exercício de sua
função no processo, e especialmente sobre os seus poderes instrutórios? Ora, a resposta é
simples, qual seja: se todo e qualquer juiz deve ter uma preocupação de dar solução justa
em todos os casos em que formula e cumpre a norma jurídica concreta, deve se lembrar
que, quando estiver diante de um bem fundamental à vida, seu comportamento de direção
e atuação no processo deve ser absolutamente participativo. Se já deve ser assim em um
processo onde o que está em jogo é uma lide patrimonial e privada, mormente quando
está diante de conf‌litos de interesses que envolvam a proteção do equilíbrio ecológico.
É que, quando se está diante de uma lide que envolve um bem fundamental à todas
as formas de vida, sua participação não pode ser “neutra” não se admitindo sequer essa
possibilidade. Aqui o patrimônio é vital e não simplesmente pecuniário. A neutralidade
não se confunde com isenção. A neutralidade pode ser a negação de uma tutela justa,
efetiva e tempestiva.
Um dos aspectos desse comportamento do magistrado, desejado pelo direito mate-
rial, implica em importantes considerações no âmbito do processo e, especialmente, no
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campo da prova. Qualquer tomada de posição provisória desfavorável ao meio ambiente
deve ser vista com extrema cautela pelo juiz, pois qualquer equívoco cometido terá
repercussões na essencialidade do direito à vida e, pior ainda, numa extensão subjetiva
pública e indeterminada, tudo por causa da natureza e alcance do bem ambiental. Por
isso, o juiz deverá adotar uma postura naturalmente mais cautelosa quando provisoria-
mente decida em desfavor do meio ambiente e menos rigorosa quando avalie e decida a
seu favor. Assim, em decorrência do interesse público em jogo, deve tratar com extrema
segurança a tutela interinal dada contra o direito “público” do ambiente. Tudo porque
a repercussão dessa decisão é de alcance público e o direito tutelado é essencial a todas
as formas de vida. Um erro cometido, pode não dar mais tempo de ser corrigido pelo
recurso que impugna a sua decisão.
Não se espera, obviamente, que o juiz seja um “adversário” do réu na sua participação
dentro do processo. Nada disso, posto que deve estar sempre preso à tutela justa e efetiva
de quem quer que seja, mas é fato inescondível que não pode f‌icar imune às exigências,
imposições e peculiaridades do direito material. O contraditório prévio e efetivo, o processo
dialógico e participativo, é fundamental ponto de equilíbrio na busca desta solução justa.
3. OS ELEMENTOS DA PROVA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL
3.1 O objeto da prova
3.1.1 Introito
O objeto da prova é aquilo sobre o que recairá a prova. É o que se pretende provar.
Exatamente por isso é que se diz, regra geral, que o que se pretende provar, ou o que pode
ser objeto de prova, são as af‌irmações de fatos,5 na medida em que não haveria sentido
pensar em prova do direito, pela regra de que o juiz não se exime de conhecê-lo, já que
esse conhecimento é condição elementar para o exercício de sua função como magistrado
(iura novit curia). Assim, provam-se as af‌irmações de fatos em que se funda o pedido ou
a defesa (art. 369) e não o direito sobre o qual recairão os fatos.
Nesta linha, diz o artigo 374 do CPC que:
Não dependem de prova os fatos: I – notórios; II – armados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III – admitidos no processo como incontroversos; IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou
de veracidade.
Conquanto estes fatos estejam constantes nas alegações e defesa das partes sobre eles não
a necessidade de prova porque não são controversos pelas razões expostas pelo dispositivo.
É importante esta observação preliminar porque no direito ambiental existem
diversas presunções e f‌icções previstas em lei e na própria Constituição Federal que
tornam desnecessária a prova de determinada alegação de fato.
5. Concordamos com a doutrina minoritária de que o objeto da prova são as af‌irmações de fatos controvertidos. Concordamos
com Santiago Sentis Melendo (La prueba, p.12), para quem “os fatos não se provam; os fatos existem. O que se provam são as
af‌irmações que poderão referir-se a fatos”. No mesmo sentido Carnelutti, Sistema di diritto... cit., v. 1, p. 674). Entre nós, ver
Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, v. 1, p. 343. Se o objeto da prova fossem os fatos, não haveria como provar os
fatos negativos, porque estes nunca ocorreram. Prova-se a af‌irmação de fato de que os mesmos não ocorreram.
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