Aspectos do contrato de sublocação de imóvel urbano: função social e econômica

AutorFrederico Price Grechi
Páginas133-184
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ASPECTOS DO CONTRATO
DE SUBLOCAÇÃO DE IMÓVEL URBANO:
FUNÇÃO SOCIAL E ECONÔMICA
Frederico Price Grechi
Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito pela UERJ. Mestrando em Economia e Finan-
ças pela FGV-RIO. Diretor da Vice-Presidência Imobiliária do Centro Brasileiro de
Mediação e Arbitragem – CBMA. Advogado, Árbitro e Professor (Emerj). Presidente
da Comissão de Direito Agrário do IAB e da OAB/RJ. Vice-Presidente da Comissão de
Direito Imobiliário da OAB/RJ.
Sumário: 1. Introdução – Breve digressão histórica dos antecedentes do processo legislativo da
Lei 8.245/91. 2. O microssistema inovador e dinâmico da Lei 8.245/91. 3. A sublocação como
contrato derivado e coligado à locação. 3.1 Sublocação coligada ao contrato de distribuição
de combustíveis. 3.2 Sublocação coligada ao contrato de franquia. 3.3 Sublocação coligada ao
contrato de locação shopping center. 3.4 Sublocação coligada à locação no contrato de cons-
trução ajustada (built to suit). 3.5 Sublocação ajustada com opção de compra. 4. Sublocação
consentida, presumida e ilegítima. 5. Sublocação parcial e total, residencial, não residencial
e mista. 6. Do aluguel na sublocação. 7. Sublocação e responsabilidade subsidiária. 8. Efeitos
extintivos da sublocação coligada à locação. 9. Direito de preferência do sublocatário. 9.1 Re-
gistro da cláusula de vigência e a averbação do direito de preferência na sublocação. 10. Direito
à renovação compulsória da locação com cessão da posição contratual do sublocador para o
sublocatário. 11. Casuísticas. 11.1 Ecácia de convenção de arbitragem do contrato de locação
na sublocação. 11.2 Protesto do contrato de sublocação pelo locador e pelo sublocador para
cobrança da dívida do sublocatário.
1. INTRODUÇÃO – BREVE DIGRESSÃO HISTÓRICA DOS ANTECEDENTES DO
PROCESSO LEGISLATIVO DA LEI 8.245/91
Agradeço o honroso convite dos coordenadores Professores Heloisa Helena Barboza,
Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Thiago Ferreira Cardoso Neves para participar
da justa e merecida homenagem ao nosso sempre estimado Professor Sylvio Capanema
de Souza1, coautor do anteprojeto da Lei do Inquilinato em vigor em conjunto com o Dr.
Geraldo Beire Simões e Dr. Pedro Antonio Barbosa Cantisano, doravante denominados
em conjunto “coautores”.
1. Conf‌ira-se o prefácio de autoria do saudoso e eminente Desembargador Luís Antonio de Andrade à obra do Professor
Sylvio Capanema de Souza, A Nova Lei do Inquilinato Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 1993: “A Nova Lei do Inquilinato
Comentada é mais um exemplo que Sylvio Capanema, lídimo expoente do magistério jurídico e da advocacia, nos dá de
quanto a sua inteligência, o seu espírito pugnaz, a sua irresistível tendência ao estudo do direito, podem contribuir para
a interpretação segura do novel estatuto, servindo, ademais, de paradigma e de contribuição para inevitáveis correções
legislativas acerca de disposições lacunosas ou imperfeitas, contraditórias ou incompletas, pois, como lembra a parêmia
italiana, ‘fatta la legge, trovato l´inggano’.
FrEdErICo PrICE GrECHI
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Seja permitido tecer sucinta excursão aos antecedentes do processo legislativo2,
notadamente os materiais legislativos ou trabalhos preparatórios3 daquele novel diplo-
ma que f‌icou notoriamente conhecido como “A Nova Lei do Inquilinato”. Durante os
trabalhos preparatórios do anteprojeto4, os coautores foram os protagonistas de impor-
tantes debates promovidos por diversas entidades relevantes do segmento do mercado
imobiliário, valendo destacar, entre outras, a Associação Brasileira das Administradoras
de Imóveis – ABADI5 e a Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário
– ABAMI6.
A primeira versão do anteprojeto foi apresentada pelos coautores aos participantes
da CONAI – Convenção Nacional dos Administradores de Imóveis, realizada em outubro
de 1989, na cidade de Curitiba, no Paraná, onde novas sugestões foram acolhidas.
No Rio de Janeiro, os coautores apresentaram a versão def‌initiva do anteprojeto, o
qual foi entregue à Federação Nacional do Mercado Imobiliário – FENADI.
No mês de novembro de 1989, o Presidente Hubert Gebara encaminhou à assessoria
do novo Presidente da República que havia sido eleito na eleição de 1989, com a seguinte
mensagem:
2. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 524: “Por processo
legislativo entende-se o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção, veto) realizados pelos órgãos legislativos
visando a formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos. Tem, pois,
por objeto, nos termos do art. 59, a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis
delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções”.
3. Cf. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 115-116: “Além
do elemento histórico propriamente dito, constituído pelo Direito anterior do qual o vigente é apenas um desdobramento,
existe, sob a mesma denominação geral, outro fator de exegese, que os autores designam com as expressões – Materiais
Legislativos ou Trabalhos Preparatórios. Esta espécie tem menos valor que a descrita anteriormente, muito menos; en-
tretanto, é invocada com frequência maior no Brasil, sobretudo a respeito de leis recentes. Compreende anteprojetos; os
Projetos e as respectivas Exposição de motivos; Mensagens dirigidas pelo Executivo às Câmaras; memoriais e represen-
tações enviadas ao Congresso; relatórios das comissões nomeadas pelo Governo; pareceres e votos em separado emitidos
oralmente, ou por escrito, no seio das comissões parlamentares, especiais ou permanentes; emendas aceitas ou rejeitadas;
debates tribunícios em sessões plenárias de cada um dos ramos do Poder Legislativo. (...) Os Materiais Legislativos têm
alguma utilidade para a Hermenêutica; embora não devem ser colocados na primeira linha, nem aproveitados sempre,
a torto e a direito, em todas as hipóteses imagináveis, para resolver quaisquer dúvidas; ajudam a descobrir o elemento
causal, chave da interpretação”.
4. O autor agradece ao Dr. Geraldo Beire Simões a disponibilização do mimeo intitulado “Elaboração, tramitação legislativa
e acordos políticos da Lei 8.245/91”.
5. A ABADI foi concebida em 17 de outubro de 1974 por 20 empresários do setor imobiliário que se reuniram em um almoço
no Clube Ginástico Português com o objetivo com o objetivo de congregar os administradores de imóveis e promover
a expansão e qualif‌icação do mercado, que sofria o impacto negativo do desequilíbrio econômico. Assim foi pensada e
fundada a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI). Quase um mês depois, no dia 11 de novembro,
a primeira diretoria executiva da ABADI, presidida por Geraldo Rezende Ciribelli, tomou posse na sede da Associação
Comercial do Rio de Janeiro, na época Estado da Guanabara. Conf‌ira-se o registro nos anais da ABADI – 1990 – Posse do
novo presidente e Lei do Inquilinato Augusto Alves Moreiras é eleito presidente da ABADI. Ainda em 1990, a ABADI com
as importantes e def‌initivas participações dos doutores Geraldo Beire Simões, Sylvio Capanema de Souza e Pedro Antonio
Barbosa Cantisano, participou da elaboração do anteprojeto da Lei do Inquilinato, que foi sancionada 18 de outubro de
1991 – Lei 8.245/91
6. Em 21 de setembro de 1989 foi fundada a Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário – ABAMI, sendo
seus fundadores os ilustres advogados: Sylvio Capanema de Souza; Geraldo Beire Simões, Luiz Santos Sobrinho, Pedro
Antonio Barbosa Cantisano, Maria Lucia Teixeira da Silva e Mônica Goes. Pela importância dos serviços prestados à
ABAMI, o Conselho Deliberativo escolheu para patrono o Fundador Dr. Sylvio Capanema de Souza. A ABAMI, pela
importância que mantém no meio jurídico do País, foi reconhecida de utilidade pública pelo Decreto Estadual 179 de
09.07.1975.
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10 • ASPECToS do CoNTrATo dE SUbLoCAção dE ImÓvEL UrbANo: FUNção SoCIAL E ECoNÔmICA
“Projeto da nova lei do inquilinato
Os empresários do setor de administração de imóveis, cientes da gravidade da crise habitacional que afeta o
país e atormenta milhões de brasileiros, resolveram dar contribuição direta e ecaz às iniciativas que possam
contribuir para mudar esse estado de coisas. Assim pensando, e conscientes de suas responsabilidades sociais,
ousaram encomendar, por conta e riscos próprios, um trabalho jurídico de fôlego que possa vir a substituir, no
estamento jurídico-legal do país, a já ultrapassada Lei 6.649/79.
Sob o princípio que o texto deve ser claro, conciso, justo intérprete de si mesmo, os juristas Sylvio Capanema
de Souza, Geraldo Beire Simões e Pedro Antônio Barbosa Cantizano, trabalharam durante vários meses na
elaboração deste projeto que foi, depois, submetido à apreciação e aprovação das administradoras, em con-
gresso Nacional, realizada por esta Federação, em Outubro, no estado do Paraná.
Temos, enm, um texto legal que corrige omissões e falhas da legislação em vigor, abre espaços ao retorno
dos investimentos na área habitacional, cria pela primeira vez um instrumental político de apoio ao desenvol-
vimento das atividades no seguimento habitacional e liberta a locação das amarras que prendem locador e
locatário em prejuízo de ambas as partes. Inspira-o a convicção de que a liberdade de contratação é o maior
dos incentivos, evidentemente sem se descuidar do aspecto de proteção da parte mais fraca nessa relação,
que é o locatário, o qual tem o resguardo, por exemplo, da vinculação das correções do aluguel, à variação
da inação que também serve de parâmetro para proteção dos salários.
Esperamos, portanto, que esse trabalho seja útil às autoridades constituídas na sua tarefa, e indeclinável
dever de promover o ajuste imediato da legislação que rege as relações entre inquilinos e proprietários,
sob pena de consagrarmos um estado de conito que se manifesta no caos, hoje representado pela cres-
cente escassez de imóveis para locação, elevação continuada dos alugueres dos imóveis para locação,
elevação continuada dos aluguéis dos imóveis vagos e atulhamento da justiça, com dezenas de milhares
de ações de despejo”.
No mês de março de 1990, a íntegra do anteprojeto do mercado imobiliário remetido
pela FENADI foi apresentada pelo Deputado Nilson Gibson no âmbito da Câmara dos
Deputados, identif‌icado pelo Projeto de Lei 372/91.
O anteprojeto do mercado imobiliário também foi encaminhado pela FENADI ao
então Ministro da Justiça do governo Fernando Collor de Mello, o advogado e político
Bernardo Cabral, que propôs a criação de uma comissão para estudar o assunto e elaborar
uma proposta legislativa do governo.
Por meio da Portaria 234, de 19 de setembro de 1990, assinada em conjunto pelos
Ministros da Justiça, da Economia, Fazenda e Planejamento e da Ação Social, uma Co-
missão Interministerial foi instituída para elaborar o anteprojeto de lei sobre a Locação
Predial Urbana, “composta por representantes de locadores, de corretores de imóveis, de
contadores, de economistas, de advogados, de empreendedores de Shopping Center, de
empresas construtora de imóveis, de seguradoras, de Órgãos de Defesa do Consumidor e
muitas outras entidades, e dos locatários, estes representados pelo Associação Nacional
do Movimento Permanente dos Inquilinos Intranquilos”7.
Esta Comissão Interministerial, que estava autorizada a solicitar a colaboração de
associações, de entidades de classe e de prof‌issionais de notória especialização, formulou
diversas sugestões acrescidas aos dispositivos do anteprojeto do governo, concluído em
abril de 1991.
Nesse passo, a Presidência de República, após aceitar integralmente o antepro-
jeto do governo, encaminhou o texto ao Congresso Nacional, através da mensagem
7. Cf. SIMÕES, Geraldo Beire. “Elaboração, tramitação legislativa e acordos políticos da Lei 8.245/91”, mimeo.

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