Aspectos gerais do sistema de marcas: o registro e o risco de confusão

AutorAndré Luís Amoroso de Lima
Páginas203-219

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1. Escorço histórico

Há quem sustente que o surgimento da marca, no seu sentido mais simples, como sendo um sinal aposto para identificar e distinguir objetos semelhantes, deu-se conco-mitantemente ao aparecimento do homem. Observe-se que os sinais nas polpas dos dedos de cada ser humano (impressões digitais) servem como meio de identificação e distinção individual (Soares, 1988, p. 7).

Apesar da sua existência remota, em princípio, as marcas não tinham a mesma finalidade que lhes é atribuída atualmente, utilizadas para identificar e individualizar produtos e/ou serviços a fim de que não se confundam com outros similares. A história nos revela, por exemplo, a aposição do nome de Rarmés III em seus inimigos, cuja finalidade era identificar os resultados de suas conquistas. Na Antiguidade, usavam-se marcas no gado, nas ferramentas de trabalho e em outros objetos, como sinais de propriedade.

É certo que os artífices gregos gravavam sinais nos objetos que produziam, seja como uma tendência natural do ser humano de impor às suas criações o cunho de sua personalidade ou então de marcá-los como identificação de propriedade. Acontece que este é um costume difundido desde os povos primitivos, não podendo ser emprestado o mesmo caráter económico hoje dado às marcas de empresa.

Não obstante, é na Idade Média, com o substancial desenvolvimento do comércio, que o uso de marcas passou a individualizar a grande variedade de produtos colocados à venda nas feiras e rotas de comércio. Elas identificavam os produtos de acordo com as respectivas corporações de

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ofício de onde se originavam; afinal, lá nas corporações os produtos eram submetidos a exame e aprovação, garantindo com isso a sua qualidade aos compradores.

Pois bem. Como a lemos hoje, a marca conquista relevância após a Revolução industrial, justamente em razão do desenvolvimento da indústria em todos os seus setores e do emprego de novos métodos de trabalho para auferir-se maiores ganhos. A proliferação acentuada das indústrias, com a produção em série, deu ensejo a uma grande variedade de produtos semelhantes, que necessariamente demandaram a criação de mecanismos de identificação para distingui-los uns dos outros.

Não bastasse o desenvolvimento industrial já mencionado, a implementação do modelo económico capitalista consolidou um mercado altamente competitivo. Daí depreende-se o interesse do empresário de apresentar ao mercado o padrão impresso na confecção dos seus produtos. A finalidade é reunir uma clientela que possa ser a razão da sua atividade económica. As pessoas só elegem determinado produto para consumir, por entender que ele é satisfatório a suprir as suas necessidades. Depois de estabelecida a credibilidade no produto, o consumidor se torna fiel a ele, passando amiúde a consumi-lo. A identificação de cada produto junto aos consumidores se tornou possível com o emprego da marca em seus rótulos e embalagens.

Além disso, convém salientar que os resultados obtidos no desenvolvimento de um determinado produto dependem do esforço que cada empresário emprega na sua realização. A utilização de sistemas de trabalho diferenciados, a qualificação do trabalhador contratado, a matéria-prima empregada, enfim, os meios e as formas conforme são realizadas a sua produção, individualizam cada produto. Essa individualização também se efetiva mediante a aposição das marcas.

Veja-se então que todo o esforço empregado pelo empresário de boa-fé na ex-ploração da sua atividade económica é merecedor de proteção pelo ordenamento jundico, principalmente visando a evitar que o empresário desleal se utilize conceito dos produtos do concorrente na promoção dos seus.

Como já foi dito, devem ser consideradas as diuturnas elucubrações em torno da exploração económica, os desgastes físico e intelectual do empresário, e todo o capital despendido na busca incessante de resultados satisfatórios da atividade empresarial. Não se pode tolerar, assim, que o ato desleal de se colocar um produto no mercado com a utilização da boa reputaçãodo produto alheio, assinalando-o com marca idêntica, possa prevalecer.

De outro modo, os efeitos do uso indevido de marca alheia na promoção de produtos de falsa procedência alcançam interesses coietivos (dos consumidores), inclusive. Como a função do sinal distintivo é identificar dentre outros semelhantes o pretenso produto e/ou serviço ao consumo, quer por sua qualidade ou por qualquer outro motivo, é certo que haverá violação de direitos, se acaso ele não corresponda àquele de fato eleito pelo consumidor. Ora, o consumidor elege determinado produto e/ou serviço, por entender satisfatório a suprir as suas necessidades; agora, tamanho desrespeito ê o empresário malicioso levá-lo a consumir um produto e/ou serviço distinto daquele realmente pretendido, com a aposição de marca alheia.

Pelo visto, a marca chega em nossos dias com traços bem distintos daqueles ou-trora adotados pelos povos primitivos. Desde que utilizada na Idade Média como marca de empresa, para distinguir os produtos vendidos nas feiras e rotas comerciais, tendo daí sim aferido relevância económica, houve uma maior preocupação por parte dos então comerciantes, que justificasse a sua regulamentação pelo Direito. Com isso, a cada dia se tem aprimorado os estudos acerca desses sinais, fundando-se sempre na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, para efeito de proporcionar uma

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convivência digna, conforme os ditames da justiça social.

2. Propriedade intelectual —Direito autoral e propriedade industrial

Da relação existente entre o ser humano e os bens dispostos na natureza, para efeito de que as necessidades da vida sejam supridas, tanto as materiais como as espirituais, decorre atividade criadora. Contudo, ora essa criação está no campo da técnica e ora no da estética (Silveira, 1998, p. 3).

Observe-se que para o exercício profissional de atividade económica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, o empresário, mediante mobilizações físicas e intelectuais, organiza bens da natureza, transmitindo para a empresa a sua própria impressão pessoal. Neste caso, a criação está no campo da técnica, porque, o produto dos seus esforços supre exclusivamente as necessidades materiais de sobrevivência do ser humano, com a produção ou a circulação de bens ou serviços.

Já é diferente do que ocorre com as obras artística, literária ou científica, cuja atívidade criadora constitui obra de satisfação do espírito humano e de estimulação do sentimento estético. O artista, por exemplo, ao executar a pintura de uma determinada tela, produz para a satisfação espiritual, tanto que se preocupa com o estudo racional do belo.

A capacidade criadora do ser humano se desenvolve ora no campo da técnica, quando se busca a aplicação prática da criação no mundo exterior, material, e ora no campo da estética, quando os efeitos da criação são gerados no mundo interior da percepção humana.

Pois bem: delineados os campos da indústria e da arte, literatura e ciência, de acordo com os resultados da criatividade humana, o Direito reserva a tutela ao tra-balho intelectual, genericamente chamado Direitos da Propriedade Intelectual, dividindo a proteção jurídica em: Direito de Autor e Propriedade Industrial.

As criações no campo da estética são protegidas pelo Direito Autoral e as criações no campo da técnica pelo Direito da Propriedade Industrial, sendo diferenciados juridicamente nos seguintes aspectos:

  1. quanto à origem do direito:

    O empresário se torna titular do uso exclusivo da marca ou de qualquer outro bem da propriedade industrial (invenção, modelo de utilidade, desenho industrial), tão-somente após a expedição do certificado de registro ou da carta patente pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Isto significa dizer que o ato administrativo pelo qual o empresário tem reconhecido o seu direito industrial é de natureza constitutiva.

    De outro modo, o direito de exclusividade do criador de obras artística, literária ou científica decorre da mera criação. Vale dizer: o registro junto aos órgãos competentes de obras artística, literária ou científica é de natureza declaratória, apenas ratifica um direito já constituído com o exercício da atividade criativa. Nesse caso, a finalidade do registro é apenas compro-batória da anterioridade da criação.

  2. quanto à extensão da tutela jurídica:

    Enquanto o Direito Autoral protege a forma, a ideia exteriorizada, a Propriedade Industrial procura proteger não apenas a forma, mas a própria ideia inventiva.

    O escritor de uma obra literária, por exemplo, não incorrerá em plágio se publicar um livro, abordando sobre tema dantes escrito, desde que a sua forma seja outra. Não é original o tema...

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