Aspectos jurídicos das rádios comunitárias

AutorWesley Correa Carvalho
Páginas11-113
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 11
AspeCtos JurÍdICos dAs rÁdIos
ComunItÁrIAs
3.1 deFInIção JurÍdICA de rÁdIo ComunItÁrIA
Juridicamente falando, o que são rádios comunitárias?
Art. 1º Denomina-se Serviço de Radiodifusão Comunitária a
radiodifusão sonora, em frequência modulada, operada em
baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e
associações comunitárias, sem ns lucrativos, com sede na lo-
calidade de prestação do serviço.
§ 1º Entende-se por baixa potência o serviço de radiodifusão
prestado à comunidade, com potência limitada a um máximo
de 25 watts ERP e altura do sistema irradiante não superior a
trinta metros.
§ 2º Entende-se por cobertura restrita aquela destinada ao aten-
dimento de determinada comunidade de um bairro e/ou vila.25
As emissoras comunitárias transmitem apenas em frequência
modulada (FM), essa transmissão atinge um raio de cobertura me-
nor, porém é mais simples e menos custosa do que em amplitude
modulada (AM).
Elas estão limitadas a uma potência máxima de 25 Watts de
Efetivo Poder Radiado (ERP); e sistema irradiante é o nome do
25 BRASIL, 1998a.
3
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12
conjunto formado por transceptor, linha de transmissão e antena,
não excedendo 30 metros de altura.26
A extensão da cobertura restrita foi xada em um raio de até
mil metros, a partir do sistema irradiante, pelo artigo 6º do anexo
do Decreto Federal nº 2.615/98.27
Enm, pode-se denir uma rádio comunitária como uma es-
tação de rádio FM, com potência de até 25 Watts ERP, mantida por
fundação ou associação, sem ns lucrativos, criada na forma da lei
civil e autorizada pelo poder público à exploração do serviço de ra-
diodifusão comunitária.
Não se pode esquecer de que existem rádios comunitárias le-
galizadas adotando modelos e comportamentos típicos da radiodi-
fusão comercial, em nada observando a legislação do setor. Alguns
dizem não se tratar de verdadeiras comunitárias, mas de rádios co-
merciais disfarçadas.28 A dúvida é: suas licenças deveriam ser cas-
sadas? Não nos atrevemos a fazer uma armação tão contundente,
pois, mesmo afastadas de suas origens, essas pseudocomunitárias
cumprem a missão de informar. Esse desvio de conduta de algumas
emissoras deve-se ao fato de que:
[...] até o momento, a scalização tem se concentrado mais na
situação jurídica e técnica da emissora (se está autorizada e
se segue os padrões de potência e frequência) do que no cum-
primento das nalidades do serviço e de sua programação. A
scalização técnica do espectro – que cabe à Anatel (órgão
regulador das telecomunicações, vinculado ao Ministério das
Comunicações, mas com autonomia) em conjunto com a Polí-
cia Federal (subordinada ao Ministério da Justiça) – tem sido
mais ecaz do que o acompanhamento da programação, que
cabe ao Ministério das Comunicações.29
26 BRASIL. : como instalar uma rádio comuni-
tária. Manual de orientação. Redação e revisão: Adalzira França Soares de Lucca. Brasí-
lia: Ministério das Comunicações, [s/d].
27 BRASIL. -     . Anexo. Aprova o
Regulamento do Serviço de Radiodifusão Comunitária. Disponível em:
planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/D2615.htm>. Acesso em: 31 maio 2013.
28 BAHIA, Lílian Mourão. : mobilização social e cidadania na
reconguração da esfera pública. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008.
29 SILVA, Terezinha. : um panora-
ma do estado de Santa Catarina Chapecó-SC: Argos, 2008. p. 92.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 13
Apesar de a Lei nº 9.612/98 não ter estabelecido quaisquer
prioridades na scalização, as autoridades parecem as ter elegido
por si próprias e com muita convicção.
Muitas tentativas já houve de classicar as pequenas emisso-
ras em: piratas, livres, clandestinas, comunitárias etc... Todas sem
sucesso, pois nunca se chegou a um consenso. Preferimos escapar a
essa discussão, de interesse somente das rádios comerciais.
3.2 As normAs do setor de rAdIodIFusão ComunItÁrIA
A análise de aspectos jurídicos relevantes e controversos cons-
titui o objetivo central desta obra, pois ter consciência de um pro-
blema é seguramente o primeiro passo rumo à solução. Porém, não
temos como fazê-la prescindindo do exame de normas jurídicas ati-
nentes ao assunto.
As rádios comunitárias são regidas pelo art. 223 da Constitui-
ção Federal (CF/88),30 pela Lei Federal nº. 9.612/98,31 pelo Decreto
nº 2.615/98, pela Portaria de nº 462/2011, alterada pela Portaria
de nº 197/2013, do Ministério das Comunicações (MC), pela Reso-
lução Anatel nº 67/98, pelas Leis Federais nº 9.472/97, 6.634/79
e 4.117/62, e pelos Decretos nº 85.064/80 e 52.795/63. Isso não
signica dizer estarem livres das legislações federal, estadual e mu-
nicipal remanescentes.
Além disso, porquanto geridas por pessoas jurídicas de direito
privado, fundações ou associações, as rádios comunitárias devem
observar as regras de seus próprios estatutos sociais.
Passemos à análise das normas reguladoras do setor, desta-
cando os aspectos mais interessantes.
Art. 223 da CF/88 – Nada diz sobre radiodifusão comunitá-
ria, mas arma: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar
30 BRASIL.   . Promul-
gada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:
constituicao/constituicaocompilado. htm>. Acesso em: 8 jul. 2013.
31 BRASIL, 1998a.
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concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão
sonora e de sons e imagens [...]”,32 e a ele faz menção o art. 2º da Lei
nº 9.612/98.
Lei Federal nº 9.612/98 – Surgiu dos reclamos da sociedade
civil e radioamadores, apesar da ferrenha resistência de alguns se-
tores políticos e da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão (ABERT).33 Antes de sua edição, as rádios comunitárias
transmitiam clandestinamente ou por sistema de alto-falantes.34
De 27 artigos, a Lei Federal nº 9.612/98 foi publicada em
data de 20 de fevereiro de 1998 e regulamentada pelo Decreto
nº 2.615/98, de 03 de junho daquele mesmo ano, e alterada pela
ainda pela Lei nº. 10.597/2002, de 11 de dezembro de 2002. A Lei
nº 9.612/98 dene o serviço de radiodifusão comunitária, estabele-
ce as suas nalidades, traça-lhe os princípios e diretrizes norteado-
ras e lhe impõe a maior parte das proibições.
Decreto nº 2.615/98 – Editado com o propósito de regula-
mentar a Lei nº 9.612/98. O decreto é vazio, servindo apenas de
veículo ao seu anexo, o Regulamento do Serviço de Radiodifusão
Comunitária (RSRC), que no art. 6º xa em um quilômetro o limite
de cobertura das transmissões.35
O RSRC repete comandos da lei por ele disciplinada e estabe-
lece denições técnicas, bem como procedimentos para a obtenção e
renovação de autorização, instalação e execução dos serviços.
Medida Provisória nº 2.216-37/2001 – Permite a expedição
de autorização provisória de funcionamento, quando da excessiva
demora na apreciação do ato de outorga de rádio comunitária pelo
Congresso Nacional.
32 BRASIL, 1988.
33 A Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) é apontada por
diversos autores e ativistas não somente como a grande responsável por uma ostensiva
campanha publicitária deagrada contra as rádios piratas, sob a acusação de seu sinal
radiofônico derrubar avião, mas também como uma poderosa manipuladora da política
nacional em detrimento dos interesses das rádios comunitárias.
34 COGO, 1998.
35 BRASIL, 1998b.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 15
Portaria nº 462/2011 – Repete instruções da Lei nº 9.612/98
e detalha os procedimentos do Decreto nº 2.615/98. Conceitua apoio
cultural, não explicado na Lei nº 9.612/98 e o estabelece como única
forma lícita de contraprestação pelos serviços das rádios comunitárias.
Por detalhar o Decreto nº 2.615/98, essa norma estabelece
um roteiro completo de procedimentos burocráticos, com modelos
dos requerimentos necessários à obtenção de autorização de radio-
difusão comunitária.
A esse propósito, o MC lançou uma cartilha com instruções
detalhadas de como montar uma rádio comunitária, com informa-
ções sobre a aquisição, instalação e operação dos equipamentos.
Tudo em linguagem simples, direta e acessível.36
Recentemente, a Portaria nº 462/2011 foi alterada pela Porta-
ria nº 197/2013, reconhecendo-se o direito de rádios comunitárias
receberem apoio cultural de entes públicos.
Lei Federal nº 4.117/62 – Trata-se do Código Brasileiro de
Telecomunicações (CBT). É apontado pela Lei nº 9.612/98 como
norma de aplicação a ela subsidiária, servindo, inclusive, para xar
o valor de suas multas.
Lei nº 6.634/79 Dispõe sobre a faixa de fronteira, denindo-a
como uma faixa de 150 km de largura, traçada paralelamente à li-
nha da divisa do Brasil com outros países, e considerada indispen-
sável à segurança nacional. Essa lei, em seu art. 2º, inc. I submete
ao assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional (CSN),
entre outras atividades, a exploração do serviço de radiodifusão na
fronteira. A rádio comunitária deve obter de antemão a anuência do
CSN para só depois buscar a autorização provisória do Ministério
das Comunicações.
Decreto nº 85.064/80 – Regulamenta a Lei nº 6.634/79 dis-
pondo sobre faixa de fronteira e estabelece as regras para a obten-
ção do assentimento prévio.
Lei Federal nº 9.472/97, Lei Geral das Telecomunicações
(LGT) – Embora essa lei não seja sequer mencionada pela Lei
36 BRASIL, [s/d].
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nº 9.612/98, é de conhecimento obrigatório, pois cria a Agência Na-
cional de Telecomunicações (ANATEL)37 e estabelece as penas do
crime de radiodifusão clandestina.38
Decreto nº 52.795/63 – Regulamenta os serviços de radiodi-
fusão.
Resolução Anatel nº 67/1998 – Estabelece o Regulamento
Técnico para Emissoras de Radiodifusão Sonora em Frequência
Modulada (RTERSFM).
A legislação federal do assunto praticamente aqui se esgota,
mas isso não exime as emissoras comunitárias de obedecerem a ou-
tras normas federais, ainda que não guardada relação direta com a
radiodifusão, cite-se, como exemplo, o fato de as fundações e asso-
ciações serem criadas, mantidas e geridas de acordo com a lei civil.
Legislação estadual e legislação municipal – É competência da
União legislar sobre telecomunicações e radiodifusão, a teor do dis-
posto no art. 22, inc. IV da CF/88, competência somente delegável
aos estados mediante a edição de Lei Complementar (LC). Por isso,
serão nulas as leis estaduais e municipais sobre radiodifusão.
Mas, isso não livra as rádios comunitárias de seguirem as
leis estaduais e municipais editadas nos limites de suas respectivas
competências legislativas. Dessa forma, o Código Estadual do Meio
Ambiente (CEMA) e o Código Tributário Municipal (CTM), princi-
palmente, são leis que os gestores das emissoras precisam conhecer
e respeitar.
Estatuto social – Os atos constitutivos das fundações e asso-
ciações mantenedoras de rádios comunitárias não podem ser vistos
como mera exigência legal. Eles devem ser entendidos como norma
37 Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) é autarquia federal especial criada
pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT), Lei nº 9.472/97, cuja missão é promover o
desenvolvimento das telecomunicações do país. Herdou do Ministério das Comunicações
os poderes de regulamentação e scalização das telecomunicações brasileiras (AGÊNCIA
NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES. . Disponível em:
anatel.gov.br/Portal/exibir PortalInternet.do>. Acesso em: 08 jun. 2013b).
38 BRASIL.  . Dispõe sobre a organização dos
serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros
aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Disponível
em: . Acesso em: 10 jun. 2013.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 17
vigente, merecedora de cumprimento. É comum os estatutos esta-
belecerem o caráter voluntário da prestação de serviços por seus as-
sociados e dirigentes, enquanto na prática, eles são remunerados.
Isso pode gerar efeitos catastrócos.
Para alterar seus estatutos, as emissoras comunitárias não de-
pendem do MC, ou da Anatel, uma vez mantidas as condições para
a outorga do serviço. A instituição deve, porém, encaminhar à agên-
cia, para ns de controle, as alterações ou a ata de eleição de nova
diretoria, devidamente registradas ou averbadas, dentro de 30 dias
a contar de sua realização.39
No entanto, a emissora situada na faixa de fronteira necessita
de prévia autorização da Secretaria Executiva do Conselho de Defe-
sa Nacional da Presidência da República (SECDNPR) para realizar
tais alterações.40
3.3 os prImeIros proBlemAs
Antes mesmo de começar a transmitir, já nos deparamos com
controvérsias jurídicas. A Lei nº 9.612/98, no § 1º de seu art. 1º,
estabelece que a altura do sistema irradiante (transceptor, linha de
transmissão e antena) deve ser, no máximo, de 30 metros.41 Essa
regra visa impedir a emissora de transmitir para outras localidades,
perdendo, assim, o seu caráter comunitário.
Embora a Lei nº 9.612/98 xe a altura da antena em 30 me-
tros, nada diz da altitude do terreno.
Contudo, a Portaria 462 do MC estabelece no item 19.2.5.1: “A
cota do terreno (solo) no local de instalação do sistema irradiante
não poderá ser superior a trinta metros, com relação à cota de qual-
quer ponto do terreno no raio de um quilômetro em torno do local
do sistema irradiante”.42
39 BRASIL, [s/d].
40 BRASIL, [s/d].
41 BRASIL, 1998a.
42 BRASIL, 1998a.
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Sabe-se que a instalação do sistema em terreno de altitude su-
perior a das áreas circunvizinhas, um morro ou colina, por exemplo,
pode ampliar o raio de transmissão. Mas a desobediência ao limi-
te acima imposto pode sujeitar a rádio comunitária às penalidades
previstas no art. 38 do RSRC.
O relevo pode facilitar a propagação do sinal, mas também
pode dicultá-la quando a antena estiver instalada em terreno si-
tuado em depressão relativa.43
Instalar repetidores de sinal em locais distantes com o pro-
pósito de retransmitir o sinal de baixa potência fere o disposto no
§ 2º do art. 1º da Lei nº 9.612/98 e no art. 6º do RSRC. Trata-se de
prática perigosa e desaconselhável.
Analisemos agora a questão: como impedir o sinal de ultra-
passar o limite de um quilômetro de raio? Como freá-lo após esse
trajeto? Não há como. Por esse motivo, a exigência do art. 6º do
RSRC é impraticável.
Talvez por isso as autoridades nunca tenham exercido uma
rígida scalização sobre sua observância, limitando-se a vericar a
obediência das emissoras à potência máxima permitida de 25 Watts
ERP. Nesse sentido, a Portaria nº 197/2013 do MC, alterou a Por-
taria nº 462/2011, para estabelecer: “A depender de característi-
cas geográcas e urbanísticas e mantidas as condições técnicas da
autorização, o sinal da emissora poderá ultrapassar o raio de um
quilômetro”.44
Isso era o mais certo a se fazer, anal, o art. 13, inc. III do Pac-
to de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (CADH), de 22 de novembro
43 BRASIL.  . Aprova a Norma nº 1 de
2011, que dispõe sobre os procedimentos e critérios de seleção das entidades interessa-
das na execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária. Disponível em:
legisweb.com.br/legislacao/?legislacao= 233632>. Acesso em: 10 jun. 2013.
44 BRASIL.Estabelece data limite para a
apresentação de pedido de renovação de outorga de serviço de radiodifusão comunitária
e altera a Norma nº 1/2011, aprovada pela Portaria nº 462, de 14 de outubro de 2011.
Publicada no Diário Ocial da União de 2 de julho de 2013. Disponível em:
www.mc.gov.br/legislacao/por-tipo/portarias/portaria-n-197-de-1-de-julho-de-2013>.
Acesso em: 30 maio 2013.
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de 1969, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 678/92, estabelece
relativa restrição ao controle estatal dos meios de comunicação.
Artigo 13.3. Não se pode restringir o direito de expressão por
vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles o-
ciais ou particulares de papel de imprensa, de frequências ra-
dioelétricas ou de equipamentos usados na difusão de infor-
mação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a
comunicação e a circulação de ideias e opiniões.45
Portanto, o RSRC, sem as alterações promovidas pela Portaria
MC 197/2013, afronta o texto da CADH que, segundo o Supremo
Tribunal Federal (STF), encontra-se em posição hierárquica ime-
diatamente inferior à CF/88 e superior às demais normas, ou seja,
possui natureza supra legal.
PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS
TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS.
INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO
ART. 50 DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSI-
ÇÃO HIERÁRQUICO - NORMATIVA DOS TRATADOS IN-
TERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENA-
MENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil,
sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Di-
reitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7),
ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil
do depositário inel, pois o caráter especial desses diplomas
internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar es-
pecíco no ordenamento jurídico, estando abaixo da Consti-
tuição, porém acima da legislação interna. O status normativo
supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos
subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infracons-
titucional com ele conitante, seja ela anterior ou posterior ao
ato de adesão. [...] RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHE-
CIDO EM NÃO PROVIDO.46
45 CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS.    
: anexo. 1969. Disponível em:
decreto/1990-1994/anexo/ and678-92.pdf >. Acesso em 09 jun. 2013.
46 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.  . RE
349703/RS. Itaú Unibanco S/A e Armando Luiz Segabinazzi. Relator: Ministro Ayres
Brito. Brasília. 03 dez. 2008. DJe 05 jun. 2009a. p. 00675.
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20
Agora, vamos mostrar como essa limitação de raio de trans-
missão pode ser perniciosa.
O Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE) es-
tabeleceu a densidade demográca brasileira, no ano de 2010, em
22,43 h/km²; 47 isso signica, em média, que cada quilômetro qua-
drado do território nacional tem menos de 23 habitantes. Impensá-
vel, dessa maneira, uma rádio comunitária para atender esse dimi-
nuto quantitativo.
A cidade de São Paulo, por sua vez, conta com uma densidade
demográca de 7.387,69 h/km².48
Isso explica porque as rádios comunitárias não obtêm êxito
no meio rural, mas apenas nos centros urbanos, pois, nas cidades,
os índices de densidade demográca são mais elevados que a média
nacional enquanto, no campo, eles se situam bem próximos a ela.
Esse dado também elucida a modesta presença das emissoras co-
munitárias no norte do país.
Há centros urbanos onde uma comunidade ocupa espaço, em
muito, superior ao raio de um quilômetro e, ainda assim, mantém
uma mesma identidade sociocultural.
Seria uma comunidade um grupo de pessoas em um círculo
de um quilômetro? Ou um conjunto de indivíduos a compartilhar
determinado ambiente e com características em comum? Para bem
da verdade, os sociólogos não chegam a um consenso a esse respei-
to.49 Mas as autoridades executivas poderiam ter adotado um cri-
tério mais exível para a determinação da área de abrangência das
rádios comunitárias, pois o atual está privando muitos brasileiros
dos seus benefícios.
47 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). 
. 2010a. Disponível em:
aspx?vcodigo=POP117&t= densidade-demograca>. Acesso em: 10 jun. 2013.
48 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). :
São Paulo, 2010b. Disponível em:
php?codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulo>. Acesso em: 10 jun. 2013.
49 BAHIA, 2008.
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3.4 uso de Alto-FAlAntes, rÁdIo poste
A legislação não prevê – tampouco proíbe – o uso de alto-fa-
lantes para a veiculação da programação das rádios comunitárias e,
muitas destas, até mesmo por uma questão de apego a suas raízes,
continuam a se valer desse meio de comunicação com a população.
Anal, como já dissemos, muitas emissoras comunitárias surgiram
dessa forma, com alto-falantes instalados em vias públicas. Naquela
época, elas careciam de regulamentação e dicilmente obteriam au-
torização governamental para a transmissão de sinal de rádio.
Porquanto mantidas e geridas por pessoas jurídicas de direi-
to privado, conclui-se poderem as rádios comunitárias fazer tudo o
que a lei não lhes proíba, situação bem diferente da dos entes pú-
blicos, aos quais somente é permitido fazer o determinado em lei.50
Daí porque, apesar da inexistência de previsão legal nesse sentido,
entendemos ser legal o uso de alto-falantes.
Contudo, as emissoras devem cercar-se de todos os cuidados
possíveis para não perturbarem a ordem pública e o sossego das
pessoas. Os ouvintes de alto-falantes não têm a faculdade de desli-
gá-los ou de mudar de estação. Assim, deve-se evitar sua instalação
próxima a hospitais, escolas e igrejas, bem como o seu uso após os
horários permitidos e fora dos níveis de ruído autorizados pelas le-
gislações estadual e municipal.
50 Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que o regime jurídico das entidades sem ns
lucrativos é híbrido, ou seja, uma mistura do regime jurídico de direito privado com o
de direito público, pois essas entidades recebem tratamento especial do Estado (DI PIE-
TRO, Maria Sylvia Zanella.  23 ed. São Paulo: Atlas, 2010).
Não concordamos com essa assertiva, pois as microempresas também recebem trata-
mento diferenciado e ninguém duvida de sua sujeição ao regime jurídico de direito pri-
vado. Preferimos o posicionamento de Gustavo Alexandre Magalhães, para quem “[...]
A incidência de normas de direito público ocorrerá somente nas situações em que haja
celebração de convênios administrativos e incidirá exclusivamente sobre as relações ju-
rídicas decorrentes do convênio” (MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. 
. São Paulo: Atlas. 2012. p. 66).
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3.5 VeICulAção dA progrAmAção nA Internet, rÁdIo weB
É lícita a veiculação da programação na internet? A esse res-
peito, a legislação nada informa. Portanto, não podemos dizer ser
proibido. Mas recomendamos, na medida do possível, às emissoras
procurar hospedar sua home-page em servidor situado dentro de
sua área da abrangência, em reverência ao disposto no § 2º da Lei
nº 9.612/98 e no art. 6º do RSRC.
3.6 AutorIzAção proVIsórIA
Ao prever que a radiodifusão obedecerá ao disposto no art.
223 da CF/88, o art. 2º da Lei nº. 9.612/98 incumbiu o Poder Exe-
cutivo Federal de outorgar, no prazo de 45 dias, a autorização de
serviço público. No entanto, a apreciação dessa outorga pelo Con-
gresso Nacional é demorada em virtude da organização das pautas
de votação e dos períodos de recesso legislativo.
Para impedir prejuízo à criação de rádios comunitárias, foi
editada a Medida Provisória nº 2.216-37/200, ela acresceu parágra-
fo único ao art. 2º da Lei nº. 9.612/98 e permitiu ao MC a expedição
de autorização provisória de funcionamento, quando da excessiva
demora na análise da outorga pelo Poder Legislativo Federal.
Uma vez ultrapassado os 45 dias dessa apreciação, abre-se
para a entidade interessada possibilidade de solicitar ao MC sua au-
torização provisória de serviço público.
O jurista Saulo Ramos denunciava o fascínio do brasileiro
por tudo o que é provisório, pois entre tantos badulaques jurídi-
cos, como a extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira (CPMF), até mesmo a República teria sido proclamada
provisoriamente.51 No caso das rádios comunitárias, esse gosto pelo
transitório veio a calhar, ainda bem.
51 RAMOS, Saulo. . 2. ed. São Paulo: Planeta, 2007.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 23
Em alguns casos, há também atraso no exame pelo MC do
requerimento de autorização provisória, isso tem levado algumas
instituições a pleiteá-la judicialmente. Mas, o Poder Judiciário
costuma negar-se a deferir, ele próprio, a autorização provisória,
por entender que assim estaria usurpando função do órgão pú-
blico competente.
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO
DE SEGURANÇA. RÁDIO COMUNITÁRIA. DEMORA NA
APRECIAÇÃO DE REQUERIMENTO PROTOCOLADO EM
2005. FUNCIONAMENTO SEM AUTORIZAÇÃO DA AD-
MINISTRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA
ORDEM. 1. Tratando-se de ação mandamental preventiva e,
sendo certo que a autorização para o funcionamento de rádios
comunitárias esteja submetida ao preenchimento de condi-
ções que devem ser aferidas pelo Poder Concedente, cumpri-
do o rito previsto na Lei nº 9.612/98, não pode o Judiciário
substituir-se aos órgãos responsáveis pela concessão deste
serviço, autorizando-o preventivamente, sobretudo quando
não comprovado qualquer abuso ou ilegalidade. Preceden-
tes: STJ, AgRg no AgRg no REsp 1043779/SC, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, jul-
gado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012; STJ, REsp 1058938/
MG, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 27/08/2012; STJ,
AgRg no REsp 1169530/RS, Rel. Ministro VASCO DELLA
GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS),
SEXTA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 13/10/2011;
TRF1, AMS 0001481-80.2008.4.01.4000 / PI, Rel. DESEM-
BARGADOR FEDERAL CARLOS MOREIRA ALVES, SEXTA
TURMA, e-DJF1 p.702 de 09/12/2011; TRF1, AMS 0005708-
86.2007.4.01.3600 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDE-
RAL DANIEL PAES RIBEIRO, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL
CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO (CONV.), SEXTA
TURMA, e-DJF1 p.360 de 14/09/2009. 2. Sentença reforma-
da. 3. Apelação e remessa providas.52
52 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Primeira Região. 
   . AMS 2007.37.00.007203-0/MA. Associação dos l-
hos e amigos de Santa Quitéria do Maranhão e Agência Nacional de Telecomunicações
(ANATEL). Relator: Desembargador Federal José Amilcar Machado. Brasília, 15 abr.
2013. e-DJF1. p. 929. 26 abr. 2013b.
Wesley Correa Carvalho
24
Em ocasiões excepcionais, os julgadores xam prazo razoável
para o MC apreciar o pedido, após o qual os agentes públicos respon-
sáveis pela demora estarão sujeitos a sanções processuais e penais.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXPLORAÇÃO
DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. AUTO-
RIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO. IMPRESCINDIBILI-
DADE. DEMORA NA ANÁLISE DE PEDIDO DE AUTORI-
ZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO. FIXAÇÃO DE PRAZO
RAZOÁVEL. 1. Com base nos princípios da moralidade e
da eciência, é possível a excepcional intervenção do Poder
Judiciário, a m de determinar que a autoridade competen-
te aprecie o pedido de outorga de funcionamento da rádio
comunitária, com a xação de prazo razoável. Precedentes.
2. Estabelece a Constituição Federal a competência da União
para explorar, diretamente ou mediante autorização, conces-
são ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora de sons
e imagens (art. 21, XII, da CF/88). 3. “A falta de autorização
do Poder Público desautoriza o funcionamento de rádio co-
munitária. Mero pedido de autorização para funcionar, junto
ao órgão competente, não propicia a aquisição de nenhum
direito, senão a uma simples expectativa, cujo implemento
dependerá de a rádio comunitária atender aos pressupostos
previstos em lei, para o seu funcionamento”.53
Esse entendimento já foi conrmado pelo Superior Tribunal
de Justiça (STJ), segundo o qual o exame dos requisitos para a con-
cessão de autorização provisória comunitária não pode perdurar
por tempo indenido.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO RE-
GIMENTAL. AUTORIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DE
RÁDIO COMUNITÁRIA. DISCRICIONARIEDADE ADMI-
NISTRATIVA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO
DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. A jurisprudência des-
ta Corte Superior é no sentido de que, embora deva ser caso de
respeitar a discricionariedade técnica na presente hipótese, é
53 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Primeira Região.  
. AC 2004.38.03.002158-2/MG. Associação Benecente e Cultural Co-
munitária do São Gabriel e União Federal. Relatora: Desembargadora Federal Selene
Maria de Almeida. Brasília, 13 set. 2010. e-DJF1. p. 108. 17 set. 2010a.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 25
fato que a análise dos requisitos para a outorga da autorização
de funcionamento de rádio comunitária não pode perdurar
por tempo indeterminado, situação que conguraria verda-
deira deferência ao abuso de direito, devendo ser xado prazo
para a completa análise do pedido formulado administrativa-
mente. 2. Ocorre que, no presente caso, pela leitura da petição
inicial (. 04/10) e conforme mencionado pela ora agravan-
te, a agravada/autora não formulou pedido para que o Poder
Judiciário xasse prazo para o pronunciamento da Adminis-
tração acerca do requerimento de autorização para o funcio-
namento de rádio comunitária, fato que inviabiliza a adoção
de tal providência, na esteira do princípio da demanda. Pre-
cedentes: AgRg no Ag 1393653/RS, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/06/2011,
DJe 10/06/2011; REsp 1123343/RS, Rel. Ministro CASTRO
MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe
15/10/2010; EREsp 1100057/RS, Rel. Ministra ELIANA
CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe
10/11/2009. 3. Agravo regimental provido.54
Todavia, muitos comunicadores impacientes com a demora da
autorização provisória, deixam de pleiteá-la judicialmente e iniciam
suas atividades clandestinamente, sujeitando-se a sérios riscos.55
3.7 ConCessão e AutorIzAção de serVIço púBlICo
Concessão e permissão de serviço público envolvem um con-
trato, enquanto a autorização constitui um ato administrativo. Tam-
bém se arma serem concedidos os serviços públicos e autorizados
os serviços privados.
Sobre a diferenciação entre concessão e permissão, de um
lado, e autorização de serviço público de outro, o administrativista
Carvalho Filho ensina:
54 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.    
 . AgRg no AgRg no REsp 1043779/SC. Agência Nacional de
Telecomunicações - ANATEL e Associação Cultural e Comunitária Nova Brasília de
Comunicações. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Brasília. 13 nov. 2012.
DJe 21 nov. 2012a.
55 BRASIL, 1997a.
Wesley Correa Carvalho
26
Na verdade, não há autorização para a prestação de serviço
público. Este ou é objeto de concessão ou de permissão. A au-
torização é ato administrativo discricionário e precário pelo
qual a administração consente que o indivíduo desempenhe
atividade de seu exclusivo ou predominante interesse, não se
caracterizando a atividade como serviço público.56
Curiosamente, o art. 6º da Lei 9.612/98 diz que a exploração
do serviço de radiodifusão comunitária dar-se-á mediante autori-
zação de serviço público, portanto um serviço privado, enquanto
as rádios comerciais, conforme o Decreto nº 52.795/63, funcionam
mediante concessão, constituindo-se em serviço público. Isso é em-
baraçoso, pois uma rápida comparação do art. 3º da Lei 9.612/98
com o art. 3º do Decreto nº 52.795/63 demonstra o atendimento
do interesse público de forma muito mais eciente pelas rádios co-
munitárias do que pelas emissoras comerciais. Para ilustrar nossa
observação, vale transcrever o dizer de Ghedini:
O papel das rádios comunitárias em oferecer alternativas aos
jovens atraídos pelo tráco, para citar um exemplo, já foi re-
conhecido pela ONU. ao premiar a Rádio Favela. E é tema
constante das verdadeiras emissoras comunitárias e livres.
Muitas emissoras do segmento da radiodifusão comercial es-
tão, dessa forma, em forte dívida com o País no que diz res-
peito ao seu papel no desenvolvimento das oportunidades de
comunicação para a população e no respeito à vida.57
Quando da edição de Lei nº 9.612/98, a radiodifusão comuni-
tária foi erroneamente enquadrada como serviço privado em decor-
rência de um tecnicismo exagerado da literatura jurídica. Verica-se
um descompasso entre o direito administrativo e a concepção con-
temporânea de democracia, pois, enquanto a CF/88 ampliou o le-
que dos direitos e garantias fundamentais forçando uma redenição
de serviço público, os manuais de direito administrativo continuam
56 CARVALHO FILHO, José dos Santos. . 15. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 361.
57 GHEDINI, 2009, p. 66.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 27
adotando conceito e classicação de serviços públicos anteriores à
reabertura democrática do país.58
Não, não se trata de uma mera confusão conceitual, ou seja,
não é o caso de se chamar a concessão de autorização e a autorização
de concessão, isso seria incapaz de produzir efeitos jurídicos.59
As rádios comunitárias estão, de fato, sujeitas ao regime de
autorização, primeiro porque o art. 22 da Lei nº 9.612/98 as faz so-
frer com interferências de sinal. Segundo porque os interessados no
serviço estão dispensados de participar de licitação, ao contrário do
ocorrido com quem deseja montar uma rádio comercial. Eles preci-
sam participar de licitação para esse m, art. 175 da CF/88.
Toda essa discussão é para saber se o MC é obrigado ou não a
conceder a autorização de radiodifusão comunitária. Veja a lição de
Justen Filho a respeito de autorização de serviço público:
Todo aquele que preencher os requisitos previstos em lei terá
direito a desenvolver as atividades pertinentes. Portanto, a
intervenção estatal não apresenta um cunho constitutivo do
direito ao exercício da atividade, mas se trata de um ato de
cunho declaratório.60
Se as rádios comunitárias são autorizadas, não funcionando
por meio de concessão, o MC não poderia indeferir a autorização
aos interessados, uma vez atendidas as exigências legais.
Quem desejasse instalar uma banca de jornal e atendesse aos
requisitos, por exemplo, não poderia ter a sua autorização de serviço
negada por meras razões de conveniência da administração pública,
pois não se trata de concessão ou permissão de serviço público, mas
de autorização.
O inciso II da Lei nº 9.472/97 diz “[...] nenhuma autorização
será negada salvo por motivo relevante”.61 Na prática, porém, tudo
58 GOMES, Daniel Augusto Vila-Nova. 
: uma nova ótica constitucional para a crise dos serviços de (tele)comunica-
ções no Brasil São Paulo: LTR, 2009.
59 JUSTEN FILHO, Marçal.    . 3. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008.
60 JUSTEN FILHO, 2008, p. 655.
61 BRASIL, 1997a.
Wesley Correa Carvalho
28
acaba por se tornar motivo relevante para o indeferimento da auto-
rização desse serviço.
Por essas e outras razões, as concessões de rádio e TV são vis-
tas como moeda de troca nas mãos dos políticos.
A título de exemplo, pode-se citar que o governo de José Sar-
ney, durante a Constituinte, um mês antes da votação de um
mandato de cinco anos para a Presidência da República, dis-
tribuiu 339 canais de rádio e 29 de televisão, que se somam
a mais 527 outorgas realizadas por aquele presidente. Antes
dele, em 1985, o Presidente João Batista de Figueiredo já ha-
via autorizado 634 concessões de rádio e TV, sendo 295 rádios
AM, 299 FM e 40 emissoras de televisão. Entre os agraciados,
estava incluída a família de Antonio Carlos Magalhães, faleci-
do Senador da República.62
3.8 espeCtro eletromAgnétICo, um Bem de todos
Fiorillo alega o rompimento da CF/88 com a velha dicotomia
existente entre bens públicos e privados, estabelecendo um tercei-
ro gênero, o dos bens difusos, no qual se inclui o meio ambiente e,
consequentemente, o espectro eletromagnético, art. 129, inc. III da
CF/88. Por essa razão, todos os brasileiros e estrangeiros residentes
no país teriam o direito de receber e de transmitir mensagens por
meio da radiodifusão.63
A aceitação desse entendimento tem encontrado barreira na
interpretação literal e isolada do art. 223 da CF/88 que estatui a
competência do Poder Executivo para outorgar e renovar conces-
são, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora
e de sons e imagens.
O Estado interpreta esse artigo de forma equivocada, enten-
dendo ser o proprietário do espectro eletromagnético, quando deve-
ria ter a consciência de ser apenas o seu humilde zelador. Portanto
62 ABNER, 1997, apud AMARANTE, Maria Inês. . São
Paulo: Intermeios, 2012. p. 34.
63 FIORILLO, 2000.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 29
e não obstante estar constitucionalmente enquadrado como bem
difuso, o espectro eletromagnético ainda é visto e tratado como bem
público, patrimônio do governo, do qual ele pode livremente dispor,
nos termos do art. 157 da Lei nº 9.472/97 onde se diz: “O espectro
de radiofrequências é um recurso limitado, constituindo-se em bem
público, administrado pela Agência”.64 Esse texto legal é claramente
inconstitucional.
3.9 tempo de durAção dA outorgA dA AutorIzAção
Sobre o parágrafo único do art. da Lei 9.612/98 a dúvida é:
sendo de dez anos a validade da outorga e podendo ser renovada por
igual período, o que acontecerá a uma rádio comunitária no ar por
20 anos? Na verdade, a outorga pode ser renovada indenidamente,
conquanto se mantenham atendidos os requisitos da autorização.
3.10 neCessIdAde de Controle goVernAmentAl
O art. 5º da Lei nº 9.612/98 determina que a autoridade con-
cedente indique “[...] para utilização do serviço de radiodifusão co-
munitária um único e especíco canal na faixa de frequência do ser-
viço de radiodifusão sonora em frequência modulada”.65
Ora, ao determinar “um único e especíco canal”, pretendeu-se
identicar, com maior facilidade, o sinal emitido pelas rádios comu-
nitárias e assim facilitar o combate das autoridades à radiodifusão
clandestina. É como se o legislador dissesse: “que onde eu possa te
ver”, ou “eu não quero te perder de vista”, algo assim.
Como exceção a essa regra, o legislador previu no art. 5º, pa-
rágrafo único, da Lei nº 9.612/98: “Em caso de manifesta impossi-
bilidade técnica quanto ao uso desse canal em determinada região,
64 BRASIL, 1997a.
65 BRASIL, 1998a.
Wesley Correa Carvalho
30
será indicado, em substituição, canal alternativo, para utilização
exclusiva nessa região”.66
Por que todo esse interesse na radiodifusão comunitária? “À
regularidade das comunicações e à manutenção da segurança do
tráfego aéreo”, dizem as autoridades, mas há quem duvide dessa
explicação.
Coelho Neto é um deles e observa, no controle estatal, um
resquício autoritário do período do Estado Novo. Em sua opinião,
essa reminiscência tirânica estaria a distorcer a interpretação da
Constituição Federal de 1988, pela qual o espectro eletromagnéti-
co constitui bem difuso, ao alcance de todos. Para ele, as supostas
interferências de transmissões de rádio no funcionamento de ae-
ronaves foi um mito criado com o objetivo de perpetuar o dirigis-
mo estatal do setor.67
Coelho Neto transcreve, em seu livro, um comunicado da
Frente Parlamentar em Defesa das Rádios Comunitárias (FPDRC),
nele se arma:
As emissoras comunitárias operam da faixa de 87,9 a 108
MHz, aí está o seu público. Se algum sinal aparece fora dessa
faixa é uma falha de equipamento que não interessa a nin-
guém. Agora armar que põe em risco milhares de vidas é,
no mínimo, uma insensatez, uma agressão à inteligência.
Enm, se rádio comunitária derrubasse avião, terrorista não
comprava bomba e nem se preocupava em colocá-la dentro da
aeronave - comprava um transmissor de FM.68
Ele também invoca a CADH à qual atribui a garantia de uma
liberdade absoluta na manifestação do pensamento.
Embora concordemos com o fato de ser o atual modo de con-
trole estatal uma herança totalitária, devemos nos lembrar de que,
nos Estados Unidos da América onde se diz nunca ter havido di-
tadura, editou-se o Radio Control Bill, 1927, com o propósito de
66 BRASIL, 1998a.
67 COELHO NETO, 2002.
68 COELHO NETO, 2002, p. 210.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 31
passar a radiodifusão ao controle do estado. E olha, a aviação, na-
quela época, era incipiente, quase inexistindo tráfego aéreo...
A justicativa então apontada pelo governo estadunidense foi
a ocorrência do fenômeno conhecido como “caos do éter”, com as
estações de rádio interferindo nas frequências umas das outras.69
Armar que rádio comunitária derruba avião soa ridículo.
Contudo, o Comunicado da FPDRC reconhece a possibilidade de
interferência de transmissão efetuada fora das adequadas faixas de
frequência, mas arma ser isso resultante de “uma falha de equipa-
mento que não interessa a ninguém”.
Ora, culpar as rádios comunitárias de derrubar avião é um
exagero, dizer não interessar a ninguém as interferências por elas
causadas nas comunicações alheias parece um tanto insensato.
Realmente, um sinal de rádio não pode abater uma aeronave,
mas havendo falhas nos equipamentos da emissora, o sinal irradia-
do pode interferir nas comunicações do piloto com a torre, e essa in-
terferência pode ocorrer em um momento crítico para a tripulação.
Deve-se, ainda, mencionar a questão do Sistema de Aproxi-
mação por Instrumento (ILS, Instrument Landing System), com-
posto de um transmissor, situado no solo, e de um receptor instala-
do nas aeronaves, ele fornece à tripulação as informações da trajetó-
ria do avião durante a aproximação para o pouso. O piloto posiciona
a aeronave observando as indicações do instrumento localizado no
painel. Por meio desse equipamento, sabe-se se o avião está alinha-
do com a pista e se a altura está propícia. Se alguma onda de rádio,
com a mesma frequência da que envia sinais do solo para o avião,
interferir na comunicação, pode-se pensar estar a aeronave alinha-
da quando não está e vice-versa, corrigindo uma posição que era
adequada ou deixando de ajustá-la quando era necessário.70
Nesse caso especíco, se a navegação visual estiver prejudica-
da por algum motivo, o risco de um acidente aéreo aumentará signi-
cativamente. Provavelmente, por essa razão, apesar de permitido
69 FANG, 1997, p 116.
70 ONDA de rádio pode mudar o rumo do avião.  , São Paulo,
ano 11, n. 8, p. 31, ago. 1997.
Wesley Correa Carvalho
32
o uso de aparelhos celulares em aeronaves, a tripulação determina o
seu desligamento no momento da decolagem e da aterrissagem. Os
telefones celulares também funcionam com ondas de rádio.
Mas, como exigir que as emissoras mantivessem seus equipa-
mentos em perfeito funcionamento, livres de falhas, se não houves-
se um mínimo de controle estatal de sua atividade? Como esperar
de uma rádio livre ou pirata, como queira, a el observância das
normas jurídicas em vigor? Tudo isso se demonstra inviável.
Sem um mínimo de controle da radiodifusão, como descobrir
e punir o causador de danos materiais e morais a terceiros? Como
preservar o direito à honra e à imagem das pessoas? Inconcebível.
Muito embora a CF/88 assegure o direito à liberdade de expressão,
também veda o anonimato.
Qualquer um poderia montar uma rádio com propósitos de-
negridores, de apologia ao crime, de propaganda eleitoral irregular
e até mesmo de incitação ao conito armado e, uma vez alcançado
o intento, a desmontaria, cobriria os vestígios e sairia impune. Essa
não parece constituir uma realidade viável, aliás, teríamos, nesse
caso, rádios egoísticas e não comunitárias.
Igualmente, o art. 13, inc. III, da CADH, estabelece apenas uma
relativa restrição ao controle estatal dos meios de comunicação.71
Não temos dúvida da necessidade do controle estatal da ra-
diodifusão, mas não podemos aceitar seja ele excessivo ao ponto de
restringir a liberdade de expressão do pensamento.
Amarante acrescenta:
Apesar de governos civis eleitos democraticamente se sucede-
rem desde 1989, o campo da comunicação continua marcado
por concessões radiofônicas majoritariamente em mãos do
setor privado que restringem o acesso direto da população.72
Coelho Neto observa que, com o advento da Lei 9.612/98, sur-
giram transmissores de baixos custo e potência, homologados pelo
71 CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, 1969.
72 AMARANTE, 2012, p. 35.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 33
MC, retirando-se das rádios livres a responsabilidade por eventuais
problemas apresentados pelos equipamentos, com sinal fora da fre-
quência.73
Mas, como obrigar uma rádio clandestina a utilizar um equi-
pamento com projeto homologado? Seus proprietários podem re-
cusá-lo e usar um artesanal. No passado, chegava-se a fabricá-los
dentro de panelas.74 Pode-se, ainda, adquirir um equipamento cer-
ticado e promover-lhe alterações a prejudicar seu funcionamento.
Quanto a esse assunto, o diálogo entre os defensores da desre-
gulamentação da radiodifusão e as autoridades não tem sido franco,
chegando a se enveredar nas raias da erística,75 pois enquanto aque-
les negam as consequências da radiofonia irresponsável, o gover-
no demoniza as rádios piratas, impedindo-as de se regularizarem e
esquecendo-se de que a maioria presta serviços de utilidade pública.
Devemos, no entanto, admitir que, desde o surgimento das
rádios livres na década de 60, não existe um único relato de aci-
dente aéreo provocado pela interferência de suas transmissões. Em
grande parte das vezes, as interferências detectadas vêm das rádios
comerciais de alta potência.
3.11 o CrIme de rAdIodIFusão ClAndestInA
O art. 183 da Lei Federal nº 9.472/97 trata, como crime, o de-
senvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação, entre
elas, a radiodifusão sem licença, passível de pena de detenção de
73 COELHO NETO, 2002.
74 MACHADO, 1986.
75 Erística s.f. (1873 cf. DV) FIL1 na antiguidade grega, arte ou técnica da disputa ar-
gumentativa no debate losóco, desenvolvida, sobretudo pelos sostas, e baseada em
habilidade verbal e acuidade de raciocínio 1.1 pej. Em Platão (427-348 a.C.), argumenta-
ção que, buscando unicamente a vitória em um debate, abandona qualquer preocupação
com a verdade (HOUAISS; VILLAR, 2001, p 1.188). Arthur Schopenhauer dedicou espe-
cial atenção ao assunto, foi ele o autor de um livro, publicado somente após sua morte,
em que ensina como vencer um debate por meio da dialética erística. Na obra o lósofo
descreve 38 estratagemas de persuasão enganosa utilizados por lósofos inescrupulosos
(SCHOPENHAUER, Arthur.       .
Rio de Janeiro: Topbooks, 2003).
Wesley Correa Carvalho
34
dois a quatro anos, podendo chegar a seis, acrescida de multa no
valor de R$ 10.000,00.76
Trata-se de ilícito cuja investigação e repressão cam a cargo
da Anatel, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, e cujo
processamento e julgamento competem à Justiça Federal.
Alguns se negam a admitir o enquadramento da radiodifusão
de baixa potência nessa proibição. Por esse entendimento, a trans-
missão clandestina não seria punível com pena restritiva de liber-
dade, mas apenas com as multas previstas na Lei nº 9.612/98, nos
valores xados pelo CBT.
Esse pensamento encontrou guarida no fato de ser a lei das rá-
dios comunitárias posterior à lei punitiva da radiodifusão clandes-
tina, bem como se respaldou no princípio penal da insignicância,
também conhecido como princípio da bagatela, segundo o qual a
conduta criminosa minimamente ofensiva, sem periculosidade so-
cial, de reduzido grau de reprovabilidade e causadora de lesão jurí-
dica inexpressiva, não deve ser punida.
EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDE-
NADO PELO CRIME DE FURTO SIMPLES. ABSOLVIÇÃO.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
RAZOÁVEL GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA.
FURTO INSIGNIFICANTE. FURTO PRIVILEGIADO. DIS-
TINÇÃO. ORDEM DENEGADA. I – A aplicação do princípio
da insignicância de modo a tornar a conduta atípica exige,
além da pequena expressão econômica dos bens que foram
objeto de subtração, um reduzido grau de reprovabilidade da
conduta do agente. II – Na espécie, a aplicação do referido
instituto poderia signicar um verdadeiro estímulo à prática
destes pequenos furtos em residências, já bastante comuns
nos dias atuais, o que contribuiria para aumentar, ainda
mais, o clima de insegurança hoje vivido pela coletividade. III
- Embora o paciente não seja reincidente, tem personalida-
de voltada para a prática de crimes, o que impede o atendi-
mento de outro dos requisitos exigidos por esta Corte para a
76 BRASIL, 1997a.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 35
conguração do princípio da insignicância, qual seja, a au-
sência de periculosidade do agente. IV – Ordem denegada.77
A radiotransmissão clandestina não constitui conduta repro-
vada pela sociedade, por isso há quem entenda não deva ela ser re-
primida.78
Sim, a sociedade reconhece certa legitimidade na radiodifusão
clandestina, considerada um autêntico ato de desobediência civil ao
governo quando se tenta anular um direito fundamental como o da
comunicação e da informação.79
Questiona-se assim a tipicidade material da conduta, consis-
tente em sua reprovação social, e não apenas a tipicidade formal, ou
seja, sua previsão legal.80
Observe-se, no entanto, existirem outras condutas delitivas
não reprovadas pela população, mas cujo combate se faz impres-
cindível à redução da criminalidade, como exemplos disso, citamos
o jogo do bicho, art. 58 do Decreto-Lei nº 3.688/41, e a violação de
direitos autorais, art. 184 do CPB.
Há também comportamentos ainda hoje recriminados
pela sociedade, como o crime de adultério, outrora previsto no
art. 240 do Código Penal Brasileiro (CPB), mas que alcançaram a
descriminalização.
O STJ rechaçou esse entendimento em virtude da ilegalidade
do funcionamento de rádio comunitária sem autorização. Dessa for-
ma, as leis nº 9.472/97 e 9.612/98 seriam totalmente compatíveis
entre si, apesar de editadas em datas diferentes, visto a própria Lei
9.612/98 prever a necessidade de autorização legal para o funciona-
mento de emissora.
77 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.   habeas corpus. HC
104348/MS, 1ª T. Defensoria Pública da União, Alexandro de Azevedo e Superior Tri-
bunal de Justiça. Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Brasília. 19 out. 2010. DJe 10
nov. 2010b. Vol.-02428-01, p. 00025.
78 COELHO NETO, 2002.
79 SILVEIRA, Paulo Fernando.  Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
80 NUCCI, Guilherme de Souza.  3
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008.
Wesley Correa Carvalho
36
RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DE-
NÚNCIA. RECEBIMENTO. TRANSMISSÃO DE RÁDIO. BAI-
XA FREQÜÊNCIA. AUSÊNCIA DE PERMISSÃO DO PODER
PÚBLICO. TIPICIDADE. PRECEDENTES. 1. A transmissão de
rádio sem a obrigatória permissão do Poder Público, ainda que
de baixa frequência e sem ns lucrativos, congura, em tese,
gura típica. 2. Precedentes do STJ. 3. Recurso provido.81
Silveira considera que a radiodifusão de baixa potência não
constitui ato ilícito, mas o faz por outras razões, para ele, a Lei
nº 9.472/97 não abrangeria a radiodifusão, mas apenas os outros
ramos das telecomunicações, tais como a telefonia, a telegraa, a
transmissão de dados e imagens,82 pois, no seu art. 215, inc. I, ca
estabelecido: “Ficam revogados: I – a Lei nº 4.117, de 27 de agosto
de 1962, salvo quanto à matéria penal não tratada nesta Lei e quan-
to aos preceitos relativos à radiodifusão”.83
À radiodifusão clandestina não se aplicaria o disposto no
inserido nessa lei por força do Decreto-Lei nº 236/67, editado às
vésperas do famigerado Ato Institucional nº 5 (AI-5/68), agrante-
mente inconstitucional por não reconhecer o direito de prévia defe-
sa, violando assim o princípio do contraditório.
Em consequência dessa tese, o enquadramento no art. 70 da
Lei nº 4.117/62, em vez de no art. 183 da Lei nº 9.472/97, resultaria
em benefício do acusado mesmo diante de sua condenação, pois as
penas previstas na lei mais recente são o dobro daquelas aplicadas
no tempo dos anos rebeldes.
Ademais, uma vez tipicada a radiodifusão clandestina, como
o delito do art. 70 da Lei nº 4.117/62, haveria a possibilidade do sur-
sis processual, art. 89 da Lei nº 9.099/95, suspendendo-se o proces-
so por dois ou quatro anos, desde que o acusado não estivesse sendo
81 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.    .
REsp. 636.056/CE, 5ª T. Ministério Público Federal, Adriano Barros Vidal e Ismar
Capistrano Costa Filho. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Brasília. 23 maio 2006. DJ 19
jun. 2006a. p. 179.
82 SILVEIRA, 2001.
83 BRASIL, 1997a.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 37
processado ou fosse condenado por outro crime. Nesse caso, não
haveria a condenação do denunciado, mas ele se comprometeria a
cumprir uma série de condições: a proibição de frequentar certos
lugares, de ausentar-se da cidade de sua residência sem autorização
do juiz e a obrigação de comparecimento em juízo.
O brilhantismo desse raciocínio não fora suciente para re-
frear a fúria punitiva das autoridades judiciárias, passou-se a adotar
o seguinte entendimento:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL E PROCESSUAL
CRIMINAL. ESTAÇÃO DE RADIODIFUSÃO CLANDESTI-
NA. CAPITULAÇÃO. ART. 70 DA LE I 4.117/62 OU ART. 183
DA LEI Nº 9.472/97. JUIZADO ESPECIAL E VARA FEDE-
RAL. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CRIME DE MENOR PO-
TENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA VARA
FEDERAL CRIMINAL. 1. O art. 70 da Lei 4.117/62 não foi
revogado pelo art. 183 da Lei 9.472/97, já que as condutas
neles descritas são diversas, sendo que no primeiro pune-se
o agente que, apesar de autorizado anteriormente pelo órgão
competente, age de forma contrária aos preceitos legais e re-
gulamentos que regem a matéria, e no segundo, aquele que
desenvolve atividades de telecomunicações de forma clandes-
tina, ou seja, sem autorização prévia do Poder Público. [...]
3. Conito conhecido para declarar-se competente o Juízo Fe-
deral da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Tocantins,
o suscitado.84
O Senado Federal publicou uma cartilha a pedido da Senado-
ra Heloísa Helena, armando o seguinte: “A emissora não existe se
estiver fora do ar. Coloque sua rádio no ar, mesmo que não tenha
autorização do Governo. Neste caso, debata com sua comunidade a
possibilidade de enfrentamento à repressão”.85
Se os magistrados não costumam desobedecer aos textos de
lei, deles ao menos se espera ponderar circunstâncias especiais,
84 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.  CC. 94570/TO,
3ª Seção. Justiça Pública e em apuração. Relator: Ministro Jorge Mussi. Brasília. 05 dez.
2008a. DJ 18 dez. 2008. RJP vol. 26 p. 120.
85 BRASIL. Senado Federal.      
. Senadora Heloísa Helena. Brasília, maio de 2000. p. 9.
Wesley Correa Carvalho
38
como essa em que o dinheiro público estimula a transgressão à lei e,
ao mesmo tempo, nancia a repressão policial.
Com esses comentários, não pretendemos capacitar os acusa-
dos a sua autodefesa em juízo, muito pelo contrário, aconselhamos
buscar o patrocínio de advogado e, se não puderem pagar por um,
sugerimos procurar a assistência de defensor público. Os detalhes
de cada caso exigem apreciação por prossional habilitado, capaz de
discernir o melhor para seu cliente.
3.12 CompetênCIA legIslAtIVA
Entre a maioria dos defensores da radiodifusão comunitá-
ria, predomina o entendimento de que, embora o art. 22, inc. IV da
CF/88 reserve à União a competência para legislar sobre o assunto
podendo, no máximo, delegá-la aos Estados mediante lei comple-
mentar, deveria ser dos Municípios a competência legislativa sobre
o tema. Como vantagens para tanto são apontados: a descentraliza-
ção do poder, o respeito ao princípio do federalismo e a maior pro-
ximidade entre o ente municipal e as rádios comunitárias.
Para resumir os fundamentos desse posicionamento, trans-
crevemos excerto do livro de Silveira, nele se expõem as mazelas e
fraquezas de modelo federativo brasileiro.
O fato de haver norma constitucional atribuindo à união com-
petência privativa, comum ou concorrente, não torna válida
sua atuação se for maltratado o princípio estruturante do fe-
deralismo... No Brasil, infelizmente, o federalismo acha-se,
além de não consolidado, subvertido pelo excesso de poderes
atribuídos por normas constitucionais à União, concentran-
do-se o poder em Brasília, tornando o país dependente de so-
luções nacionais para problemas locais. Há paralisia asxian-
te da sociedade, que ca no aguardo de soluções centraliza-
das, que geralmente vêm através de medidas provisórias sem
pertinência, dado o seu cunho genérico, abrangendo um país
continental, com os fatos e realidade locais... Assim, em rela-
ção especicamente às rádios comunitárias, cujo interesse é
eminentemente local, já que é de pequena potência e alcance
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 39
restrito, o que afasta, de pronto, a competência federal para
legislar privativamente sobre o assunto, a União pode baixar
normas gerais, justamente para separar o âmbito de ação da-
quelas outras rádios e canais de televisão, de alta potência,
que são de sua privativa competência.86
Apesar dessa arrebatadora explanação e mesmo considerando
a excessiva severidade da União ao tratar o assunto, tememos que as
rádios comunitárias venham sofrer com os revezes da política local,
às vezes dominada por oligarquias retrógradas.
Cumpre-nos uma interessante observação: por que os Municí-
pios não foram dotados de Poder Judiciário? Talvez por serem entes
federativos novatos, eles não tenham atingido a desejada maturi-
dade. Embora disponham da prerrogativa de se auto-organizarem,
muitos deles ainda aplicam, com essa nalidade, uma legislação fe-
deral da ordem constitucional anterior, em vez de editar suas pró-
prias leis, a exemplo do ocorrido com o Decreto-Lei Federal 201/67,
versando sobre a cassação de mandato de prefeitos e de vereadores.
Os municípios reclamam mais poderes, mas não fazem uso adequa-
do dos que já possuem.
Não obstante toda a crítica ao federativismo brasileiro, pensa-
mos não importar muito se federais ou municipais as normas disci-
plinadoras da radiodifusão comunitária se forem justas.
A questão da competência legislativa sobre as rádios comuni-
tárias foi enfrentada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)
quando julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) recla-
mando a nulidade da Lei nº 14.013/05, da cidade de São Paulo, SP.
Essa lei desaou o entendimento dominante e estabeleceu a compe-
tência municipal para legislar sobre o tema. O seu argumento era o
seguinte: Malgrado o art. 22, inc. IV da CF/88 estabeleça a compe-
tência legislativa da União sobre a radiodifusão, o art. 30, incs. I e II
da CF/88 conferem aos municípios competência para legislar sobre
assuntos locais e para suplementar as legislações federal e estadual
no que couber.87
86 SILVEIRA, 2001, p. 102/107.
87 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. 
  . Procurador Geral de Justiça x Prefeito do
Wesley Correa Carvalho
40
A ação foi julgada procedente. A Lei nº 14.013/05 declarada
inconstitucional, mas a discussão perdura até hoje.
Houve semelhantes tentativas de municipalização da radio-
difusão comunitária em cidades como São Gonçalo (RJ), Gravataí
(RS), Santo André (SP) e Palmas (TO),88 todas sem sucesso.
3.13 As rÁdIos ComunItÁrIAs e A deFesA CIVIl
A Lei nº 9.612/98, art. 3º, inc. III estabelece a integração das
rádios comunitárias aos serviços de Defesa Civil.89 Espera-se das
emissoras a colaboração na conscientização da população com vis-
tas à prevenção de deslizamentos, alagamentos, incêndios, epide-
mias e outras catástrofes possíveis de serem evitadas. Ocorrido o
desastre, a emissora comunitária pode ajudar ainda na arrecadação
de donativos em favor das vítimas.
Muitas rádios já prestam valiosos serviços dessa natureza.
Mas há também as que simplesmente ignoram a existência de Defe-
sa Civil em sua cidade. Ao nal deste livro, fornecemos observações
sobre ofícios e modelo de ofício destinado a iniciar essa aproxima-
ção e cooperação (APÊNDICE A e B).
Município de São Paulo e outro. Relator: Des. Canellas de Godoy. São Paulo. 19 set.
2007. Publicação: 10 dez. 2007. Disponível: http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCom-
pleta.do;jsessionid=B8918035B2EA33548B6FA2A90305D46E.cjsg1>. Acesso em: 09
jun. 2013.
88 AMARANTE, 2012.
89 A história da Defesa Civil, no Brasil, começa com a participação do país na Segunda
Guerra Mundial. Em 1942, dois navios de passageiros afundaram na costa brasileira,
deixando um total de 56 vítimas. O governo federal, então, pensando na segurança da
população, toma algumas medidas, com a criação do Serviço de Defesa Passiva Antiaé-
rea e a obrigatoriedade do ensino da defesa passiva nos estabelecimentos de ensino
ociais ou particulares. Em 1943, o serviço passa a se chamar Serviço de Defesa Ci-
vil. Desde então, a Defesa Civil organizou-se também nos estados e municípios. A Lei
nº 12.608/2012 instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, integrando os
trabalhos e esforços das equipes de Defesa Civil de todo o país (PREFEITURA DE POR-
TO ALEGRE. : conceitos, dicas, prevenção. Porto Alegre: Coordenação de
Defesa Civil, abril de 2006).
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 41
3.14 plurAlIsmo, dIVersIdAde de opInIões e não
dIsCrImInAção
O art. 4º da Lei nº 9.612/98 proclama os princípios do serviço
de radiodifusão comunitária: preferência a nalidades educativas,
artísticas, culturais e informativas; promoção de atividades artísti-
cas e jornalísticas objetivando a integração da comunidade atendi-
da; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família; não
discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convic-
ções político-ideológico-partidárias e condição social.90
Ao se estabelecerem as diretrizes das rádios comunitárias,
centrou-se o seu foco nas comunidades atendidas. Assim, não faria
sentido se uma rádio comunitária zesse a cobertura jornalística de
uma competição esportiva envolvendo equipes de fora da comuni-
dade, enquanto os atletas locais cassem relegados ao esquecimen-
to; ou transmitisse noticiário com notícias mundiais, nacionais e
estaduais, desprezando as locais.
Aliás, o artigo 67 do Decreto nº 52.795/63 estabelece a toda
emissora de rádio o dever de reservar um percentual mínimo de 5%
de sua grade de programação para a transmissão de notícias.91 Con-
tudo, aconselhamos o cumprimento dessa norma aliado à observân-
cia do caráter local determinado pela Lei nº 9.612/98.
Igualmente, não teria cabimento uma rádio comunitária di-
vulgar as obras de atores e cantores famosos, de pintores europeus
e de cineastas de Hollywood e desprestigiar o trabalho do artesão
da comunidade, do entalhador da esquina, do repentista da praça
do bairro, pois é para eles que o serviço comunitário existe. Nossas
rádios comunitárias não podem viver alienadas do seu contexto.
O inc. III do art. 4º, ao estatuir o “[...] respeito aos valores
éticos e sociais da pessoa e da família, favorecendo a integração dos
90 BRASIL, 1998a.
91 BRASIL.   . Aprova o Regulamento
dos Serviços de Radiodifusão. Disponível em:
Decreto/Antigos/D52795.htm>. Acesso em: 10 jun. 2013.
Wesley Correa Carvalho
42
membros da comunidade atendida”,92 condicionou a rádio comuni-
tária à observância da moral comum da comunidade, ou seja, não se
pode, sob o pretexto da liberdade de expressão, transmitir conteúdo
capaz de ofender o sentimento moral das pessoas e das famílias.
Por esse motivo e não obstante a liberdade de expressão, de-
ve-se evitar a veiculação de músicas obscenas. Anal, o objetivo da
comunitária é integrar e não desagregar. A rádio comunitária deve
estar “sintonizada” com os gostos e preferências de seus ouvintes.
O pluralismo é um dos traços mais característicos da radio-
difusão comunitária, por ele as emissoras veem-se impedidas de
discriminar as pessoas em razão de sua cor, crença religiosa, sexo
e preferências sexuais, liação partidária, convicções ideológicas e
condição social.
As emissoras devem ser cautelosas ao se engajarem na defesa
de causas, evitando posicionamentos comprometedores de sua cre-
dibilidade.
A defesa dos direitos dos mais pobres não pode ser realizada
mediante a discriminação dos mais ricos; assim como a luta pelos
direitos e garantias dos trabalhadores não deve ocorrer por meio de
ataques à honra e à imagem da classe empregadora.
A promoção dos ideais de um partido político pode gerar des-
prestígio às ideias de outro e a difusão de uma crença religiosa impor-
tará sempre na retração de outras. Por todas essas razões, o § 2º do
art. 4º da Lei nº 9.612/98 estatuiu a pluralidade de opiniões e versões.93
Quando a programação abordar um assunto polêmico, deverá
transmitir as diversas opiniões sobre ele existentes na comunidade,
mantendo sempre a sua neutralidade.
3.15 A rÁdIo ComunItÁrIA e A ComunIdAde
As rádios comunitárias devem zelar pelos interesses da po-
pulação, sendo esta uma das atribuições do Conselho Comunitário,
92 BRASIL, 1998a.
93 BRASIL, 1998a.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 43
previsto no art. 8º da Lei nº 9.612/98. Sugerimos que, além de s-
calizar a grade de programação emitindo o relatório anual, ele seja
convidado a participar de sua elaboração.
Não se pode esperar a adesão de todos a uma opinião do lo-
cutor ou da diretoria. O § 2º do art. 4º da Lei nº 9.612/98 consagra
a pluralidade de opiniões e a imparcialidade como valores impres-
cindíveis.
Há informações de rádios comunitárias adotando um posicio-
namento elitista, impondo sua programação aos ouvintes, sem levar
em conta seus gostos e preferências. Isso é lamentável.
A previsão legal de participação popular contida no § 3º do
art. 4º da Lei nº 9.612/98, possibilita o exercício do direito de ex-
pressão. Além disso, como modelo de comunicação relativamente
novo, a rádio comunitária, por uma total falta de parâmetros, apre-
sentaria uma tendência natural a reproduzir a estrutura e o modelo
verticais dos veículos de comunicação de massa, caracterizados pelo
autoritarismo e pelo dirigismo na comunicação.94
Conferindo-se à comunidade a possibilidade de intervir na pro-
gramação da emissora, tenta-se redirecioná-la aos seus interesses.
As pesquisas de opinião revelam-se uma eciente ferramenta de
identicação de demandas populares pelas emissoras comunitárias in-
teressadas em acolhê-las.95 Logo, não se devem contrariar os interesses
da comunidade alegando o seu desconhecimento, pois as rádios se en-
contram dotadas de meios para identicá-los corretamente.
No entanto, a preocupação em atender os interesses da co-
munidade não é desculpa para se fugir da abordagem de assuntos
polêmicos. A Lei nº 9.612/98 não veda o tratamento dessas temá-
ticas, apenas requer respeito à pluralidade e a transmissão simul-
tânea de opiniões divergentes. Algumas rádios, com medo de per-
derem apoio popular e nanciamento, têm adotado a política do
não conito, consistente na transmissão quase exclusiva de músicas
em detrimento de programas ocasionadores de discussões sociais e
94 COGO, 1998.
95 GERARD, André; SILVA, Neide; SCHWEIGERT, Hans (Coord. Geral). 
: rádios comunitárias no Recife. Recife: Etapas, 1993.
Wesley Correa Carvalho
44
políticas, estagnando sua programação. Elas seguem o exemplo das
rádios comerciais.96
3.16 A questão relIgIosA
O § 1º do art. 4º da Lei nº 9.612/98 proíbe o proselitismo na
programação.97 Qual o signicado dessa proibição? Seria religião
um assunto proibido? De forma alguma, apenas mais um tema po-
lêmico a ser tratado com os cuidados descritos no item anterior.
Religião também é cultura, e difusão cultural é um dos obje-
tivos primordiais das rádios comunitárias. Aliás, muitas nasceram
dentro de movimentos religiosos.98
Não é proibida a transmissão de cunho religioso, pois muitas
agremiações religiosas prestam serviços de utilidade pública, como
instruções religiosa e civil, esclarecimentos e defesa de direitos e
patrocínio de causas humanitárias. A própria lei 9.612/98, art. 8º,
determina que o Conselho Comunitário seja composto por repre-
sentantes de entidades como associações de moradores, de classe,
beneméritas ou religiosas.99
Contudo, ao assegurar espaço à religião na programação, não
se pode simplesmente ceder espaço na grade a uma ou outra deno-
minação, pois a lei 9.612/98, art. 19, proíbe a cessão ou arrenda-
mento da emissora ou de horários em sua programação.
Em vez disso, sugerimos separar um tempo nas transmissões
para se abordar a religiosidade da comunidade, de preferência em
programas reunindo pessoas de vários credos e de diferentes con-
ssões religiosas.
Anal, proibido não é o enfrentamento do assunto, mas a cap-
tação de novos adeptos para denominações religiosas e ainda a ces-
são de horários na programação da rádio comunitária.
96 SILVA, 2008, p. 92.
97 BRASIL, 1998a.
98 COGO, 1998.
99 BRASIL, 1998a.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 45
O crescimento numérico de uma seita é sempre acompanhado
pela redução do número de seguidores das outras. Se realizarmos
proselitismo, não apenas fortaleceremos uma determinada agre-
miação religiosa, mas também enfraqueceremos suas congêneres.
Ao redigir a Lei 9.612/98, o legislador buscou preservar os
objetivos das emissoras comunitárias e desestimulou a competição
religiosa.
No ano de 2002, o STF julgou Ação Cautelar em ADI proposta
pelo extinto Partido Liberal (PL) contra a proibição de proselitismo
contida no § 1º do art. 4º da Lei nº 9.612/98; a ação fundava-se no
argumento de que esse dispositivo feriria a garantia constitucional
à liberdade religiosa e o direito ao livre exercício de cultos. A ação
foi julgada improcedente, pois o Supremo entendeu não se tratar de
cerceamento do direito à liberdade de religiosa, mas apenas de im-
pedir o desvirtuamento das emissoras comunitárias. Depois disso, a
ação principal não chegou a ser proposta.
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO PARÁGRAFO 1º DO
ARTIGO 4º DA LEI Nº 9.612, DE 19 DE FEVEREIRO DE
1988, QUE DIZ: “§ 1º - É VEDADO O PROSELITISMO DE
QUALQUER NATUREZA NA PROGRAMAÇÃO DAS EMIS-
SORAS DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA”. ALEGAÇÃO
DE QUE TAL NORMA INFRINGE O DISPOSTO NOS ARTI-
GOS 5º, INCISOS VI, IX, E 220 E SEGUINTES DA CONS-
TITUIÇÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR. 1. Para bem se
conhecer o signicado que a norma impugnada adotou, ao
vedar o proselitismo de qualquer natureza, nas emissoras de
radiodifusão comunitária, é preciso conhecer todo o texto da
Lei em que se insere. 2. Na verdade, o dispositivo visou ape-
nas a evitar o desvirtuamento da radiodifusão comunitária,
usada para ns a ela estranhos, tanto que, ao tratar de sua
programação, os demais artigos da lei lhe permitiram a maior
amplitude e liberdade, compatíveis com suas nalidades.
3. Quis, portanto, o artigo atacado, tão-somente, afastar o uso
desse meio de comunicação como instrumento, por exemplo,
de pregação político-partidária, religiosa, de promoção pes-
soal, com ns eleitorais, ou mesmo certos sectarismos e par-
tidarismos de qualquer ordem. 4. Ademais, não se pode es-
quecer que não há direitos absolutos, ilimitados e ilimitáveis.
Wesley Correa Carvalho
46
5. Caberá, então, ao intérprete dos fatos e da norma, no con-
texto global em que se insere, no exame de casos concretos,
no controle difuso de constitucionalidade e legalidade, nas
instâncias próprias, vericar se ocorreu, ou não, com o prose-
litismo, desvirtuamento das nalidades da lei. Por esse modo,
poderão ser coibidos os abusos, tanto os das emissoras, quan-
to os do Poder Público e seus agentes. 6. Com essas ponde-
rações se chega ao indeferimento da medida cautelar, para
que, no nal, ao ensejo do julgamento do mérito, mediante
exame mais aprofundado, se declare a constitucionalidade,
ou inconstitucionalidade, da norma em questão. 7. Essa so-
lução evita que, com sua suspensão cautelar, se conclua que
todo e qualquer proselitismo, sectarismo ou partidarismo é
tolerado, por mais facciosa e tendenciosa que seja a prega-
ção, por maior que seja o favorecimento que nela se encontre.
8. Medida Cautelar indeferida.100
Ao tentar atender aos interesses das diversas conssões devo-
cionais de sua comunidade, as emissoras costumam enfrentar um
sério problema: são muitas igrejas para pouco tempo no ar e um
descuido pode tornar a programação totalmente religiosa. Nesses
casos, a sugestão é conferir a todas as denominações religiosas igual
oportunidade de acesso ao microfone, porém, sem lhes ceder os ho-
rários na grade de programação. Ou melhor, os programas devem
ser produzidos e veiculados pela própria emissora comunitária, que
por eles responderá, embora não se responsabilize pelas opiniões
pessoais de cada um dos membros da comunidade.
Mas de quem seria a responsabilidade pelas opiniões pessoais
e posicionamentos institucionais de religiosos e instituições religio-
sas de fora da comunidade? Esse assunto será mais conveniente-
mente tratado em item próximo.
100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 
  . ADI nº 2.566-0. Partido
Liberal e Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Min. Sidney Sanches.
Brasília. 22 maio 2002. DJe 27 fev. 2004. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/pagina-
dorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347623>. Acesso em: 10 jun. 2013.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 47
3.17 exerCÍCIo dAs proFIssões de JornAlIstA e rAdIAlIstA
Não se pode exigir de uma rádio comunitária a execução de
um trabalho com a mesma qualidade técnica das comerciais em vir-
tude das já apontadas diculdades nanceiras muito embora, com
talento, várias tenham alcançado padrão de excelência.
Nas rádios comerciais, trabalham prossionais de formação
acadêmica e vasta experiência já, nas rádios comunitárias, predomi-
nam o trabalho voluntário e amador, geralmente.
Contudo, a presença de prossional formado e experiente
pode, em muito, contribuir com o aperfeiçoamento das emissoras
comunitárias.
Quem realizava trabalho remunerado de jornalista, sem ter
diploma, vivia com o receio de ter problemas com a Justiça, pois o
art. 47 do Decreto-Lei Federal nº 3.688/41 considera essa conduta
contravenção penal, punível com prisão de 15 dias a 03 meses.101
Essa situação perdurou até o STF julgar inconstitucional a exi-
gência de diploma para o exercício da prossão, prevista no art. 4º,
inc. V do Decreto-Lei nº 972/69, pois ela afronta o art. 220, § 1º da
CF/88, importando no controle estatal da liberdade de expressão.
EMENTA: JORNALISMO. EXIGÊNCIA DE DIPLOMA DE
CURSO SUPERIOR, REGISTRADO PELO MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JOR-
NALISTA. LIBERDADES DE PROFISSÃO, DE EXPRESSÃO
E DE INFORMAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE 1988 (ART. 5º,
IX E XIII, E ART. 220, CAPUT E § 1º). NÃO RECEPÇÃO DO
1. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. ART. 102, III, “A”, DA
CONSTITUIÇÃO. REQUISITOS PROCESSUAIS INTRÍNSE-
COS E EXTRÍNSECOS DE ADMISSIBILIDADE. Os recursos
extraordinários foram tempestivamente interpostos e a ma-
téria constitucional que deles é objeto foi amplamente deba-
tida nas instâncias inferiores. Recebidos nesta Corte antes do
101 BRASIL. . Lei das Contravenções
Penais. Disponível em:
htm>. Acesso em: 10 jun. 2013.
Wesley Correa Carvalho
48
marco temporal de 3 de maio de 2007 (AI-QO nº 664.567/
RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), os recursos extraordi-
nários não se submetem ao regime da repercussão geral. 2.
LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA
PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. O Supremo Tri-
bunal Federal possui sólida jurisprudência sobre o cabimento
da ação civil pública para proteção de interesses difusos e co-
letivos e a respectiva legitimação do Ministério Público para
utilizá-la, nos termos dos arts. 127, caput, e 129, III, da Cons-
tituição Federal. No caso, a ação civil pública foi proposta pelo
Ministério Público com o objetivo de proteger não apenas os
interesses individuais homogêneos dos prossionais do jor-
nalismo que atuam sem diploma, mas também os direitos
fundamentais de toda a sociedade (interesses difusos) à ple-
na liberdade de expressão e de informação. 3. CABIMENTO
DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. A não-recepção do Decreto-Lei
n° 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui a causa de
pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que
está plenamente de acordo com a jurisprudência desta Cor-
te. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenas
questão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não
seu pedido único e principal. Admissibilidade da utilização da
ação civil pública como instrumento de scalização incidental
de constitucionalidade. Precedentes do STF. 4. ÂMBITO DE
PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXERCÍCIO PROFISSIO-
NAL (ART. 5º, INCISO XIII, DA CONSTITUIÇÃO). IDENTI-
FICAÇÃO DAS RESTRIÇÕES E CONFORMAÇÕES LEGAIS
CONSTITUCIONALMENTE PERMITIDAS. RESERVA LE-
GAL QUALIFICADA. PROPORCIONALIDADE. A Constitui-
ção de 1988, ao assegurar a liberdade prossional (art. 5º,
XIII), segue um modelo de reserva legal qualicada presente
nas Constituições anteriores, as quais prescreviam à lei a de-
nição das “condições de capacidade” como condicionantes
para o exercício prossional. No âmbito do modelo de reserva
legal qualicada presente na formulação do art. 5º, XIII, da
Constituição de 1988, paira uma imanente questão consti-
tucional quanto à razoabilidade e proporcionalidade das leis
restritivas, especicamente, das leis que disciplinam as quali-
cações prossionais como condicionantes do livre exercício
das prossões. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodri-
gues Alckmin, DJ, 2-9-1977. A reserva legal estabelecida pelo
art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder de restringir
o exercício da liberdade prossional a ponto de atingir o seu
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 49
próprio núcleo essencial. 5. JORNALISMO E LIBERDADES
DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. INTEPRETAÇÃO DO
ART. 5º, INCISO XIII, EM CONJUNTO COM OS PRECEI-
TOS DO ART. 5º, INCISOS IV, IX, XIV, E DO ART. 220 DA
CONSTITUIÇÃO. O jornalismo é uma prossão diferenciada
por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades
de expressão e de informação. O jornalismo é a própria mani-
festação e difusão do pensamento e da informação de forma
contínua, prossional e remunerada. Os jornalistas são aque-
las pessoas que se dedicam prossionalmente ao exercício
pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade
de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas
por sua própria natureza e não podem ser pensadas e trata-
das de forma separada. Isso implica, logicamente, que a in-
terpretação do art. 5º, inciso XIII, da Constituição, na hipó-
tese da prossão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em
conjunto com os preceitos do art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e
do art. 220 da Constituição, que asseguram as liberdades de
expressão, de informação e de comunicação em geral. 6. DI-
PLOMA DE CURSO SUPERIOR COMO EXIGÊNCIA PARA
O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA. RES-
TRIÇÃO INCONSTITUCIONAL ÀS LIBERDADES DE EX-
PRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. As liberdades de expressão
e de informação e, especicamente, a liberdade de impren-
sa, somente podem ser restringidas pela lei em hipóteses ex-
cepcionais, sempre em razão da proteção de outros valores
e interesses constitucionais igualmente relevantes, como os
direitos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade
em geral. Precedente do STF: ADPF n° 130, Rel. Min. Carlos
Britto. A ordem constitucional apenas admite a denição le-
gal das qualicações prossionais na hipótese em que sejam
elas estabelecidas para proteger, efetivar e reforçar o exercício
prossional das liberdades de expressão e de informação por
parte dos jornalistas. Fora desse quadro, há patente incons-
titucionalidade da lei. A exigência de diploma de curso supe-
rior para a prática do jornalismo - o qual, em sua essência, é
o desenvolvimento prossional das liberdades de expressão
e de informação - não está autorizada pela ordem constitu-
cional, pois constitui uma restrição, um impedimento, uma
verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo
exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido
pelo art. 220, § 1º, da Constituição. 7. PROFISSÃO DE JOR-
NALISTA. ACESSO E EXERCÍCIO. CONTROLE ESTATAL
VEDADO PELA ORDEM CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO
Wesley Correa Carvalho
50
CONSTITUCIONAL QUANTO À CRIAÇÃO DE ORDENS OU
CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. No cam-
po da prossão de jornalista, não há espaço para a regulação
estatal quanto às qualicações prossionais. O art. 5º, incisos
IV, IX, XIV, e o art. 220, não autorizam o controle, por parte
do Estado, quanto ao acesso e exercício da prossão de jor-
nalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que interra na
liberdade prossional no momento do próprio acesso à ativi-
dade jornalística, congura, ao m e ao cabo, controle prévio
que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de
expressão e de informação, expressamente vedada pelo art.
5º, inciso IX, da Constituição. A impossibilidade do estabe-
lecimento de controles estatais sobre a prossão jornalística
leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem
ou um conselho prossional (autarquia) para a scalização
desse tipo de prossão. O exercício do poder de polícia do Es-
tado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades
de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Repre-
sentação n.° 930, Redator p/ o acórdão Ministro Rodrigues
Alckmin, DJ, 2-9-1977. 8. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. POSIÇÃO
DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA).
A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu deci-
são no dia 13 de novembro de 1985, declarando que a obriga-
toriedade do diploma universitário e da inscrição em ordem
prossional para o exercício da prossão de jornalista viola o
art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que
protege a liberdade de expressão em sentido amplo (caso “La
colegiación obligatoria de periodistas” - Opinião Consultiva
OC-5/85, de 13 de novembro de 1985). Também a Organiza-
ção dos Estados Americanos - OEA, por meio da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, entende que a exigên-
cia de diploma universitário em jornalismo, como condição
obrigatória para o exercício dessa prossão, viola o direito
à liberdade de expressão (Informe Anual da Comissão In-
teramericana de Direitos Humanos, de 25 de fevereiro de
2009). RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS CONHECIDOS E
PROVIDOS.102
102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.   .
RE 511961 / SP. Ministério Público Federal e Sindicato das Empresas de Rádio e Tele-
visão no Estado de São Paulo. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Brasília. 17 jun. 2009.
DJe 213 Vol. 02382-04. p. 00692. 13 nov. 2009b.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 51
Hoje, quem deseja exercer o jornalismo não precisa de diplo-
ma, basta requerer o registro prossional junto ao sindicato da cate-
goria ou à Delegacia Regional do Trabalho (DRT), mediante anota-
ção em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
Fornecemos um modelo de requerimento de registro pros-
sional de jornalista (APÊNDICE C) e da declaração que deve acom-
panhar o pedido, (APÊNDICE D).
Embora a exigência de diploma de jornalista tenha caído
por terra, para o radialista o canudo ainda é imprescindível, ao
menos em tese, pois essa categoria é regida por lei especíca, Lei
nº 6.615/78, e pelo Decreto nº 84.134/79.
Todavia, a tendência é considerar igualmente inconstitucio-
nal a exigência de diploma de radialista. O Tribunal Superior do
Trabalho (TST) prescindiu do registro de radialista para conceder
o enquadramento prossional ao reclamante que exercera as fun-
ções da prossão. Na fundamentação, houve menção expressa à de-
claração de inconstitucionalidade do art. 4º, inc. V do Decreto-Lei
nº 972/69, Lei de Imprensa, pelo Supremo.
EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. EMBAR-
GOS DO RECLAMANTE. ENQUADRAMENTO. RADIA-
LISTA. LEI Nº 6.615/78. REGISTRO. DESNECESSIDADE.
PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALI-
DADE. Discute-se, no caso, se, para o reconhecimento do en-
quadramento do empregado como radialista, na forma da Lei
nº 6.615/78, seria necessário o registro na Delegacia Regional
do Trabalho, conforme previsto no artigo 6º do citado diplo-
ma legal. A prossão de radialista rege-se pelos ditames da
Lei nº 6.615/78, regulamentado pelo Decreto nº 84.134/79, a
qual traz o conceito de radialista, de empresa de radiofusão,
as atividades abrangidas, os adicionais devidos no caso de
acumulação de funções e a jornada de trabalho, dentre outras
disposições. De acordo com o seu artigo 2º, será considerado
radialista - o empregado de empresa de radiodifusão que exer-
ça uma das funções em que se desdobram as atividades men-
cionadas no art. 4º-. Extraem-se daí dois requisitos: trabalho
em empresa de radiodifusão e exercício das funções previstas
no artigo 4º da Lei nº 6.615/48. Além disso, no artigo 6º, o
citado diploma legal acrescenta um pressuposto de caráter
Wesley Correa Carvalho
52
formal, qual seja o prévio registro, como radialista, na Dele-
gacia Regional do Trabalho. No caso dos autos, cou expres-
samente consignado, na decisão regional, que o reclamante
exerceu, - durante todo o lapso temporal em que perdurou o
contrato de trabalho, funções típicas do radialista-, mas não
estava devidamente registrado na Delegacia Regional do Tra-
balho do Ministério do Trabalho. A não observância de mera
exigência formal para o exercício da prossão de radialista,
no entanto, não afasta o enquadramento pretendido pelo re-
clamante. A primazia da realidade constitui princípio basi-
lar do Direito do Trabalho. Ao contrário dos contratos civis,
o contrato trabalhista tem como pressuposto de existência a
situação real em que o trabalhador se encontra, devendo ser
desconsideradas as cláusulas contratuais que não se coadu-
nam com a realidade da prestação de serviço. De acordo com
os ensinamentos de Américo Plá Rodriguez, o princípio da
primazia da realidade está amparado em quatro fundamen-
tos: o princípio da boa-fé; a dignidade da atividade humana;
a desigualdade entre as partes contratantes; e a interpretação
racional da vontade das partes. Destaca-se, aqui, a boa-fé ob-
jetiva, prevista expressamente no artigo 422 do Código Civil,
que deve ser observada em qualquer tipo de contrato, segun-
do a qual os contratantes devem agir com probidade, hones-
tidade e lealdade nas relações sociais e jurídicas. E, ainda, a
interpretação racional da vontade das partes, em que a alte-
ração da forma de cumprimento do contrato laboral, quando
esse é colocado em prática, constitui forma de consentimento
tácito quanto à modicação de determinada estipulação con-
tratual. Vale destacar, por oportuno, que o Supremo Tribunal
Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 511.961, de re-
latoria do Ministro Gilmar Mendes, entendeu que o artigo 4º,
inciso V, do Decreto--Lei nº 972/69, referente à exigência de
diploma universitário para o exercício da prossão de jorna-
lista, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
Para tanto, adotou como fundamento os artigos 5º, incisos
IV, IX, XIV e XIII, e 220 da Constituição da República, bem
como o artigo 13 da Convenção Americana de Direitos Huma-
nos - -Pacto de São José da Costa Rica-, o qual trata, especi-
camente, da liberdade de pensamento e de expressão. Diante
disso, tem-se que, no caso dos autos, não se pode admitir,
como pressuposto necessário para exercício da prossão de
radialista, o prévio registro na Delegacia Regional do Traba-
lho, conforme dispõe o artigo 6º da Lei nº 6.615/78, assim
como o Supremo Tribunal Federal decidiu que não poderá ser
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 53
exigido o diploma para exercício da prossão de jornalista,
sob pena de ofensa à liberdade de expressão e informação,
protegida constitucionalmente. Evidenciado, portanto, na
hipótese dos autos, que o reclamante, efetivamente, exercia
a função de radialista, pois preenchidos os dois requisitos
essenciais ao enquadramento na Lei nº 6.615/78 - o traba-
lho para empresa equiparada à de radiodifusão, na forma do
artigo 3º do citado diploma legal, e o exercício de uma das
funções em que se desdobram aquelas previstas no seu artigo
4º (editor de VT, previsto no item C (número 3), do Título III,
do Anexo do Decreto 84.134/79), não é possível admitir que
mera exigência formal, referente ao registro na Delegacia Re-
gional do Trabalho, seja óbice para que se reconheça o recla-
mante como integrante da categoria de radialista. Embargos
conhecidos e providos. EMBARGOS DO RECLAMADO HSBC
BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO. Ante o provimento
do recurso de embargos do reclamante, ca sobrestada a aná-
lise do recurso de embargos do reclamado HSBC Bank Brasil
S.A. - Banco Múltiplo.103
Esses julgados trouxeram segurança aos jornalistas e radia-
listas sem formação acadêmica. No entanto, tramita na Câmara dos
Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 33/2009,
visando tornar “novamente” constitucional a exigência de diploma
de jornalismo.104
Mas como carão as rádios comunitárias se o requisito do di-
ploma voltar a ser válido? A resposta encontra-se no próprio texto
da PEC 33/2009, pois, por sua redação atual, a exigência de diploma
não atingirá a gura do colaborador, ou seja, aquele que “[...] sem
relação de emprego, produz trabalho de natureza técnica, cientí-
ca ou cultural relacionado com sua especialização [...]”; tampouco
103 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho.   
. E-ED-RR - 2983500-63.1998.5.09.0012. HSBC Bank Brasil S.A. - Banco
Múltiplo, Carlos Lopes de Souza Bueno e Bamerindus S.A. - Participações e Empreen-
dimentos. Relator: Ministro José Roberto Freire Pimenta. Brasília. 07 mar. 2013. DEJT
05 abr. 2013c.
104 BRASIL. Senado Federal. . Disponível
em:
=E55B4068A2D6C47F54EB74C246984EB5.node2?codteor=1018499&filename=P
EC+206/2012>. Acesso em: 10 jun. 2013.
Wesley Correa Carvalho
54
quem “[...] à data da promulgação desta emenda constitucional
comprovar o efetivo exercício da prossão de jornalista, nem ao jor-
nalista provisionado que já tenha obtido registro prossional regu-
lar perante o órgão competente”.105
Portanto, a quem ainda não disponha de diploma de jornalista e
queira exercer a prossão com vínculo empregatício, recomendamos
aproveitar a oportunidade e buscar o seu registro. Do contrário, uma
vez promulgada a Emenda Constitucional, essa atuação será possível
somente na condição de colaborador, sem relação de emprego.
Quanto ao exercício das funções de radialista e jornalista, em
caráter voluntário e amador, dispensa-se diploma e registro pros-
sional, bastando apresentar carteira de identidade e comprovante
de residência.
3.18 CuIdAdos Com A legIslAção trABAlhIstA
São seis as formas de contrato de trabalho: assalariado, even-
tual, autônomo, temporário, avulso e voluntário.106
As rádios comunitárias geralmente fazem uso do trabalho vo-
luntário, autônomo e assalariado.
Algumas contratam reduzido número de empregados, e essa
contratação é regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
requerendo anotação na CTPS do empregado e registro no Livro de
Registro de Empregados (LRE), além do pagamento de salário, 13º,
férias, repouso semanal remunerado, vale transporte, horas extras,
adicional noturno e salário família, quando devido, Sem prejuízo de
outras formalidades e das verbas rescisórias aqui não arroladas.
Antes de contratar empregados, as rádios comunitárias devem
se certicar se podem atender ao disposto na legislação trabalhista,
senão, problemas e dívidas surgirão.
105 BRASIL.         .
Disponível em:
mate=92006>. Acesso em: 10 jun. 2013.
106 MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Aspectos trabalhistas do serviço voluntário
e religioso. In: MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). 
: aspectos scais, previdenciários e trabalhistas. São Paulo: LTR, 2002.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 55
Ao admitir empregado, recomendamos fazê-lo rmar o com-
promisso de indenizar a empregadora por todos os danos causados
- culposa ou dolosamente - pois do contrário, será responsabiliza-
do apenas pelos prejuízos dolosos, intencionais, art. 462, § 1º da
CLT.107 Esse acordo pode ser veiculado em Regulamento Interno de
Trabalho (RIT), ou assinado em separado. Fornecemos um modelo
de termo de compromisso com essa nalidade (APÊNDICE F).
Os autônomos prestam serviços remunerados, mas não estão
subordinados ao poder de direção de seus clientes, pois executam
suas tarefas nos horários e locais de sua escolha e têm ampla au-
tonomia. Normalmente, possuem uma clientela variada, isso lhes
proporciona independência econômica. São os contadores, os enge-
nheiros, jornalistas e demais prossionais liberais; eles não preci-
sam ser assalariados, e podem ser contratados na forma da lei civil,
recebendo seus honorários mediante recibo.
Apesar dessas diferenças, tanto os salários dos empregados
quanto os honorários dos prossionais liberais sofrem desconto de
contribuição previdenciária, na ordem de 8% a 11% sobre o valor da
remuneração. A contratante é tributada em 20% sobre essa mesma
importância, arts. 20 e 22 inc. I da Lei nº 8.212/91.108
O trabalho voluntário é a forma de contratação mais utilizada.
Exercido desde 1543, na Casa de Misericórdia da Vila de Santos, na
então Capitania de São Vicente, apenas recentemente passou a ser
legalmente disciplinado, Lei nº. 9.608/98.109
Serviço voluntário é todo aquele não remunerado, prestado
por pessoa física a entidades públicas ou privadas sem ns lucrati-
vos, estas últimas dotadas de objetivos cívicos, culturais, educacio-
nais, cientícos, recreativos ou de assistência social. As empresas
não podem utilizar trabalho voluntário; se insistirem caracteriza-se
107 BRASIL. -. Aprova a Consolidação
das Leis do Trabalho. Disponível em:
-lei/del5452.htm>. Acesso em: 19 dez. 2013.
108 BRASIL.    . Dispõe sobre a organização da
Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências. Disponível em:
. Acesso em: 19 dez. 2013.
109 MARTINS, Sérgio Pinto. Serviço voluntário. , vol. 69, nº 2, jul./dez. 2003.
Wesley Correa Carvalho
56
relação de emprego ou realização de horas extras. O trabalho volun-
tário não gera vínculo empregatício, nem obrigação trabalhista, pre-
videnciária ou am, devendo ser prestado mediante a celebração de
termo de adesão, nele constando o objeto e as condições do serviço.
Às vezes, o serviço voluntário se desvirtua de seus propósitos,
passando a camuar autêntica relação de emprego. Nesses casos, o
trabalhador começa a prestar serviços não pactuados ou a receber re-
muneração, sem usufruir dos demais direitos do regime celetista.110
A distinção entre o serviço voluntário e relação empregatícia
não é a existência de subordinação ou a continuidade da prestação.
O trabalho voluntário também pode possuir esses atributos, se fo-
rem previamente ajustados no termo de adesão.111
Essa diferenciação dá-se por conta da dependência econômi-
ca, induzida pela remuneração, pois o trabalho voluntário deve ser
gratuito, sem direito a férias, 13º salário etc. Sobre ele, tampouco há
a incidência de contribuição previdenciária. É permitido apenas o
reembolso das despesas comprovadamente realizadas na prestação
do serviço, Lei nº. 9.608/98, art. 3º.112
Martins entende que, além do reembolso de despesas, o vo-
luntário pode receber uma ajuda de custo em virtude das diculda-
des das atividades. Isso não representa remuneração, § 1º do art.
457 da CLT.113
A ajuda de custo seria uma paga a tornar mais suportável o
serviço voluntário por quem, de outra fonte, precisaria retirar seu
sustento. Não recomendamos ajuda de custo ao voluntariado. A-
nal, essa prática carece de autorização da Lei nº. 9.608/98 e pode
resultar em dependência econômica. Fora isso, o simples fato de
buscar respaldo na legislação trabalhista para legitimá-la já consti-
tui sério indicativo de vínculo empregatício.
110 MARTINS FILHO, 2002.
111 MARTINS, 2003.
112 BRASIL.       . Dispõe sobre o serviço
voluntário e dá outras providências. Disponível em:
vil_03/leis/L9608.htm>. Acesso em: 19 dez. 2013.
113 MARTINS, 2003.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 57
O voluntário pode se liar à previdência na condição de se-
gurado facultativo, se não exercer outra atividade passível de lia-
ção obrigatória. Filiado, ele passa a usufruir os mesmos direitos e
benefícios dos demais segurados. Sobre o trabalho voluntário, não
incidem o Imposto de Renda (IR) e o Imposto Sobre Serviços de
Quaisquer Naturezas (ISSQN).
A Justiça do Trabalho é incompetente para dirimir os coni-
tos decorrentes do trabalho voluntário, ressalvadas as hipóteses de
conguração de vínculo empregatício, é claro.114
Respeitar as normas das diversas modalidades de contrata-
ção traz segurança jurídica às rádios comunitárias. Sabendo disso,
preparamos um modelo de termo de adesão de trabalho voluntário
(APÊNDICE E).
3.19 responsABIlIdAde CIVIl e CrImInAl
O fato de as associações e fundações mantenedoras de rádios
comunitárias serem pessoas jurídicas de direito privado sem ns lu-
crativos não as exime de responderem, civilmente, pelos danos cau-
sados a terceiros mediante a prestação de seu serviço e tampouco
exclui a responsabilidade criminal de seus agentes pela prática de
atos ilícitos no exercício de suas funções.
As rádios comunitárias podem ser responsabilizadas civilmen-
te e condenadas a pagar indenização por danos materiais e morais.
A responsabilidade civil das rádios comunitárias como a de
toda imprensa é, no entanto, subjetiva, isto é, depende da verica-
ção de culpa ou dolo por parte do praticante do ato ilícito, art. 4º do
Decreto-Lei nº 972/69.115
Porém, há uma séria limitação a essa responsabilidade no § 3º
do art. 4º da Lei nº 9.612/98, que diz:
114 MARTINS, 2003.
115 BRASIL. . Dispõe sobre o exercí-
cio da prossão de jornalista. Disponível em:
decreto-lei/del0972.htm>. Acesso em: 10 jun. 2013.
Wesley Correa Carvalho
58
§ 3º Qualquer cidadão da comunidade beneciada terá direi-
to a emitir opiniões sobre quaisquer assuntos abordados na
programação da emissora, bem como manifestar ideias, pro-
postas, sugestões, reclamações ou reivindicações, devendo
observar apenas o momento adequado da programação para
fazê-lo, mediante pedido encaminhado à Direção responsável
pela Rádio Comunitária.116
Quando um cidadão, fazendo uso de seu direito ao microfone,
causar dano material ou moral a terceiro, a emissora não poderá ser
responsabilizada, pois estará no estrito cumprimento de um dever
legal, exercendo uma função social sem qualquer contraprestação,
já arcando com um verdadeiro ônus.117 Responsabilizá-la por tais
danos seria como condená-la em razão do conteúdo de propaganda
eleitoral. Não faz o menor sentido.
As emissoras comunitárias não podem exercer censura prévia
sobre o teor de pronunciamento, mesmo sob o argumento de im-
pedir danos a terceiros. A CF/88, art. 220, proíbe toda e qualquer
forma de censura quando estatui o seguinte:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expres-
são e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo
não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir
embaraço à plena liberdade de informação jornalística em
qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto
no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística.118
Não bastasse a proibição constitucional, a censura prévia tam-
bém é prática vedada pelo art. 13, inc. II da CADH, pois fere o direito
de liberdade de expressão assegurado ao cidadão.119
116 BRASIL, 1998a.
117 VENOSA, Silvio de Salvo.  : responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2002.
118 BRASIL, 1988.
119 CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, 1969.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 59
Como o radialista deve proceder ao tomar conhecimento de
pronunciamento com potencial de gerar danos a terceiros? Deve
advertir o seu autor dessa possibilidade, e resguardar a imagem ins-
titucional da emissora por meio da divulgação de nota de esclareci-
mento aos ouvintes, informando ser essa manifestação da responsa-
bilidade exclusiva de seu emitente.
O exercício do direito de liberdade de expressão, como o exer-
cício da maioria dos direitos, comporta abusos a serem reprimidos
pelo Poder Judiciário. Por essa razão, o item 21.3 da Portaria nº
462/2011 do MC estabelece o dever de gravar e arquivar toda trans-
missão pelas 24 horas seguintes ao encerramento dos trabalhos diá-
rios da emissora e que os textos de todos os programas, inclusive
noticiosos, devem ser autenticados e preservados por 60 dias.120
Compreensível essa exigência, nada, porém, justicaria a antidemo-
crática prática da censura prévia.
Sugerimos às rádios comunitárias, na medida do possível, ar-
quivarem seus conteúdos por até três anos, pois esse é o prazo pres-
cricional da reparação civil previsto no inc. V do § 3º do art. 206 do
Código Civil. Essa providência facilita a produção de provas em juí-
zo e resguarda a emissora de eventual inversão do ônus da prova.121
Em item anterior, falamos da probabilidade de instituição
religiosa sem representação na comunidade desejar veicular pro-
grama radiofônico. Nesse caso, a rádio seria corresponsável pelas
opiniões pessoais e posicionamentos institucionais levados ao ar,
pois concedendo a palavra a pessoas ou entidades de fora de sua
comunidade, ela estará ao desamparo do § 3º do art. 4º e do art. 15,
ambos da Lei nº 9.612/98.122
120 BRASIL, 2011a.
121 O ônus da prova é o dever das partes de provar o alegado. Por ele, o autor deve provar
em juízo as alegações sobre as quais se fundamente o seu direito, enquanto o réu tem o
dever de provar os fatos extintivos, modicativos e impeditivos do direito do autor. Com
a inversão do ônus da prova, o juiz altera essa regra, podendo incumbir o réu de provar
que o autor não tem razão, sendo condenado se assim não o zer (DIDIER JR., Fredie;
BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. . Salva-
dor: Jus Podivm. 4 ed. Vol. 2. 2009).
122 BRASIL, 1998a.
Wesley Correa Carvalho
60
Outra dúvida é quanto ao conceito de cidadão, pois o dicioná-
rio dene cidadão como “Indivíduo no gozo dos direitos civis e po-
líticos de um estado [...]” e “Habitante da cidade”.123 Ou seja, quem
poderia exercer o direito de expressão previsto no § 3º do art. 4º da
Lei nº 9.612/98? Todos os residentes na comunidade? Somente os
eleitores registrados? Apenas os eleitores maiores de dezoito anos?
Dizer ser o povo somente o conjunto dos eleitores equivale a
armar não haver povo nos países onde não se tem direito a voto.
Portanto, todos devem ser considerados cidadãos, embora o pleno
exercício de sua cidadania dependa do atendimento de certos re-
quisitos.124
A interpretação do § 3º do art. 4º da Lei nº 9.612/98 deve ser
a mais ampla possível, de forma a lhe conferir a desejada ecácia.
Nas comunidades, todos têm o direito de se expressar, sejam maio-
res, menores, eleitores, não eleitores, doutores ou analfabetos.
Contudo, isso não retira das emissoras comunitárias o direito
de adotarem uma interpretação defensiva do art. 6º do RSRC, pois
uma vez proibidas de transmitirem para além do raio de 1 km de
sua antena, não podem ser compelidas a franquearem o microfone
a pessoas e entidades de fora de sua área de alcance.
Existem pessoas extremamente desagradáveis e de todo in-
convenientes. Ao fazerem uso da palavra, provocam desconforto e
repulsa nas pessoas e na coletividade. Como se livrar delas? Sim-
ples, basta medir com uma trena a distância da residência do infeliz,
digo do interessado, até o sistema irradiante da emissora, se for su-
perior a um quilômetro, não se deve ter o menor receio de lhe negar
a oportunidade, anal, ele reside fora da comunidade.
O comunicador comunitário precisa ter habilidade de com-
por os interesses em jogo, por exemplo, se um partido político pe-
dir para veicular mensagem na programação, em vez de se negar, é
melhor transmiti-la e pronticar-se, no ar, a divulgar mensagens de
todas as outras legendas interessadas.
123 FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. . Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. p. 403.
124 DALLARI, Dalmo de Abreu.    . 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 1998.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 61
Em relação aos danos causados por menores no uso do micro-
fone, a responsabilidade civil é inteiramente dos pais, art. 932, inc.
I do Código Civil.125
Questão tormentosa é a xação de valor de indenização por
danos morais a ser suportado por rádio comunitária, pois o pará-
grafo único do art. 953 do Código Civil estabelece: “Se o ofendido
não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz xar, equitativa-
mente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias
do caso”.126
Alguns veículos de comunicação têm sofrido condenações mi-
lionárias, correspondentes ao triplo de seu patrimônio. Isso põe em
risco um dos mais fortes pilares da democracia brasileira: a liberda-
de de imprensa.127
Se a rádio comunitária for demandada em ação de indenização
por danos morais, além de discutir o dever de indenizar, recomen-
damos questionar o valor pleiteado e juntar ao processo as provas
de sua real situação econômica, pois assim o magistrado disporá de
informações para xar o valor de eventual condenação dentro dos
limites do razoável e do proporcional.
As pessoas jurídicas, inclusive as emissoras comunitárias,
geralmente não respondem penalmente pelos atos ilícitos de seus
agentes,128 sua responsabilidade é exclusivamente civil. Somen-
te pessoas físicas respondem pela prática de crimes, todavia, na
apreensão de equipamentos utilizados em transmissão clandestina,
art. 183 da Lei Federal nº 9.472/97, as emissoras acabam pagando
pelos erros de seus prepostos, pois perdem seus aparelhos para a
agência reguladora.129
125 BRASIL.  Institui o Código Civil. Dis-
ponível em: . Acesso
em: 10 jun. 2013.
126 BRASIL, 2002a.
127 BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. : critérios de xação de va-
lor. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
128 As exceções a essa regra são os arts. 173, § 5º e 225 § 3º da CF/88, que preveem a
possibilidade do cometimento, por pessoa jurídica, de crimes ambientais, contra a or-
dem nanceira e econômica e contra a economia popular, respectivamente.
129 BRASIL, 1997a.
Wesley Correa Carvalho
62
Acreditamos na nulidade dessa disposição legal por vários
motivos: 1) a entidade tem personalidade distinta dos seus sócios;
2) geralmente os atos ilícitos são praticados sem obediência às for-
malidades estatutárias; 3) os benfeitores da instituição não verão
suas doações favorecer a comunidade; 4) o art. 5º da CADH estabe-
lece a impossibilidade de uma pena passar da pessoa do delinquente.
Com base nesses argumentos, uma vez apreendidos os seus
equipamentos, a emissora poderá requerer ao delegado de polícia
ou ao juiz a sua restituição, na forma do art. 120 do Código de Pro-
cesso Penal (CPP), e havendo recusa, poderá impetrar mandado de
segurança com essa mesma nalidade.130
3.20 rÁdIos ComunItÁrIAs e eCAd
Quando uma música é reproduzida em lojas, bares, restauran-
tes, academias de ginástica, hotéis, clubes recreativos e outros ou
então transmitida por emissora de rádio ou televisão, esses estabe-
lecimentos passam a dever certa quantia aos compositores, instru-
mentistas e intérpretes da canção, a título de direitos autorais.
A scalização do uso de obras musicais, a xação do valor dos
direitos e sua cobrança estão a cargo do Escritório Central para Ar-
recadação e Distribuição (Ecad), instituído pela Lei nº 5.988/73131
e mantido pela Lei nº 9.610/98.132 Somente o uso de música no re-
cinto familiar ou para ns pedagógicos em unidade de ensino está
isento dessa cobrança, a qual atinge inclusive eventos benecentes
e festejos promovidos pela administração pública.
130 SILVEIRA, 2001.
131 BRASIL. . Regula os direitos autorais
e dá outras providências. Disponível em:
l5988.htm>. Acesso em: 03 out. 2013.
132 BRASIL. . Altera, atualiza e consolida
a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9610.htm>. Acesso em: 03 out. 2013.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 63
Executar música sem permissão do Ecad congura a violação
de direito autoral tipicada no art. 184, § 1º do Código Penal.133
Ao descobrir estabelecimento reproduzindo música sem sua
autorização, o Ecad propõe ação de cobrança para receber os direi-
tos autorais e, às vezes, instaura processo criminal em desfavor dos
responsáveis pela violação.
A scalização dá-se por meio dos relatórios emitidos pelos
usuários permanentes de música e de scais trabalhando em regi-
me de comissão.134 As emissoras de rádio são presas fáceis, pois com
endereço xo e transmitindo sempre na mesma frequência, são fa-
cilmente descobertas.
Para as rádios comunitárias, os boletos de cobrança de direi-
tos autorais representam uma preocupação extra na hora de fechar
as contas. Nossas emissoras comunitárias pagam pelo uso das mú-
sicas os mesmos preços que as rádios comerciais, quando não maio-
res. Isso é uma terrível injustiça!
Sob a Lei nº 5.988/73, as rádios comunitárias conseguiram,
na justiça, livrar-se da cobrança dado o seu caráter de utilidade pú-
blica e a ausência do propósito de lucro. Contudo, com o advento
da Lei nº 9.610/98, o STJ mudou sua jurisprudência impondo-lhes
novamente a obrigação.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.178.629 - PR (2010/0021668-4).
RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE: ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADA-
ÇÃO E DISTRIBUIÇÃO ECAD ADVOGADO: LUDOVICO
ALBINO SAVARIS ADVOGADA: KARINA HELENA CAL-
LAI RECORRIDO: ASSOCIAÇÃO EQUIPE CANAL 8 ADVO-
GADO: VITOR EDUARDO HÜFFNER PARDAL. DECISÃO.
Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no
art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal,
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado
do Paraná, assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL - DIREITOS
133 BRASIL.    . Código Penal.
Disponível em: .
Acesso em: 03 out. 2013.
134 VESPOLI, Sandra. . Rio Claro-SP: Medjur, 2004.
Wesley Correa Carvalho
64
AUTORAIS ECAD - RÁDIO COMUNITÁRIA - FUNÇÃO PÚ-
BLICA - ISENÇÃO DO PAGAMENTO - PRECEDENTES –
RECURSO DESPROVIDO. A rádio comunitária foi declarada
de utilidade pública pelo Município de Clevelândia, por meio
da Lei Municipal nº 28/98, uma vez que se dedica a ativida-
des culturais e educativas, sem nalidade lucrativa (direta ou
indireta), sendo vedada qualquer possibilidade de exploração
comercial ou político-partidária a partir de seu próprio Es-
tatuto regente. Como a rádio comunitária não visa qualquer
lucro direto ou indireto não é devido o pagamento dos direi-
tos autorais, porque a entidade não se enquadra no disposto
no artigo 73, da Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998)”
(. 301). Nas razões recursais, além do dissídio jurispruden-
cial, alega o recorrente violação dos arts. , 28, 29, 68 e 105
da Lei nº 9.610/98 e da Convenção de Berna, sustentando,
em síntese, que “(...) uma execução musical dá lugar à percep-
ção dos direitos autorais mesmo quando tenha caráter gratui-
to, desde que se verique como execução pública, porquanto
é justamente a noção de local público - transmissão de obras
musicais a um público geral – que constitui, nessa matéria,
o elemento relevante do ponto de vista jurídico, razão pela
qual o posicionamento da e. Câmara se mostra no mínimo
em menosprezo à legislação de direitos autorais, a doutrina
e aos reiterados precedentes do Novel STJ” (. 345). Recurso
tempestivo e respondido. É o relatório. DECIDO. Com razão
o recorrente. Da análise dos autos, depreende-se que o Tri-
bunal de origem, conrmando a sentença, decidiu que, uma
vez afastada a obtenção de lucro nas atividades desenvolvidas
pela rádio comunitária – ora recorrida - cujo desiderato é ape-
nas o fomento à cultura popular, esta não se sujeita ao paga-
mento de contribuição e obtenção de prévia autorização pela
retransmissão de obras musicais nacionais. Ocorre que, com
a entrada em vigor da Lei nº 9.610/98, a jurisprudência desta
Corte Superior rmou-se no sentido de autorizar a cobrança
dos direitos autorais em todos os casos de reprodução pública
de obra musical, não estando sua exigibilidade condicionada à
auferição de lucro direto ou indireto por parte de quem a pro-
move. É o que se extrai dos seguintes arestos: “PROCESSUAL
CIVIL E CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA N. 282 DO STF. DIREITO AUTORAL. EVENTOS
PÚBLICOS GRATUITOS PROMOVIDOS PELA MUNICIPA-
LIDADE EM LOGRADOUROS E PRAÇAS PÚBLICAS. PA-
GAMENTO DEVIDO. UTILIZAÇÃO DE OBRA MUSICAL.
LEI N. 9.610/98. 1. Aplica-se o óbice previsto na Súmula
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 65
n. 282/STF quando a questão infraconstitucional suscitada
no recurso especial não foi enfocada no acórdão recorrido. 2.
A utilização de obras musicais em eventos públicos gratuitos
que são promovidos pela municipalidade enseja, à luz da Lei
n. 9.610/98, a cobrança de direitos autorais, a qual não mais
está condicionada à auferição de lucro direto ou indireto pelo
ente promotor. 3. Agravo regimental desprovido”.135
Uma emissora comunitária não tem muitas alternativas para
se eximir dessa cobrança. Se resolver reproduzir cantigas de do-
mínio público, deverá atentar para o fato de que somente as obras
musicais cujo último autor tenha falecido há mais de setenta anos
podem assim ser consideradas, art. 41 da Lei nº 9.610/98.136 Enm,
essa ideia pode arruinar a programação.
Se deixar de pagar os boletos do Ecad e esperar pela propo-
situra da ação de cobrança, poderá discutir em juízo o valor de seu
débito, essa tem se revelado uma boa estratégia, mas não impede
o Escritório de obter determinação judicial proibindo novas repro-
duções musicais e não livra os responsáveis pela programação de
responderem criminalmente, art. 184, § 1º do CPB.
DIREITOS AUTORAIS. RECURSO ESPECIAL. ECAD. SUS-
PENSÃO DA EXECUÇÃO DE OBRAS MUSICAIS. RÁDIO.
NÃO PAGAMENTO DOS DIREITOS AUTORAIS. TUTELA
ESPECÍFICA DE CARÁTER INIBITÓRIO. POSSIBILIDADE.
1. Discussão relativa ao cabimento da medida de suspensão ou
interrupção da transmissão de obras musicais, por emissora
de radiodifusão, em razão da falta de pagamento dos direito
autorais. 2. A autorização para exibição ou execução das obras
compreende o prévio pagamento dos direitos autorais. 3. A
possibilidade de concessão da tutela inibitória, para impedir
a violação aos direitos autorais de seus titulares, (art. 105 da
Lei 9.610/98), está prevista de forma ampla na norma, não
havendo distinção entre os direitos morais e patrimoniais de
135 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. .
REsp1178629/PR. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD e Associação
Equipe Canal 8. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Brasília. 22 maio 2012.
DJe 05 jun. 2012c.
136 BRASIL, 1998d.
Wesley Correa Carvalho
66
autor. 4. Não se deve confundir a pretensão de recebimento
dos valores devidos, a ser obtida por meio da tutela condena-
tória e executiva, com a pretensão inibitória, que visa cessar
ou impedir novas violações aos direitos autorais. Ao mesmo
tempo, há que se frisar que uma não exclui a outra. 5. Admitir
que a execução das obras possa continuar normalmente, mes-
mo sem o recolhimento dos valores devidos ao ECAD - porque
essa cobrança será objeto de tutela jurisdicional própria -, se-
ria o mesmo que permitir a violação aos direitos patrimoniais
de autor, relativizando a norma que prevê que o pagamento
dos respectivos valores deve ser prévio (art. 68, caput e §4º da
Lei 9.610/98) 6. Recurso especial provido.137
Deixar os débitos se acumularem para só então buscar uma
negociação junto ao Ecad, embora seja nanceiramente vantajoso
para a devedora, pode não escusar seus dirigentes de eventual ação
penal.138
Há, ainda, a via da repetição do indébito, uma vez pagos os
boletos do Ecad, a emissora poderá ingressar com ação judicial para
reaver valores recolhidos a mais, contudo, o processo é demorado.
Sugerimos sempre questionar os valores praticados pelo Es-
critório, por diversas razões: 1) suas tabelas de preços são extensas
e confusas;139 2) tais créditos não têm natureza tributária, devendo
ser objeto de ação de cobrança na qual se assegure ao devedor a
mais ampla defesa; 3) os agentes da arrecadação não dispõem de fé
pública, devendo provar sucientemente a execução das músicas,
do contrário não recebem os direitos;140 4) a Lei nº 12.853/13 acres-
centou os §§ 3º e 4º ao art. 98 da Lei nº 9.610/98, criando novos
parâmetros de cobrança.
137 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.    .
REsp1190841/SC. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD e Rádio Som-
brio FM Ltda. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Brasília. 11 jun. 2013. DJe 21 jun.
2013d.
138 VESPOLI, 2004.
139 VESPOLI, 2004.
140 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. . Apelação cível
nº 252.795-4/5-00. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição ECAD e Rancho
Peri Peri Bar e Restaurante Ltda. Relator: Desembargador Roberto Mac Cracken. São
Paulo. 11 mar. 2009. 14 abr. 2009.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 67
§ 3º Caberá às associações, no interesse dos seus associados,
estabelecer os preços pela utilização de seus repertórios, con-
siderando a razoabilidade, a boa-fé e os usos do local de utili-
zação das obras.
§ 4º A cobrança será sempre proporcional ao grau de utili-
zação das obras e fonogramas pelos usuários, considerando
a importância da execução pública no exercício de suas ati-
vidades, e as particularidades de cada segmento, conforme
disposto no regulamento desta Lei.141
Por esse dispositivo, o Ecad tem o dever de dispensar às emis-
soras comunitárias tratamento diferenciado em relação às comer-
ciais, já que despojadas de nalidades lucrativas e de transmissão
de longo alcance.
Como se não bastassem todos esses motivos, mesmo contra-
riando jurisprudência superior, alguns magistrados decidem ser in-
cabível a cobrança de direitos autorais em detrimento de emissoras
comunitárias.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. ECAD. IMPRO-
CEDÊNCIA NA ORIGEM. RECLAMO DO AUTOR. DIREITOS
AUTORAIS. ARRECADAÇÃO. DEMANDA AJUIZADA EM
FACE DE RÁDIO COMUNITÁRIA, SEM FINS LUCRATIVOS.
IMPOSIÇÃO QUE PREJUDICARIA E/OU INVIABILIZARIA
AS ATIVIDADES DE PROMOÇÃO SOCIAL E CULTURAL
EXERCIDAS PELO MEIO DE COMUNICAÇÃO. PREVALÊN-
CIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR. DÉ-
BITO INEXIGÍVEL. TRANSMISSÃO DAS COMPOSIÇÕES.
PEDIDO DE SUSPENSÃO. INACOLHIMENTO. PRESCINDI-
BILIDADE DA AUTORIZAÇÃO DOS AUTORES DAS OBRAS,
ANTE A FUNÇÃO SOCIAL EXERCIDA PELA RÉ. PREQUES-
TIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE MENÇÃO EXPRES-
SA AOS DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS IN-
VOCADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.142
141 BRASIL. . Altera os arts. 5º, 68, 97, 98,
99 e 100, acrescenta arts. 98-A, 98-B, 98-C, 99-A, 99-B, 100-A, 100-B e 109-A e revoga o
art. 94 da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a gestão coletiva de
direitos autorais, e dá outras providências. Disponível em:
br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12853.htm>. Acesso em: 03 out. 2013.
142 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça.    .
Processo nº. 2013.046106-4. Associação Comunitária Betel FM e Escritório Central de
Wesley Correa Carvalho
68
Por essas razões, muitas rádios comunitárias resolvem correr
os riscos, deixam de pagar o Ecad, depositam o dinheiro em cader-
neta de poupança e esperam pela ação de cobrança.
3.21 o CrIme de VIolAção de dIreIto AutorAl
Quanto ao aspecto penal, embora comum, o enquadramento
de comunicadores comunitários no art. 184, § 1º do CPB é incorreto.
Vejamos:
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial,
com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio
ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou
fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista in-
térprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de
quem os represente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro)
anos, e multa.143
Como se vê, a nalidade lucrativa do infrator qualica o crime
de violação de direito autoral e aumenta consideravelmente a pena
aplicável. O organizador de um evento, ao executar canção sem au-
torização e vender ingressos, aufere lucro direto. Um comerciante,
quando o faz para aumentar o público de seu estabelecimento e o
consumo de seus produtos, obtém ganho indireto.
Qual a vantagem nanceira do radialista comunitário ao trans-
mitir obra musical sem autorização? Nenhuma, pois as rádios comu-
nitárias não têm nalidade lucrativa, art. 1º, caput, Lei nº 9.612/98.
Portanto, sua conduta é a tipicada no caput do art. 184 do
CPB, sem a qualicadora do § 1º. Isso abranda a pena e lhe possibilita
Arrecadação e Distribuição ECAD. Relator: Desembargador Odson Cardoso Filho. Flo-
rianópolis, 10 out. 2013. Disponível em:
cada.jsp?q=2013.046106z&cat=acordao _&radio_campo=ementa&prolatorStr=&class
eStr=&relatorStr=&datainicial=&datanal=&origemStr=&nuProcessoStr=&categoria=
acordao#resultado_ancora>. Acesso em: 08 nov. 2013.
143 BRASIL, 1940.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 69
usufruir da suspensão condicional do processo, sursis, art. 89 da Lei
nº 9.099/95, benefício já explicado em item anterior.
Mas, em nosso ver, não há crime algum, pois a cobrança ex-
torsiva imposta pelo Ecad conduz o agente ao estado de necessidade
previsto no art. 23, inc. I e art. 24 do CPB.
Igualmente, a tipicidade material do delito - reprovação social
- merece ser questionada; incidindo também sobre o referido tipo
penal e comento os princípios da insignicância e da intervenção
mínima estatal.144
3.22 grAtuIdAde JudICIÁrIA e AssIstênCIA JudICIÁrIA
grAtuItA
Sua condição de entidade sem ns lucrativos não impede a
rádio comunitária de participar de processos judiciais, como reque-
rente, requerida ou terceira interessada. Muitas não sabem, mas
podem executar contratos e ajuizar ação de cobrança para receber
o equivalente aos custos operacionais dos serviços prestados. O que
não podem é lucrar com essa prestação de serviços.
A CF/88, art. 5º, inc. LXXIV, assegura assistência jurídica in-
tegral e gratuita a quem comprovar insuciência de recursos. An-
tes dela, a Lei nº 1.060/50 já disciplinava a concessão do benefício
da gratuidade judiciária aos litigantes em processo judicial, ou seja,
isenção de custas judiciárias e demais despesas processuais a quem
não disponha de recursos nanceiros para com elas arcar.
Essa dispensa compreende custas iniciais, o preparo recursal,
despesas com ocial de justiça, expedição de alvarás e cartas preca-
tórias, autenticação de documentos, honorários advocatícios de su-
cumbência, caução das ações de despejo e rescisória, e, a depender
do entendimento do magistrado da causa, honorários de perito.145
144 NUCCI, 2008.
145 O projeto do Novo Código de Processo Civil promete estender - denitivamente - aos
honorários periciais a cobertura do benefício da gratuidade judiciária. BRASIL. Senado
Federal. PLS nº 166/2010.   Disponível
em: Acesso em:
25 mai 2014.
Wesley Correa Carvalho
70
Muito embora a Lei nº 1.060/50 não faça menção à concessão do
benefício da gratuidade a pessoas jurídicas, a jurisprudência já a admi-
te, uma vez provada documentalmente a hipossuciência econômico-
-nanceira da instituição. Uma empresa que não esteja em condições
de arcar com as despesas processuais sem pôr em risco sua sobrevivên-
cia, por exemplo, receberá o benefício da assistência judiciária gratuita,
podendo, assim, defender seus direitos e interesses em juízo.
As rádios comunitárias podem se beneciar da gratuidade ju-
diciária. Em alguns casos, delas se exige apenas a comprovação da
regularidade de seu funcionamento, visto serem entidades sem ns
lucrativos.
EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURAN-
ÇA. PESSOA JURÍDICA COM CARÁTER FILANTRÓPICO.
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. POSSIBILIDADE.
RÁDIO COMUNITÁRIA IRREGULAR. AUSÊNCIA DE AU-
TORIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DADA À AGÊNCIA REGU-
LADORA DE IMPEDIR SEU FUNCIONAMENTO. Em se
tratando de pessoa jurídica voltada a ns sociais e lantró-
picos, prestadora de serviços públicos essenciais, é possível
a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Precedentes da Turma. À Agência Reguladora é permitido la-
crar e impedir o funcionamento das rádios comunitárias que
operem sem autorização da ANATEL, não havendo em sua
conduta qualquer arbitrariedade, ilicitude ou abusividade. O
Poder Judiciário não pode conceder pedido para exploração
de serviço de radiodifusão, que, por demora da Administra-
ção, ainda não foi deferido, sob pena de usurpar competência
exclusiva do Poder Executivo. Prequestionamento quanto à
legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. Ape-
lação parcialmente provida.146
Em outras situações mais comuns, demanda-se provar não
disporem de condições nanceiras para arcar com as despesas do
processo.
146 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região.   
  RS 2003.71.00.030690-8. Associação Educativa e Cultural de Ra-
diodifusão Comunitária - Rádio Amiga FM e Agência Nacional de Telecomunicações -
ANATEL. Relator: Juiz Federal Fernando Quadros da Silva. Porto Alegre. 26 out. 2006.
DJU 29 nov. 2006b. p. 825.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 71
EMENTA: ADMINISTRATIVO. RÁDIO COMUNITÁRIA.
LACRE DE EQUIPAMENTOS. ANATEL. AJG. PESSOA JU-
RÍDICA. 1. A concessão da Assistência Judiciária Gratuita à
pessoa jurídica depende da efetiva comprovação de ausência
de recursos nanceiros. 2. Por disposição constitucional, os
serviços de radiodifusão sofrem o crivo estatal, desde a auto-
rização até a regularidade do funcionamento, pela scalização
da ANATEL. 3. É ilegal o funcionamento de rádio comunitária
sem autorização legal.147
Recomendamos às emissoras comunitárias demonstrarem
sua situação econômica insalubre desde o início do processo, pois,
além de estar de acordo com jurisprudência do STJ, isso pode inuir
na xação dos valores de eventuais multas e até no teor da decisão
nal. “Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com
ou sem ns lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar
com os encargos processuais”.148
Dúvida surge quanto à possibilidade do gozo desse benefí-
cio sob o patrocínio de advogado particular. Em resposta, convém
transcrever:
A representação por advogado particular não pode ser toma-
da como prova da capacidade nanceira da parte, a impedir a
concessão do mencionado benefício. Basta pensar na possibi-
lidade de o advogado ter sido contratado para receber remu-
neração apenas em caso de êxito da demanda, ou mesmo de
estar atuando na causa por caridade.149
147 BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. 
 RS 2007.71.00.034779-5. Associação de Radiodifusão Comunitária União e
Paz do Bairro Monte Alegre e Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL. Rela-
tora: Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria. Porto Alegre. 26 ago. 2009, de
01 out. 2009d.
148 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.   “Faz jus ao benefício da
justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem ns lucrativos que demonstrar sua im-
possibilidade de arcar com os encargos processuais”. Disponível em:
jus.br/portal_stj/publicacao/engine. wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106229>. Acesso
em: 19 dez. 2013f.
149 DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. . 5. ed. Sal-
vador: Jus Podivm, 2012. p. 12.
Wesley Correa Carvalho
72
É importante diferenciar a gratuidade judiciária, que é a isen-
ção de custas e outras despesas processuais, do benefício da assis-
tência judiciária gratuita, de conteúdo mais amplo, pois além da gra-
tuidade judiciária abrange ainda a defesa por advogado público.150
A Defensoria Pública é responsável pela orientação jurídica e
defesa dos necessitados na forma do art. 134 da CF/88 e do inc. I do
art. 4º da LC 80/94. A LC 132/2009 estendeu a atuação desse órgão
público às pessoas jurídicas em estado de vulnerabilidade econômi-
ca. Portanto, na impossibilidade de custear advogado particular, as
emissoras comunitárias podem se socorrer dos defensores públicos
de sua região ou do trabalho de advogados dativos nomeados pelo
juízo, normalmente conveniados ao tribunal.
3.23 ContABIlIdAde e trIButAção
As rádios comunitárias integram o chamado terceiro setor,
composto pelas entidades sem ns lucrativos.151
E, por isso, devem dedicar especial atenção à sua contabilida-
de, pois somente dispondo de bons serviços contábeis será possível
atender às exigências governamentais relativas ao recebimento e à
prestação de contas de recursos públicos.
Apesar de não terem ns lucrativos e de possuírem nalida-
des culturais, educativas e assistenciais, as rádios comunitárias não
gozam da imunidade tributária prevista no art. 150, inc. VI, alínea
“c” da CF/88, e no art. 9º, inc. IV, a alínea “c” c/c art. 14, do Código
Tributário Nacional (CTN). Os partidos políticos têm imunidade tri-
butária, as rádios comunitárias não!
150 DIDIER JR; OLIVEIRA, 2012, p. 12.
151 “A organização da sociedade para a criação de novos modelos de instituições, inde-
pendentes do Estado (primeiro setor) e do mercado (segundo setor), decorreu da per-
cepção de alguns segmentos populares de que havia expectativas não atendidas pelos
modelos institucionais existentes”. Assim surgiu o terceiro setor, formado por organi-
zações não governamentais (ONGs) com objetivos cívicos, humanitários e/ou assisten-
ciais. “Trata-se de uma expressão traduzida do inglês (third sector), de uso corrente nos
Estados Unidos, cuja difusão ocorreu a partir da década de 70” (MAGALHÃES, 2012,
p. 50-51).
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 73
As rádios comunitárias são isentas de IR e de Contribuição
Social Sobre Lucro Líquido (CSLL), art. 15, § 1º da Lei nº 9.532/97
e art. 174 do Decreto nº 3.000/99.152
Remunerar quaisquer serviços de membros da Diretoria Exe-
cutiva ou outros órgãos da entidade, como o Conselho Fiscal e o
Conselho Comunitário, pode implicar na suspensão dessa isenção.
A isenção do IR não exime a emissora do dever de reter e re-
passar aos cofres públicos o imposto devido por seus empregados
e prestadores de serviços, cujos rendimentos forem superiores aos
limites da dispensa. Como já dissemos, os trabalhadores voluntá-
rios, por não serem remunerados, não estão sujeitos à retenção de
tributos.
Não obstante desobrigada desses tributos federais – IR e CSLL
– se, no município de situação da rádio comunitária não houver pre-
visão legal de isenção do ISSQN e do Imposto Predial Territorial
Urbano (IPTU), ela terá de recolhê-los. Essa é a realidade de muitas
emissoras comunitárias, que apesar de prestar importantes serviços
à população local, têm de pagar impostos municipais.
Disponibilizamos modelo de ofício solicitando alterações em
CTM de forma a isentar as rádios comunitárias do pagamento do
ISSQN e de IPTU. Com isso, esperamos aliviar o fardo de muitas
emissoras (APÊNDICE G).
A isenção de tributos municipais tampouco exime a rádio co-
munitária de recolher e repassar ao tesouro público o ISSQN devido
por seus prestadores de serviços.
Há uma série de benefícios alcançáveis mediante certicação
pelas autoridades. O Título de Utilidade Pública Federal (TUPF) é
conferido pelo Ministério da Justiça (MJ) à fundação ou associação,
atendidos os requisitos da Lei nº 91/35, do Decreto nº 50.517/61,
do Decreto nº 60.931/67 e da Lei nº 6.630/79: 1) ser constituída no
152 Imunidade tributária é hipótese de não incidência de impostos constitucionalmente
prevista, enquanto isenção é a dispensa de seu pagamento determinada por lei infra-
constitucional. Na imunidade, inexiste a obrigação tributária e não nasce o crédito, en-
quanto na isenção, primeiro nascem a obrigação e o crédito e depois a Fazenda Pública
exclui o seu pagamento (CHIMENTI, Ricardo Cunha; PIERRI, Andréa de Toledo. Teo
 São Paulo: Saraiva, 2011).
Wesley Correa Carvalho
74
país; 2) ter personalidade jurídica; 3) estar em funcionamento nos
últimos três anos, 4) respeitar os estatutos; 5) não remunerar seus
diretores e associados; 6) comprovar, por meio de relatórios a pro-
moção da educação, de atividades cientícas, culturais, artísticas ou
lantrópicas; 7) demonstrar a conduta ilibada de seus dirigentes;
8) publicar anualmente a demonstração de superávit ou décit do
período anterior, uma vez contemplada com subvenção da União.
Por outro lado, os benefícios proporcionados por esse título
são: receber subvenções, auxílios e doações da União; realizar sor-
teios, art. 4º da Lei nº 5.768/71; e perceber doações de empresas, de-
dutíveis em até dois por cento do lucro operacional da pessoa jurídica
doadora, antes de computada a sua dedução, art. 13, § 2º, inc. III da
Lei n° 9.249/95. A possibilidade de dedução do valor doado como
despesa gera a redução do valor sujeito à incidência do IR e da CSLL,
proporcionando à empresa doadora recuperar parte do valor doado.
O reconhecimento como Organização Social (OS), Lei Federal
nº 9.637/98, dispensa a entidade de participação em licitação para a
contratação com o poder público, Lei nº 8.666/93, art. 24, inc. XXIV.
Existe ainda a qualicação de Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIP), Lei Federal nº 9.790/99. A entidade
passa a ter permissão para assinar Termo de Parceria com o poder
público, isso facilita o acesso a recursos governamentais. A Medida
Provisória nº 2.158-35/2001, art. 59, estendeu às OSCIPs a possi-
bilidade de receberem as doações dedutíveis no lucro operacional
das empresas doadoras, art. 13, § 2º, inc. III da Lei n° 9.249/95, tal
como no TUPF.
Os benefícios de uma boa assessoria contábil por aí não pa-
ram. A contabilidade de custos entre outras utilidades é apta a com-
provar a inexistência de lucro, rechaçando acusações de desvios de
recursos, enriquecimento ilícito e confusão patrimonial.
Além disso, o documento comprobatório da impossibilidade
do pagamento de despesas processuais, referido no item da gra-
tuidade judiciária, deve ser de natureza contábil, portanto, livre de
subjetividade.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 75
3.24 ApoIo CulturAl
Sob o pretexto da inexistência de ns lucrativos das rádios co-
munitárias, o MC as proibiu de divulgar bens, produtos, serviços,
condições de pagamento, ofertas e vantagens de quaisquer nature-
zas, Portaria nº 462/2011, item 3.1 do RSRC.
Esses são os contornos do apoio cultural, única modalidade
admitida de patrocínio às emissoras comunitárias.
Impedindo o lucro, o MC tentou evitar o desvio de nalidade
das estações comunitárias, mas acabou dicultando, ao máximo, a
sua sobrevivência, pois diante das limitações impostas, o comer-
ciante interessado em divulgar seus produtos certamente procurará
uma rádio comercial.
Quem concede apoio cultural às rádios comunitárias age por
altruísmo e nunca pelo retorno nanceiro da contraprestação. O MC
tornou as comunitárias dependentes da boa vontade dos cidadãos,
para não dizer de suas esmolas.
A radiodifusão comunitária não tem ns lucrativos, mas, para
o comércio, o lucro é a meta, a regra de ouro. Preocupado com o en-
riquecimento das emissoras comunitárias, o MC as conduziu a uma
situação de penúria, pois mal conseguem cobrir seus custos ope-
racionais. O que dene se uma instituição tem ou não nalidades
lucrativas não é a origem de seu dinheiro, mas o seu destino. Mesmo
uma entidade sem ns lucrativos pode experimentar o lucro even-
tualmente, art. 170, § 2º do Decreto nº 3.000/99, e art. 12, § 2º da
Lei nº 9.532/97. Mas em vez de dividi-lo entre os seus associados,
ela o reinveste nos objetivos sociais.
As rádios comerciais são livres para buscarem o lucro, mas as
emissoras comunitárias, cumpridoras de importantes funções sociais,
têm o seu nanciamento dicultado ao extremo. Magalhães ensina a
respeito do caráter não lucrativo das entidades do terceiro setor:
Dessa forma, as organizações que compõem o terceiro setor
podem (e na verdade devem) buscar um saldo positivo em suas
atividades. Do contrário, se não pudessem auferir receitas
maiores do que despesas, sequer obteriam meios sucientes
Wesley Correa Carvalho
76
para o desenvolvimento de suas atividades. Ora, estabelecer
no estatuto de uma pessoa jurídica que ela sempre terá pre-
juízos seria jurídica e eticamente inadmissível, já que teria
como nalidade permanente car inadimplente com alguém
e, consequentemente, atuaria sempre lesando pessoas físicas
e jurídicas.153
O referido autor esclarece poderem as entidades sem ns lu-
crativos inclusive explorar atividades econômicas.
Assim, a inexistência de nalidade lucrativa não proíbe que
associações e fundações explorem economicamente alguma
atividade. Nada impede que uma fundação, por exemplo, seja
sócia de uma empresa, sem que isso afete sua natureza lan-
trópica. Desde que o instituidor tenha estipulado essa possi-
bilidade no estatuto e que os ganhos sejam utilizados na con-
secução da nalidade para a qual a fundação foi criada, não há
problema que uma fundação seja sócia de uma empresa com
nalidade lucrativa.154
Embora concordemos com o argumento, reconhecemos ser
isso perigoso do ponto de vista do desvio das nalidades impostas
Mas polêmica mesmo surge nas seguintes situações: Uma
empresa resolve veicular mensagem institucional em uma rádio co-
munitária, e seu nome fantasia é “Tudo por 1,99”. Viola-se a regra
de não veiculação de preço? Outra loja resolve anunciar, sua razão
social é: “Casa dos passarinhos”. Foi infringida a regra da não vei-
culação de produto? Um morador da comunidade decide fazer um
anúncio, todos o conhecem por “Joãozinho Borracheiro”. Foi de-
sobedecida a regra de não veiculação de serviço? Essas perguntas
ainda carecem de respostas.
Mas acreditamos que a proibição do item 3.1 do RSRC consti-
tui a restrição ao direito de expressão preconizada no art. 13, inc. 3
da CADH.155
153 MAGALHÃES, 2012, p. 68.
154 MAGALHÃES, 2012, p. 68.
155 CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, 1969.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 77
A declaração do preço de uma mercadoria ou a descrição de
um produto não constitui manifestação de uma ideia, uma opinião?
Não obstante o caráter pragmático da veiculação, ou seja, anunciar
para vender, ao divulgar o preço de uma mercadoria, o empresário
declara acreditar ser aquele o valor mais adequado, mais justo, isso
não deixa de ser um pensamento digno de respeito.
Ao oferecer um serviço, o prestador diz ser o melhor de sua
categoria, trata-se de manifestação de pensamento. Se ele usa ou
não de sinceridade constitui outra indagação, nesse caso irrelevan-
te. Aqui não há motivo legítimo a ensejar a restrição à divulgação de
bens e serviços, diversamente do ocorrido com as propagandas de
cigarros e bebidas.
Como já demonstrado, a CADH goza de status supra legal,
situando-se logo abaixo da CF/88 e em posição superior a de todos
os outros tipos de normas jurídicas. Portanto, se o item 3.1 do RSRC
fere tratado internacional, não poderia ser aplicado.
Embora a questão ainda não tenha sido enfrentada pelos nos-
sos tribunais, um precedente judicial nesse sentido pode resultar no
m da absurda proibição contida no item 3.1 do RSRC.
Não bastasse a afronta à CADH, o item 3.1 do RSRC é um con-
trassenso à Lei nº 9.612/98. Anal, os moradores da comunidade -
cam sabendo dos bens e serviços disponibilizados em locais distantes,
anunciados pelas rádios comerciais e TV, mas não têm a possibilida-
de de saber pelo rádio daqueles oferecidos em seu próprio bairro.
A proibição da prestação de serviços a empresas de fora da
comunidade já é suciente a impedir a concorrência entre as rádios
comunitárias e as comerciais. Pelas regras atuais, se uma compa-
nhia situada além da área de transmissão desejar contribuir nan-
ceiramente com a emissora comunitária, pode fazê-lo somente me-
diante doação, sem receber qualquer contraprestação.
3.25 preserVAção dA AutonomIA e FInAnCIAmento púBlICo
A Lei nº 9.612/98, art. 11, proíbe vínculos de natureza -
nanceira, religiosa, familiar, político-partidárias ou comerciais a
Wesley Correa Carvalho
78
subordinar as emissoras comunitárias à administração, gerência,
domínio, comando ou orientação de qualquer outra entidade.
Em oposição à ideia do nanciamento público das rádios co-
munitárias, surgem sempre os mesmos argumentos: a possibilidade
da perda de autonomia, o desvio de nalidade e o uso eleitoreiro das
emissoras.156
As rádios comerciais estão livres desses riscos? Não!
Não só entendemos juridicamente possível destinar recursos
públicos às rádios comunitárias, como pensamos ser exagerada essa
preocupação com os seus assuntos internos. Para receber dinheiro
público, primeiro é necessário a emissora existir, logo, se ela os deixar
de receber, continuará existindo, embora com maiores diculdades.
Ingerências ocorrerão somente se consentidas pela Diretoria
Executiva e pelo Conselho Comunitário.
O Conselho Comunitário existe por disposição do art. 8º da
Lei nº 9.612/98, sendo composto por, no mínimo, cinco represen-
tantes de entidades locais legalmente constituídas. Ele é responsá-
vel pela scalização da programação com vistas ao atendimento das
disposições legais e dos interesses da comunidade. Com esse objeti-
vo, o Conselho encaminha, anualmente, à Anatel relatório resumido
contendo sua avaliação da programação.157
O perigo de deturpação de uma emissora comunitária é o
mesmo do desvio de nalidade de qualquer bem, obra ou servi-
ço públicos, se não observados os princípios do art. 37, caput, da
CF/88, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publici-
dade e eciência.158
Uma vez vericado o uso eleitoreiro dessas emissoras, basta
tomar providências junto ao Ministério Público Federal (MPF), ao
Ministério Público Eleitoral (MPE) e Anatel, esta última pode, in-
clusive, opinar pela revogação de sua autorização.
156 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. 
. Disponível em:
?data=03%2F10%2F2010% 2000%3A00%3A00>. Acesso em: 09 jun. 2013.
157 BRASIL, [s/d].
158 BRASIL, 1988.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 79
Inadmissível, porém, é a dependência econômica - exclusiva
- da rádio comunitária em relação ao poder público. O Tribunal de
Contas do Estado de São Paulo (TCESP) examinou caso concreto em
que o contrato de uma emissora com a prefeitura continha cláusula
de reajuste com base no valor do salário mínimo, pronto, constatada
a excessiva dependência econômica.
PROCESSO: TC-001678/001/08. INTERESSADOS: Órgão
Concessor: Prefeitura Municipal de Piacatu. Beneciário:
Associação Comunitária Rádio Independência FM 104,9. AS-
SUNTO: Repasses Públicos ao Terceiro Setor do exercício de
2007, no valor de R$ 3.590,00. RELATÓRIO. Os autos cui-
dam da comprovação de aplicação dos recursos repassados
pela Prefeitura Municipal de Piacatu à Associação Comuni-
tária Rádio Independência FM 104,9. A Auditoria analisou a
matéria e constatou as seguintes ocorrências: O Estatuto da
Rádio não prevê como nalidade à prestação de serviços es-
senciais; o repasse do valor é mensal é vinculado ao salário
mínimo, o que em tese, pode tornar a Associação dependente
nanceiramente do Poder Público. Foi assinado prazo para
regularização. Em 30/03/09 a Prefeitura Municipal de Pia-
catu encartou aos autos os documentos de s.31/35. Asses-
soria Técnica. Chea e SDG opinaram pela regularidade do
repasse, tendo em vista que os gastos não foram censurados
pela scalização. Salientou, ainda, que julgados desta Corte
consideraram regulares os repasses a rádios comunitárias. 1.
Por m, ressaltou que os repasses efetuados nos exercícios de
2005 e 2006 entre as mesmas partes foram quitados. É o re-
latório. DECISÃO. Entendo que as justicativas, bem como
os documentos apresentados, comprovaram a aplicação dos
recursos concedidos à Associação Rádio Comunitária Inde-
pendência FM 104,9, no exercício de 2007. Diante do exposto
e considerando as manifestações favoráveis dos Órgãos Téc-
nicos e douta PFE, julgo regular a comprovação da aplicação
dos recursos e quito o responsável, recomendando à Prefei-
tura Municipal de Piacatu, para que doravante, promova a
rádio comunitária junto ao Município no sentido de angariar
recursos para sua subsistência. Ao Cartório. Adotem-se as
providências que o caso requer, arquivando-se em seguida.
Publique-se. GC, 09 de agosto de 2010.159
159 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. 
. TC-001678/001/08. Relator:
Wesley Correa Carvalho
80
Para José Luiz do Nascimento Sóter, integrante da Associação
Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO).160
A melhor maneira de uma emissora comunitária manter a in-
dependência e autonomia é com o nanciamento público de
suas atividades, do contrário, continuará o que vem aconte-
cendo hoje em que as rádios comunitárias são obrigadas a ce-
der espaço na programação às denominações religiosas ou se
submeter aos caciques políticos locais, pois não têm sustenta-
bilidade. Com esses recursos vindos das associações estaduais
e dos órgãos públicos, as rádios comunitárias poderão manter
uma programação própria.161
Por que não destinar à radiodifusão comunitária uma parcela
das verbas públicas empregadas em publicidade? Os entes públicos
são certamente os maiores anunciantes do país. Anal de contas,
se esses recursos ajudam a sustentar emissoras privadas, poderiam
também, com muito mais benefícios, auxiliar as rádios comunitá-
rias a sobreviver.162
Rádios comunitárias e comerciais não parecem disputar o
mesmo espaço no mercado, pois como afirma Coelho Neto, “[...]
difícil imaginar que grandes emissoras de rádio se interessem
pela cobertura de eventos comunitários e pela divulgação de no-
tícias locais”.163
Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo. São Paulo, 09 ago. 2010. DO. 11 ago. 2011a.
Disponível em: . Acesso em: 09
jun. 2013.
160 “A Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária – Abraço, atualmente pre-
sente em 24 estados e no Distrito Federal, é uma organização de classe que se insurgiu
contra o monopólio dos meios de comunicação no Brasil, através da manifestação radio-
fônica das comunidades das cidades, periferias e do campo e que foi fundada em 25 de
agosto de 1996, em Praia Grande, São Paulo, para unicar a luta das rádios comunitárias
pela regulamentação do serviço pelo Congresso Nacional, na luta pela democratização da
comunicação e pela liberdade de expressão” (SÓTER, José. 
. 2009. Disponível em:
www.abraconacional.org/diretoria/diretoria-2001/>. Acesso em: 10 jun. 2013).
161 Informação verbal de José Luiz do Nascimento Sóter, integrante das diretorias exe-
cutivas da ABRAÇO e do FNDC.
162 GHEDINI, 2009.
163 COELHO NETO, 2002.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 81
Mas elas têm um interesse comum que está na gênese do conito que as
envolve: as verbas públicas de publicidade. 164
Independente de eventuais usos políticos, as rádios comuni-
tárias prestam valiosos serviços de utilidade pública e carecem de
recursos nanceiros. Impedi-las de receber dinheiro público sob
a alegação de combater a corrupção é de uma hipocrisia farisaica.
Como se sabe, os corruptos elaborarão novos esquemas para esva-
ziar os cofres públicos, e as emissoras carão sem dinheiro.
Na França, as emissoras comunitárias, desde o início, conta-
vam com o apoio de um fundo do ministério das comunicações da-
quele país.165
Na Austrália, as rádios criaram um sistema de nanciamento
no qual 40% do dinheiro provêm de doações privadas, 30% de pa-
trocínios e 30% de doações governamentais.166
Enm, não há nada de errado no nanciamento público das
rádios comunitárias brasileiras, mas convém que elas busquem di-
vidir seu custeio com a iniciativa privada; essa é a melhor maneira
de evitar dependência econômica demasiada e potencial perda da
autonomia.
Sempre se pergunta se membros de partidos políticos, presi-
dentes de diretórios partidários, secretários municipais e vereado-
res podem integrar a Diretoria Executiva, inclusive exercendo sua
Presidência, compor o Conselho Comunitário, ou apresentar pro-
grama de rádio.
As únicas exigências existentes para o exercício das funções
de Diretoria Executiva são: 1) ser brasileiro nato ou naturalizado
há mais de dez anos, art. 7º Lei nº 9.612/98; 2) manter residência
na área da comunidade atendida, parágrafo único do art. 7º; 3) ter
alcançado a maioridade, art. 9º, § 2º, inc. IV da mesma lei.167
164 Assertiva conrmada com a ação proposta pela ABERT, perante a Justiça Federal
do Distrito Federal (autos nº 0005107-54.2014.4.01.3400) visando impedir as rádios
comunitárias de receber recursos públicos.
165 NUNES, Márcia Vidal.      (1998-
2008). Rio de Janeiro: E-papers. 2010.
166 GHEDINI, 2009.
167 BRASIL, 1998a.
Wesley Correa Carvalho
82
Quanto ao Conselho Comunitário, exige-se apenas que seus
membros sejam representantes de entidades da comunidade, como
associações de moradores, classistas, beneméritas ou religiosas, to-
das legalmente instituídas, art. 8º da Lei 9.612/98.168
A legislação eleitoral proíbe radialistas candidatos de conti-
nuarem no exercício de suas funções na emissora durante o período
ocial de campanha, art. 45, § 1º da Lei nº 9.504/97.169
Inexiste vedação à participação de servidores públicos em rá-
dios comunitárias, a menos que se trate de uma OSCIP, Lei Federal
nº 9.790/99, nesse caso funcionários públicos estarão impedidos de
exercer cargos de diretoria, mas não de integrar Conselho Comuni-
tário e de participar da programação.
Não vemos obstáculos a que pessoas politicamente atuantes
participem das atividades das rádios comunitárias, anal, as emis-
soras têm personalidade jurídica distinta de seus associados. Inacei-
tável é o desvio de sua nalidade por quem as usa para ns eleitorei-
ros ou de enriquecimento ilícito.
3.26 ContrAtAção Com A AdmInIstrAção púBlICA
Discute-se a possibilidade da contratação das rádios comuni-
tárias pela administração pública, pois a noção de contrato traria,
em si, a ideia de lucro.170
As emissoras comunitárias são entidades sem ns lucrativos,
portanto, entes públicos estariam impedidos de contratá-las. Esse
raciocínio é aparentemente válido, mas, feitas algumas pondera-
ções, ele não se demonstra apropriado.
O contrato é denido como o “[...] acordo de vontades entre
duas ou mais pessoas, sobre objeto lícito e possível, com o m de
168 BRASIL, 1998a.
169 BRASIL. Lei n. . Estabelece normas para
as eleições. Disponível em:
D52795.htm>. Acesso em: 10 jun. 2013.
170 CARVALHO FILHO, José dos Santos. . 21. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 83
adquirir, resguardar, modicar ou extinguir direitos”.171 Quando a
administração pública gura em uma relação contratual, tem-se o
contrato administrativo, denido pela doutrina como espécie do gê-
nero contrato, na qual predominam os interesses públicos em detri-
mento dos particulares.172
Logo, se o contrato administrativo é uma espécie do gênero
dos contratos, acredita-se ser-lhe válida a tradicional classicação
dos tais em suas diversas categorias, se compatível com seus atribu-
tos. Ou seja, a administração pública pode celebrar contratos admi-
nistrativos gratuitos, isso é facilmente vericado nos contratos de
comodato.
Conquanto a noção de lucro seja ínsita ao instituto do con-
trato, tanto na modalidade onerosa quanto na gratuita, pois inevi-
tavelmente uma das partes acaba por se beneciar, não se deve ra-
dicalizar e dizer ser a administração proibida de celebrá-los com as
emissoras comunitárias.
Se uma rádio comunitária destinasse, gratuitamente, um ho-
rário em sua programação a uma entidade pública, esta seria be-
neciada enquanto aquela não obteria lucro algum. Mesmo nessa
situação existiria um contrato.
Existem outras diculdades envolvendo os contratos. Muitos
deles, aparentemente onerosos, são, na verdade, gratuitos, não obs-
tante estabeleçam pequenos encargos à parte beneciada.173
Nessa linha de raciocínio, a proibição de a administração
contratar emissoras comunitárias não abrangeria os casos em que
o pagamento se limitasse à cobertura do custo operacional do ser-
viço prestado.
O problema é que os contratos administrativos são dotados
das chamadas cláusulas exorbitantes, elas põem o ente contratan-
te em posição de evidente supremacia em relação à contratada,
171 CONTRATO. In: ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. 
 2. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2011. p. 219.
172 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.  . 13. ed. São Paulo:
Atlas, 2001.
173 VENOSA, Silvio de Salvo. : teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos. São Paulo: Atlas, 2001.
Wesley Correa Carvalho
84
permitindo-lhe, entre outras coisas, ocupar as instalações desta a
m de impedir a interrupção de serviço considerado essencial. Ora,
o art. 11 da Lei nº 9.612/98 proíbe as rádios comunitárias de esta-
belecerem vínculos que a subordinem a outras entidades. Isso pode
ser perigoso, a despeito de eventual discussão em torno da essencia-
lidade do serviço.
Não nos preocupamos em chegar a uma conclusão denitiva
acerca da licitude da celebração de contratos entre administração
pública e rádios comunitárias, mas em vez disso, recomendamos a
celebração de convênios, pois estão livres desses inconvenientes e
são vistos com menos hostilidade pelos Tribunais de Contas.174
3.27 sAneAmento de ContAs
Dívidas podem representar um sério obstáculo ao recebimen-
to e utilização de recursos públicos, pois a celebração de convênio
requer a apresentação de certidões negativas de débitos e sua execu-
ção demanda a emissão de cheques.
Geralmente, obrigações tributárias comportam parcelamen-
to. Por Isso, às entidades em atraso com as contribuições previden-
ciárias de seus empregados, recomendamos buscar orientação junto
à Receita Federal do Brasil (RFB); e àquelas em débito com os tri-
butos municipais (ISSQN e IPTU), aconselhamos procurar o setor
de arrecadação tributária da prefeitura de seu município e proceder
ao parcelamento.
As dívidas cíveis representadas por título executivo extrajudi-
cial (cheque, duplicata, e nota promissória, por exemplo), uma vez
executadas judicialmente, podem ser parceladas em até seis vezes,
independente da aceitação do credor, se o devedor depositar o equi-
valente a 30% do valor total da execução, art. 745-A do Código de
Processo Civil (CPC).
Mas o melhor segredo para se livrar dos débitos é não con-
traí-los. Do contrário, deverão ser pagos.
174 MINAS GERAIS, 2010.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 85
Entidades sem ns lucrativos não gozam de nenhuma impe-
nhorabilidade especial e, por isso, seu patrimônio é plenamente su-
jeito a medidas de constrição. Nada impede, por exemplo, que leitos
médicos pertencentes a hospitais benecentes sejam penhorados e
leiloados para se pagar débitos trabalhistas.
3.28 reCeBImento de reCursos púBlICos
3.28.1 modAlIdAdes de FInAnCIAmento púBlICo dAs rÁdIos
ComunItÁrIAs
São basicamente três as modalidades de nanciamento públi-
co das rádios comunitárias: 1) transferência de capital, 2) subven-
ção social e 3) apoio cultural, esta última só pode ser disponibilizada
mediante convênio, enquanto as primeiras podem ser efetuadas por
meio de convênio ou de contrato de repasse.
Transferências de capital consistem em: 1) investimentos;
2) inversões nanceiras. Os investimentos se destinam ao planeja-
mento e à execução de obras de engenharia, inclusive compra do
imóvel a elas necessário, à aquisição de instalações e à compra de
equipamentos e de material permanente. As inversões de capital
têm por nalidade a aquisição de imóveis ou equipamentos já em
uso. As transferências de capital, também chamadas de auxílios,
transferências voluntárias, e de contribuições, não implicam no ofe-
recimento de qualquer contraprestação pela parte beneciada, Lei
nº 4.320/64, art. 12, § 4º, 5º e 6º.
Subvenção social é um subsídio pecuniário prestado pelo po-
der público às entidades sem ns lucrativos com o propósito de lhes
auxiliar no cumprimento de suas funções sociais. Esse repasse de
dinheiro público não envolve o recebimento de contraprestação e
pode ser usado para cobrir despesas de custeio da entidade favore-
cida, tais como manutenção predial, reforma e adaptação do imóvel,
despesas administrativas e custos operacionais, nos termos do ins-
trumento assinado, Lei nº 4.320/64, art. 12, § 1º e 3º.175
175 BRASIL.   . Estatui Normas Gerais de Di-
reito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos
Wesley Correa Carvalho
86
O parecer consulta nº. 811842 do Tribunal de Contas do Es-
tado de Minas Gerais (TCEMG) pronunciou-se pela possibilidade
jurídica de subvenção social às rádios comunitárias, se observada
a Lei nº 9.612/98 e desde que haja previsão do repasse na Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO). 176
Convênios relativos a transferências voluntárias e subven-
ções sociais são assinados com frequência, por isso a administração
pública os maneja com relativa facilidade, mas não é assim com o
apoio cultural. Como já dito, apoio cultural é uma modalidade de
patrocínio aos serviços executados pelas rádios comunitárias.
Durante muito tempo, não havia qualquer norma a atestar a
legalidade da prestação de apoio cultural por entes públicos a rádios
comunitárias. Recentemente, a Portaria nº 197/2013 do MC alterou o
item nº 3.1.1 da Portaria 462/2011 e declarou sua licitude. A Abert, no
entanto, questiona judicialmente a legalidade de tais dispositivos, sob
a alegação de afrontarem a Lei nº 9.612/98 e de tornarem as rádios
comunitárias excessivamente dependentes dos poderes públicos.
Por todo o já exposto, não comungamos dessa tese sacrílega; e
esperamos que em breve - por iniciativa legislativa ou mesmo cons-
trução jurisprudencial - o caminho do nanciamento público parcial
das rádios comunitárias mediante apoio cultural seja desobstruído,
e em caráter denitivo.
No que tange ao apoio cultural às rádios comunitárias, o Pare-
cer nº 1187/2011/MMM/CGCE/CONJUR-MC/AGU da Consultoria
Geral da União (CGU) já atestava essa possibilidade, recomendan-
do, para tanto, a observância das disposições estatutárias e o respei-
to à Lei nº 9.612/98.177
Entretanto, ainda é grande a diculdade em viabilizar a assi-
natura desses convênios, pois falta informação sobre o assunto. E,
por isso, infelizmente, muitas rádios comunitárias deixam de rece-
ber dinheiro público.
Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: < http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm>. Acesso em: 03 out. 2013.
176 MINAS GERAIS, 2010.
177 BRASIL, 1998a.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 87
3.28.2 AnÁlIse dos ConVênIos
Convênios são acordos de cooperação celebrados entre dois
ou mais entes públicos, ou entre instituições públicas e entidades
sem ns lucrativos. Trata-se de uma união de esforços com vistas à
consecução de um objetivo comum, nele não se busca o lucro, mas
o atendimento ao interesse público, a promoção do bem comum.178
Os Contratos de Gestão e os Termos de Parceria são institutos
semelhantes aos convênios, mas só podem ser celebrados por OS e
OSCIP, respectivamente.
No convênio, as partes especicam os serviços a executar, pre-
veem o prazo de sua execução, estipulam as metas a serem alcança-
das, estimam os recursos despendidos, denem o valor da contra-
partida e instituem direitos, deveres e obrigações recíprocos.
No contrato administrativo, a contratada só recebe os recursos
após a prestação do serviço, mas, no convênio, o dinheiro chega an-
tes e só depois o serviço é executado. Diferente do que ocorre nos
contratos, se a convenente não receber os recursos, ela não pode ser
compelida a cumprir sua parte na avença; e como não se visa ao lucro,
os valores não utilizados devem ser devolvidos ao poder público.
Os convênios são regidos pelo art. 116 da Lei 8.666/93, pelo
Decreto nº 6.170/07, pela Instrução Normativa Secretaria do Te-
souro Nacional (STN) nº 1/97 e pela Portaria Interministerial
nº 507/11.
Firmar convênio não é nada fácil, é necessário, antes de tudo,
conquistar a conança dos agentes políticos, pois eles vivem com o
receio de ver suas contas reprovadas pelo Tribunal de Contas e de
ter problemas com o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Para piorar, o repasse de apoio cultural de entidades públicas
às rádios comunitárias é assunto pouco estudado. Procuradores e
assessores jurídicos, em usual combinação de cautela e desconheci-
mento de causa, desaconselham celebrar tais ajustes.
A atitude da Abert, de questionar judicialmente a possibilida-
de da destinação de verbas públicas de publicidade às rádios comu-
nitárias veio piorar essa situação.
178 CARVALHO FILHO, 2009.
Wesley Correa Carvalho
88
Superados esses obstáculos, a rádio comunitária deve cumprir
uma série de exigências burocráticas, efetuar cadastro e apresentar
um extenso rol de documentos.
Enm, a assinatura de convênio de apoio cultural reúne ele-
mentos de difícil combinação: vontade política, conhecimento téc-
nico e responsabilidade prossional. É quase como um alinhamento
planetário.
Quando não dá certo, são inúmeros os pretextos: “a rádio co-
munitária ainda não foi reconhecida como de utilidade pública”, “o
assunto está sendo discutido na justiça”, “preciso de autorização dos
vereadores”, “não temos previsão orçamentária para isso” e uma sé-
rie de outras desculpas estapafúrdias.
As rádios comunitárias são de utilidade pública por força da
própria Lei nº. 9.612/98 que lhes imputou especícas nalidades
sociais. Não se deve exigir novo reconhecimento dessa condição por
meio de outra lei ou decreto para ns de repasse de transferência
voluntária, subvenção social ou de apoio cultural. Isso não é razoá-
vel. Contudo, os títulos de utilidade pública podem assegurar isen-
ções tributárias e facilitar o acesso a verbas públicas, conforme já
demonstrado no item “contabilidade e tributação”.
Concernente à autorização legislativa, o STF já decidiu que
o art. 2º da CF/88, versando sobre o princípio da separação dos
poderes, veda condicionar a celebração de convênio à autorização
legislativa prévia ou raticação posterior.
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS:
AUTORIZAÇÃO OU RATIFICAÇÃO POR ASSEMBLÉIA LE-
GISLATIVA. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER
EXECUTIVO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO INCI-
SO XXI DO ART. 54 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO
PARANÁ, QUE DIZ: “Compete, privativamente, à Assembleia
legislativa: XXI - autorizar convênios a serem celebrados
pelo Governo do Estado, com entidades de direito público ou
privado e raticar os que, por motivo de urgência e de relevan-
te interesse público, forem efetivados sem essa autorização,
desde que encaminhados à Assembleia Legislativa, nos no-
venta dias subsequentes à sua celebração”. 1. A jurisprudência
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 89
do Supremo Tribunal Federal é rme no sentido de que a re-
gra que subordina a celebração de acordos ou convênios r-
mados por órgãos do Poder Executivo à autorização prévia
ou raticação da Assembleia Legislativa, fere o princípio da
independência e harmonia dos poderes (art. 2º, da C.F.). Pre-
cedentes. 2. Ação Direta julgada procedente para a declaração
de inconstitucionalidade do inciso XXI do art. 54 da Consti-
tuição do Estado do Paraná.179
Dicilmente uma Lei Orçamentária Anual (LOA) deixará de
conter a previsão de transferência de capital e subvenção social a
associações comunitárias ou de moradores. Raramente inexistirá na
LOA a previsão de verbas públicas destinadas à publicidade. E mes-
mo vericadas essas hipóteses, há a possibilidade de abertura de
crédito especial, os prefeitos, em geral, são useiros e vezeiros desse
expediente.
Ao nal deste livro, disponibilizamos modelos de ofícios soli-
citando o recebimento de transferência de capital e subvenção so-
cial, e apoio cultural (APÊNDICES H, I, J, K, L e M).
3.28.3 A (des)neCessIdAde de lICItAção
Atualmente, entende-se desnecessária a realização de licita-
ção para a celebração de convênios administrativos por tratar-se de
negócio jurídico destituído de nalidade lucrativa. Essa corrente é
majoritária, com amplo respaldo doutrinário e jurisprudencial, se-
guida pelo Tribunal de Contas da União (TCU).180
A assinatura de convênio sem a realização de licitação, por si
só, não representa qualquer problema para as entidades do terceiro
setor, inclusive para as rádios comunitárias. Contudo, a desnecessi-
dade de licitação vem facilitando o desvio de recursos públicos, por
179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal.    
. Governador do Estado do Paraná e Assembleia Legislativa
do Estado do Paraná. Relator: Ministro Sydney Sanches. Brasília, 06 fev 2003, DJ 11
abr. 2003. p. 00025. Ementário Vol. 02106-01. p 00001.
180 MAGALHÃES, 2012.
Wesley Correa Carvalho
90
isso os convênios estão constantemente na mira dos Tribunais de
Contas e do Ministério Público.181
Nesse contexto, a licitação se demonstra instrumento útil em
emprestar credibilidade ao convênio. Mas existem muitas dúvidas
quanto à sua realização, pois a Lei nº 8.666/93 limita-se a prever
a aplicação de suas disposições aos convênios somente “no que
couber”.182
A seguir, procuramos fornecer orientações úteis na condução
do procedimento licitatório.
Cuidando-se da celebração de convênio com vistas ao recebi-
mento de apoio cultural, consideremos: 1) nos serviços com valor
anual de até R$ 8.000,00, a realização de licitação é dispensada na
forma do art. 24, inc. II da Lei nº 8.666/93; 2) quando não houver
interessados na licitação anterior, será dispensada a realização de
nova licitação, passando-se diretamente à assinatura de contrato
com a emissora comercial ou de convênio com a rádio comunitá-
ria; 3) se a rádio comunitária participou de licitação e alcançou a
segunda colocação no certame, poderá ser convocada em caso de
desistência da concorrente vitoriosa, nesse caso, desnecessária nova
licitação; 4) nos locais onde a rádio comunitária é a única emissora
possível de ser sintonizada, aplica-se a regra da inexigibilidade de
licitação, art. 25, inc. I da Lei nº 8.666/93.183
Nas hipóteses acima, a realização de licitação é inútil e consti-
tui autêntico desperdício de recurso público, mas, nos demais casos,
ela é altamente recomendável, pois constitui indicativo de transpa-
rência e zelo no trato com a coisa pública.
Uma vez determinada a realização de licitação, a modalidade
do certame deve ser escolhida de acordo com o valor a ser transferido,
art. 23 da Lei nº 8.666/93.184 No entanto, se a disputa se der entre
181 MAGALHÃES, 2012.
182 MEDAUAR, Odete. . 5. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.
183 JUSTEN FILHO, Marçal.  
11. ed. São Paulo: Dialética, 2005.
184 BRASIL.         Regulamenta o art. 37, in-
ciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 91
rádios comunitárias, não envolvendo emissora comercial, o “cha-
mamento público” previsto no Decreto nº 6.170/07 revela-se mais
adequado. Errado pensar que sociedades mercantis e entidades sem
ns lucrativos não podem concorrer em um mesmo certame, pois
muito embora a Lei nº 8.666/93, art. 44, § 3º estabeleça:
§ 3º. Não se admitirá proposta que apresente preços global ou
unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatí-
veis com os preços dos insumos e salários do mercado, acres-
cidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório
da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto
quando se referirem a materiais e instalações de propriedade
do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à
totalidade da remuneração.185
No entender do TCU, a apresentação de ofertas de taxas de
administração negativas ou de valor zero não implica em violação
REPRESENTAÇÃO. PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. CO-
NHECIMENTO. NECESSIDADE DE AUDIÊNCIA PÚBLICA
EM RAZÃO DO VALOR A SER CONTRATADO. RISCO DE
INADIMPLEMENTO DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE FU-
MUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA. IMPROCE-
DÊNCIA. DETERMINAÇÃO. ARQUIVAMENTO. 1. o valor
estimado da licitação de serviços de fornecimento de auxí-
lio-alimentaç ão, auxílio-refeição e auxílio-cesta-alimentação,
por meio de cartões eletrônicos, magnéticos ou outros corres-
ponde à estimativa do valor da taxa de administração inci-
dente sobre o valor do montante dos benefícios repassados;
2. a apresentação de ofertas de taxas de administração nega-
tivas ou de valor zero não implica em violação ao disposto no
art. 44, § 3º da Lei nº 8.666/93, nos termos das Decisões
nº 38 e 582/96 - Plenário”. BRASIL.186
Administração Pública e dá outras providências. Disponível em:
gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm> Acesso em: 19 dez. 2013.
185 JUSTEN FILHO, 2005.
186 BRASIL. Tribunal de Contas da União.   .
Processo nº AC-0552-10/08. Sodex ho Pass do Brasil Serviços e Comércio Ltda., Cai-
xa Econômica Federal e Ministério Público Relator: Ministro Raimundo Carneiro.
Wesley Correa Carvalho
92
Ademais, nem sempre as entidades do terceiro setor apresenta-
rão os menores preços em uma disputa, pois seus custos operacionais
podem ser mais elevados que o preço nal praticado pelas sociedades
empresariais. Ou seja, teoricamente, nada impede que uma rádio co-
mercial vença uma emissora comunitária em uma licitação.
Não se pode reprimir a participação de emissoras comunitá-
rias em procedimentos licitatórios sob o pretexto de concorrência
desleal. Ela só existirá se o preço global praticado estiver abaixo do
seu custo operacional.187
Nada impede a rádio comunitária de concorrer com emissoras
comerciais em licitação, a diferença é que sagrada vitoriosa, no lu-
gar de contrato, ela celebrará convênio.
3.28.4 reCeBImento de reCursos dAs CâmArAs munICIpAIs
Outra questão tormentosa é o recebimento pelas rádios comu-
nitárias de recursos nanceiros oriundos das Câmaras Municipais.
O Poder Legislativo não pode transferir capital ou subvencio-
nar as emissoras comunitárias, essa atribuição é exclusivamente
executiva.
Necessário, todavia, levar em conta que as Câmaras Muni-
cipais são órgãos públicos com funções especícas: organizativa,
administrativa, legislativa, de controle e scalização.188 Portanto, a
transferência de recursos das Câmaras Municipais às rádios comu-
nitárias só poderia ocorrer na modalidade apoio cultural, mediante
celebração de convênio, respeitados os limites de gastos da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) e a autonomia das emissoras, desde
que os serviços executados estejam diretamente relacionados com
as atribuições do órgão legislativo.
Câmara Municipal não poderia conceder apoio cultural para
Brasília, 02 abr. 2008b. Disponível em:
docs/2046404.PDF> Acesso em: 19 dez. 2013.
187 VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de; GARCIA, Manuel Enriquez. 
. São Paulo: Saraiva, 2001.
188 MAURANO, Adriana.    . 2. ed. Belo Horizonte:
Forense, 2010.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 93
ns de cobertura jornalística de eventos esportivos e musicais, por
exemplo. O bem-estar da população não constitui argumento válido
para justicar esse desvio de função.
Os Tribunais de Contas não têm sido muito receptivos à cele-
bração desse tipo de convênio, por temer que as Câmaras Munici-
pais excedam suas especícas funções. No entanto, o TCESP come-
ça a aceitar a celebração de convênio entre rádios comunitárias e
Câmaras Municipais, observadas as cautelas acima descritas.
TC-000771/026/09 – Contas anuais. Câmara Municipal: Pal-
meira d’Oeste. Presidente da Câmara: Edimar Antônio Dias.
Assunto: Prestação de contas da administração nanceira,
orçamentária e patrimonial de órgão municipal. Sob aprecia-
ção: Contas relativas ao exercício de 2009. Advogado: José
Antônio Fernandes. Acompanha: TC-000771/126/09. Vistos,
relatados e discutidos os autos. Pelo voto dos Conselheiros
Robson Marinho. Relator, Renato Martins Costa, Presiden-
te, e Edgard Camargo Rodrigues, a e. 2ª Câmara, em sessão
de 23 de agosto de 2011, nos termos do artigo 33, inciso II,
combinado com o artigo 35 da Lei Complementar nº 709/93,
decidiu julgar regulares as contas apresentadas pela Mesa da
Câmara Municipal de Palmeira d’Oeste, exercício de 2009.
Determinou, outrossim, a expedição de ofício ao atual Pre-
sidente da Câmara, com recomendações. Ficam excetuados
desta decisão os atos porventura pendentes de apreciação
por este Tribunal. Publique-se. São Paulo, 12 de setembro de
2011. RENATO MARTINS COSTA. Presidente.189
Mas nada de promover a imagem do Presidente, de membro
da Mesa Diretora, de qualquer outro político e tampouco de atacar
adversários, tudo isso fere o princípio da impessoalidade, art. 37,
caput da CF/88. Recomenda-se, em vez disso, transmitir as ses-
sões plenárias, prestar contas e esclarecimentos à população, di-
vulgar textos de lei e convocar os cidadãos a participarem do pro-
cesso legislativo.
189 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado.    
         . TC-
000771/026/09. Relator: Conselheiro Robson Marinho. São Paulo, 23 ago. 2011. DO.
14 set. 2011b. Disponível em: .
Acesso em: 09 jun. 2013.
Wesley Correa Carvalho
94
3.29 AplICAção dos reCursos púBlICos e prestAção de
ContAs
Não basta abrir a porta do nanciamento público, é necessá-
rio deixá-la aberta. Infelizmente, não é isso o que acontece, muitas
das rádios comunitárias contempladas com verbas públicas não vol-
tam a recebê-las, pois têm suas contas desaprovadas e tornam-se
inadimplentes; a porta se fecha.
O convênio já foi um mero ato de repasse de verbas, pratica-
mente a fundo perdido, sem qualquer controle de alcance de seus
objetivos ou da prestação de contas, mas a legislação evoluiu no sen-
tido de evitar o desperdício dos recursos e de conferir eciência ao
serviço público, pena que a burocracia tenha vindo a reboque.190
No geral, os comunicadores comunitários não estão prepara-
dos para lidar com os procedimentos burocráticos relativos à cele-
bração, execução e prestação de contas dos convênios e deixam de
observar pequenos, mas importantes, detalhes.
Por isso, preocupamo-nos em fornecer instruções a propiciar o
máximo de acerto no uso do dinheiro público e na prestação de con-
tas. Mesmo não impostas pelo ente público cocedente as práticas aqui
descritas, podem ser adotadas como medidas de cautela adicional.
3.29.1 A ImportânCIA de um Bom ContAdor
Antes de propor um convênio, certique-se de estar assesso-
rado por prossional de contabilidade conhecedor do assunto. Além
de ajudar na obtenção e no preenchimento da documentação neces-
sária à assinatura do termo, ele lhe orientará no uso do dinheiro e
participará da elaboração da prestação de contas.
3.29.2 plAneJAmento AnteCIpAdo do uso do dInheIro
Não recomendamos celebrar convênio e, só depois que o di-
nheiro cair na conta, decidir o que fazer com ele. Inicialmente, trace
190 BASTO NETO, Murillo M.  Curitiba: Negócios
Públicos, 2008.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 95
o destino dos recursos junto à sua assessoria contábil. Os valores
dos repasses não podem permanecer em conta corrente por mais
de 30 dias; vencido esse prazo, é necessário transferir o saldo a uma
conta poupança para render juros.191
O dinheiro não utilizado deverá ser devolvido ao ente público
ao término do convênio, esse é mais um motivo para se pensar bem
no emprego das importâncias repassadas.192
3.29.3 CondIções neCessÁrIAs pArA moVImentAr o dInheIro
CorretAmente
A celebração de convênio requer a abertura de uma conta ban-
cária especíca com essa nalidade. Não importa que a emissora já
disponha de conta aberta e faça movimentação nanceira. É preciso
criar uma conta corrente para receber exclusivamente os repasses
do convênio. Com isso, separa-se o dinheiro público daqueles valo-
res obtidos pelas vias ordinárias. Facilita-se, assim, a elaboração e o
exame das prestações de contas.
Ao abrir a conta do convênio, descubra qual banco presta ser-
viços ao ente público em questão. Em se tratando da União Federal,
costuma ser o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal; esta-
dos e municípios geralmente optam pelos bancos ociais estaduais.
Converse com o gerente e peça isenção das tarifas bancárias,
pois a Portaria Interministerial nº 507/11 proíbe o seu pagamento
com dinheiro de convênio.193 Na mesma agência bancária, prefe-
rencialmente, abra uma conta poupança para receber eventuais re-
síduos da conta corrente, só a utilize para isso. Por menores que
sejam os valores remanescentes na conta do convênio, é necessário
transferi-los para a poupança esgotado o prazo de sua utilização.
Solicite o talão de cheques da conta do convênio, guarde-o em
local seguro e preencha suas folhas com atenção. Os pagamentos
191 PERNAMBUCO. Ministério Público Estadual.    
 Recife, 2013.
192 BASTO NETO, 2008.
193 BASTO NETO, 2008.
Wesley Correa Carvalho
96
realizados com esses valores só podem ser efetuados mediante
transferência bancária ou emissão de cheque nominal. Não saque
dinheiro da conta para fazer pagamentos em espécie!194
Na hora da conciliação bancária, durante a elaboração da
prestação de contas, se seguidas essas recomendações, os extratos
bancários da conta corrente e da caderneta de poupança demons-
trarão, com segurança e exatidão, a origem, o percurso, o destino e
os eventuais rendimentos do dinheiro público.
Uma conta corrente não tarifada, uma caderneta de poupan-
ça e um talão de cheques, essas são condições essenciais ao correto
emprego dos valores auferidos em convênio.
3.29.4 desVIo dos reCursos de suA FInAlIdAde
Como já dito, o apoio cultural se destina única e exclusiva-
mente à cobertura de custos operacionais. Ele não pode ser usado
na aquisição, ampliação, reforma e manutenção de imóvel e tam-
pouco na compra de máquinas ou equipamentos, pois isso é inves-
timento em ativo imobilizado e não cobertura de custo operacional.
Igualmente, uma vez recebidos, não aconselhamos empregá-lo no
pagamento de despesas administrativas.
“Custo é todo valor gasto para adquirir mercadoria, fabricar um
produto ou prestar um serviço. Despesa são todos os valores gastos no
esforço para vender”.195 Na radiodifusão, os custos são: o pagamento
de aluguel, as tarifas de energia elétrica, água, telefone e serviço de in-
ternet; a compra de materiais de consumo e os salários dos radialistas
e técnicos; enquanto as despesas são os honorários de prossionais
liberais como contador e advogado e os salários de empregados não
essenciais à atividade, como recepcionistas e vigilantes.
Não use dinheiro de convênio para pagar despesas anterio-
res à sua celebração ou posteriores ao término de sua vigência, pois
elas não guardam relação com o objeto do ajuste. Os pagamentos
194 PERNAMBUCO, 2013.
195 MONTOTO, Eugenio. . Coordenação de Pe-
dro Lenza. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 346.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 97
devem ser efetuados nas datas de vencimento dos débitos. Usar va-
lores percebidos em convênio para pagar contas antecipadamente
ou em atraso importa em má administração de recursos públicos.
No primeiro caso, pagamento antecipado, o dinheiro passa a render
juros em favor de terceiro, estranho ao convênio, quando poderia
propiciar rendimentos à entidade beneciada ou ao erário. No se-
gundo, pagamento em atraso, o dinheiro público é desperdiçado no
pagamento de correção monetária, multas e juros.196
3.29.5 A Função do doCumento
Zele pela documentação, na hora de prestar contas, não serão
ouvidas testemunhas e ninguém vai querer saber se você é um su-
jeito boa praça. Documento é tudo! Portanto, não faça transferência
bancária ou emissão de cheques sem estar de posse do documento
scal correspondente. Nele, documento scal, deve estar impresso
o número do termo de convênio e a data de sua assinatura.197 Apro-
veite ainda para anotar, a lápis, os dados da transferência bancária
ou do cheque usados no pagamento respectivo.
Utilize o canhoto do cheque para anotar sua data de emissão,
o valor e o destino da importância. Use o verso da folha para fazer
anotações, como nº de nota scal, por exemplo. Os cheques devem
ser sempre nominais, pois só assim se pode ter a certeza de que o
seu recebedor não o repassará a terceiros. Tire cópia de todos os
cheques emitidos.198
Se precisar cancelar folha de cheque, não a rasgue, não a jogue
fora, inutilize-a escrevendo ou carimbando um “cancelado” ou “inu-
tilizado” e a grampeie no próprio talonário.
Se usar recursos públicos para custear o aluguel do prédio da
emissora, faça um contrato de locação por escrito, assinado pelos
contratantes e por duas testemunhas e averbe-o no registro do imó-
vel, se possível. Cuide também de obter documento comprobatório
da propriedade do imóvel por seu locador.
196 BASTO NETO, 2008.
197 BASTO NETO, 2008.
198 BASTO NETO, 2008.
Wesley Correa Carvalho
98
Se vier a perder documento scal ou similar, solicite imedia-
tamente uma segunda via; se extraviar talonário, folha de cheque
ou cheque emitido, registre um boletim de ocorrência na polícia e
comunique o fato à agência bancária o mais depressa possível.
Não deixe para organizar a documentação apenas no nal da
vigência do convênio, prepare-a aos poucos e a mantenha em local
protegido, porém de fácil acesso, pois a qualquer hora se pode re-
ceber pedido de informações de autoridades judiciárias, ou visita
de inspeção da instituição pública concedente ou de seus órgãos
de controle.
3.29.6 respeIto às proIBIções
Em convênio, não se admite o pagamento da chamada “taxa
de administração”, trata-se de uma tentativa da entidade bene-
ciada em obter certo lucro disfarçando-o com despesa gerada pela
gestão dos recursos públicos recebidos. Admitir essa prática implica
em deformar por completo o instituto do convênio.199
Se a emissora já houver celebrado um convênio, estando ele
ainda em vigor, e for assinar outro, mesmo que com instituição
pública diversa, deve deixar bem claro, no plano de trabalho e no
instrumento do ajuste, que os objetos de ambos são diferentes, po-
dendo ser complementares. Não é permitido rmar dois ou mais
convênios com idênticos objetos.200
Não ofereça graticações e não faça transações com clubes,
associações de servidores ou entidades congêneres; tampouco com
funcionários públicos federais, distritais, estaduais e municipais, da
administração direta ou indireta.201
E não se esqueça: não se deve usar dinheiro público para pro-
mover a imagem de autoridades e de servidores públicos.
199 MAGALHÃES, 2012.
200 BASTO NETO, 2008.
201 VENÂNCIO, Douglas Alves. 
. Maceió,
junho de 2010.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 99
3.29.7 CuIdAdos AdICIonAIs
Além de todas as medidas até agora descritas, recomendamos
as seguintes: 1) abstenha-se de usar dinheiro de convênio no paga-
mento de salários, ajuda de custo e diárias de viagem, esses paga-
mentos são vistos com desconança em função da famosa prática
do “rachid”, (divisão do valor da remuneração entre o recebedor e
o responsável pelo pagamento); 2) faça cotação de preços dos pro-
dutos comprados e dos serviços contratados com, no mínimo, três
orçamentos de distintos fornecedores, (apesar de não ser mais obri-
gatória a realização de licitação por entidade do terceiro setor no
emprego de recursos públicos, essa prática empresta credibilidade
à sua administração);202 3) conserve por dez anos, pelo menos, os
documentos integrantes da prestação de contas e também o conteú-
do dos programas radiofônicos e mensagens institucionais relativos
ao convênio, isso pode ser muito útil para comprovar a adequada
execução do seu objeto; 4) colecione recortes de jornais e de revis-
tas, vídeos e áudios aptos a provar a correta execução do ajuste;203
5) preste contas à população da aplicação dos recursos; faça-o por
meio de mural instalado na sede da emissora e de site na internet.
3.29.8 prestAção de ContAs
Existem três tipos de prestação de contas: 1) a parcial; 2) a
nal; 3) e a tomada de contas especial.
A prestação de contas parcial serve para comprovar a execu-
ção de uma parcela recebida ou a execução dos recursos recebidos
no decurso do ano.
Em suma, quando o Convênio for celebrado prevendo a libe-
ração de recursos em 3 (três) ou mais, o convenente deverá
prestar contas da 1ª parcela até o dia anterior previsto, no
202 BAHIA. Secretaria de Estado da Agricultura.     
 Salvador, outubro de 2011.
203 VENÂNCIO, 2010.
Wesley Correa Carvalho
100
Plano de Trabalho aprovado, para a liberação da 2ª parcela;
da 3ª parcela, até o dia anterior previsto para a liberação da
4ª parcela e assim sucessivamente.204
Se ela não for encaminhada no prazo estabelecido, será sus-
pensa a liberação das parcelas seguintes e estabelecido o prazo de
30 dias para sanear as irregularidades, do contrário, o convênio será
rescindido.
A prestação de contas parcial compõe-se de: 1) relatório de
execução físico-nanceira; 2) relação de pagamentos efetuados;
3) relação dos bens adquiridos, produzidos ou construídos; 4) extra-
to da conta bancária do convênio; 5) conciliação bancária; 6) com-
provante da contrapartida não nanceira. Recomendamos obter os
modelos desses documentos junto à própria instituição pública con-
cedente, pois assim se facilita a apreciação e a aprovação das contas.
Ao nal deste livro, fornecemos modelo de ofício encami-
nhando a prestação de contas parcial (APÊNDICE M).
A prestação de contas nal deve ser apresentada no prazo de
60 dias após o término do convênio, tanto nos casos de decurso do
prazo de vigência quanto nas hipóteses de sua denúncia ou renún-
cia. Constitui-se de: 1) relatório de cumprimento do objeto; 2) plano
de trabalho; 3) cópia do instrumento do convênio; 4) documento
comprobatório da publicação do termo de convênio; 5) relatório de
execução físico-nanceira; 6) demonstrativo de execução da receita
e da despesa; 7) relação de pagamentos; 8) relação de bens adquiri-
dos, produzidos ou construídos; 9) cópias das faturas, recibos, notas
scais e outros documentos comprobatórios das despesas realiza-
das; 10) extrato da conta bancária do convênio; 11) comprovante de
recolhimento do saldo dos recursos aos cofres públicos; 12) compro-
vante da contrapartida não nanceira.205
Sua não apresentação ou desaprovação tornam inadimplente
a entidade convenente durante a gestão do administrador responsá-
vel pelo convênio. Isso impossibilita novo acesso a recursos públicos
204 BASTO NETO, 2008, p. 128.
205 BASTO NETO, 2008, p. 128.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 101
enquanto não forem sanadas as pendências, objetivando o ressarci-
mento do tesouro. Também fornecemos um modelo de ofício enca-
minhando a prestação de contas nal (APÊNDICE N).
A tomada de contas especial é processo administrativo instau-
rado pela autoridade administrativa competente quando da falta da
necessária prestação de contas, ou quando vericada fraude, apro-
priação, desvio ou malbaratamento de recursos públicos e outras
condutas lesivas ao erário. Ela segue rito especíco e compõe-se de
documentos quase todos produzidos pelo poder público. Nela, de-
nem-se os inadimplentes, apura-se a responsabilidade dos agentes
envolvidos e determinam-se os valores devidos.206
3.30 rÁdIos ComunItÁrIAs e demoCrACIA pArtICIpAtIVA
A CF/88 optou pela via da democracia semidireta em vez da
democracia meramente representativa. A esse respeito, convém
transcrever ensinamento de Silva:
Democracia semidireta é, na verdade, democracia represen-
tativa com alguns institutos de participação direta do povo
nas funções de governo, institutos que, entre outros, integram
a democracia participativa. A democracia não teme, antes re-
quer, a participação ampla do povo e de suas organizações de
base no processo político e na ação governamental.207
Plebiscito, referendo, iniciativa popular de lei, ação popular,
ouvidoria e gestão democrática dos estabelecimentos de ensino são
ferramentas sempre citadas, apesar de pouco utilizadas na concreti-
zação da democracia participativa.
As rádios comunitárias não costumam ser mencionadas como
instrumento de participação popular nos assuntos governativos,
mas vêm suprir, ao menos em parte, uma grande deciência do
206 BASTO NETO, 2008, p. 128.
207 SILVA, José Afonso da.   . São Paulo:
Malheiros, 2001. p. 141.
Wesley Correa Carvalho
102
modelo brasileiro de democracia participativa. Trata-se da vulne-
rabilidade da opinião popular à ação dos grandes veículos de infor-
mação.208
Os grandes grupos de mídia constituiriam, portanto, “[...]
instrumentos da comunicação vertical e alienante, encarregados de
auxiliar na subjugação dos oprimidos”, através da difusão de mitos,
impõem as normas e os valores de minorias oligárquicas.209
Ultimamente, constata-se ainda a existência de uma tendên-
cia mundial de concentração da comunicação e, na sua contramão,
caminha a radiodifusão comunitária.210
Mesmo sem poder combater a grande mídia em igualdade de
condições, as rádios comunitárias conferem ao cidadão mediano a pos-
sibilidade de indagar sobre assuntos até então para ele intangíveis.
As pessoas recebem informações, são esclarecidas de seus di-
reitos, compartilham suas dúvidas, criticam, manifestam seu apoio
ou reprovação, reclamam dos serviços públicos etc. As emissoras
comunitárias são instrumentos ao serviço da cidadania e da demo-
cracia participativa.211 Eis o verdadeiro papel das emissoras comu-
nitárias na política em vez de servir de palanque para eleger um ou
outro candidato.
Não que a participação popular importe em uma fórmula má-
gica capaz de desfazer todas as mazelas do mundo; denitivamente
ela não é uma panacéia universal, pois se, por um lado, os políticos
eleitos não representam ecientemente o povo em seus interesses e
ambições, representam-no um tanto melhor em relação às suas vir-
tudes e defeitos, anal, antes de tudo, compõem uma interessante
mostra da população.
Não obstante o conito de interesses entre radiodifusão co-
munitária e comercial em razão do recebimento de verbas de publi-
cidade institucional, as ostensivas limitações àquelas impostas se
208 BONAVIDES, Paulo. . São
Paulo: Malheiros, 2001.
209 BELTRAN, 1981, apud AMARANTE, 2012, p. 36.
210 SILVA, 2008, p. 43.
211 BAHIA, 2008.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 103
devem, principalmente, aos interesses de grupos políticos, suposta-
mente preocupados com a governabilidade e a ordem pública.
Não à toa, o controle estatal da radiodifusão foi instaurado em
período ditatorial e tampouco é desmotivada a proibição da forma-
ção de redes pelas rádios comunitárias.
Fiorillo relata que, durante a ocupação nazista, os agentes do
regime rodavam pelas ruas à caça das rádios clandestinas montadas
pelos membros da resistência. Infelizmente, não podemos deixar de
traçar um paralelo dessa perseguição com a cruzada hoje realizada
por nossas autoridades em prol do fechamento, e não pela regulari-
zação, das emissoras comunitárias não autorizadas.212
3.31 A FormAção de redes
A Lei nº 9.612/98, art. 16, admite a formação de redes de ra-
diodifusão comunitária somente em situações de guerra, calamida-
de pública, epidemias e transmissões obrigatórias dos três poderes.
Teoricamente, o dispositivo visa impedir a perda do caráter local,
regionalista e comunitário das emissoras da baixa potência, mas
essa justicativa não tem sido convincente:
Pode-se considerar uma das grandes lacunas dessa lei [Lei
nº 9.612/98], o fato de não permitir a criação de redes entre
esses meios comunitários. No momento em que tantas redes
regionais e intercontinentais se formam para divulgar inicia-
tivas cidadãs, servindo como espaço de diálogo e coordenação
entre seus integrantes, perde-se a oportunidade de desenvol-
ver uma visão mais insertiva nos projetos nacionais para con-
ciliar a dimensão local e nacional.213
Se o interesse do legislador fosse realmente proteger o espírito
bairrista da programação, bastava limitar a formação das redes a
certos horários do dia e não praticamente proibi-la.
212 FIORILLO, 2000.
213 AMARANTE, 2012, p. 42.
Wesley Correa Carvalho
104
3.32 tempo mÍnImo de operAção dIÁrIA
O item 10.5 da Norma Complementar (NC) nº 2 do Serviço de
Radiodifusão Comunitária (SRC) obriga as emissoras comunitárias
a cumprirem oito horas diárias de transmissão, contínuas ou não.
Compreensível essa determinação, pois não seria justo conce-
der a autorização de radiodifusão comunitária a quem não cumpris-
se um mínimo de transmissão diária, enquanto outras emissoras,
preteridas na escolha, se vissem impedidas de transmitir.
Por essa razão, a Lei nº 9.612/98, art. 21, inc. III caracteriza
como infração a permanência de rádio comunitária fora de opera-
ção por período superior a 30 dias sem justicativa válida.
3.33 InterFerênCIAs de sInAl
Critica-se o art. 22 da Lei nº. 9.612/98 por não ter proporcio-
nado às rádios comunitárias qualquer proteção contra interferên-
cias de sinal em suas transmissões, ferindo a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH), art. XIX, que estabelece:
Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão;
este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opi-
niões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias
por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.214
Conquanto destituída de força legal, a DUDH é estatuto ju-
rídico de notável prestígio internacional e fonte de inspiração de
vários tratados internacionais e inúmeras constituições, inclusive a
brasileira.
O simples enquadramento da radiodifusão comunitária na ca-
tegoria dos serviços prestados mediante autorização já representa
214 DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. Adotada e proclamada pela resolução
217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Dis-
ponível em:
htm>. Acesso em: 10 jun. 2013.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 105
um suciente desprestígio da atividade relativamente à radiodi-
fusão comercial, esta operada por meio de concessão e, portanto,
considerada genuíno serviço público. No entanto, no art. 22 da Lei
nº 9.612/98, o legislador preferiu abandonar a sutileza dos institu-
tos de direito administrativo e impingiu essa deplorável marca dis-
criminatória às rádios comunitárias, impedindo-as de reclamar de
interferências de sinal.
3.34 FAltA de orIentAção pelo mInIstérIo dAs
ComunICAções
Como já dito, o MC elaborou manual explicando como ins-
talar uma rádio comunitária. Trata-se de cartilha bem elabora-
da e de visual interessante, mas como não ensina a administrar
uma emissora, está longe de atender ao disposto no art. 20 da Lei
nº 9.612/98, que diz:
Art. 20. Compete ao Poder Concedente estimular o desenvol-
vimento de Serviço de Radiodifusão Comunitária em todo o
território nacional, podendo, para tanto, elaborar Manual de
Legislação, Conhecimentos e Ética para uso das rádios comu-
nitárias e organizar cursos de treinamento, destinados aos in-
teressados na operação de emissoras comunitárias, visando
o seu aprimoramento e a melhoria na execução do serviço.215
Os desaos de uma rádio comunitária não desaparecem com
sua inauguração, mas crescem na mesma medida do seu relaciona-
mento com comunidade, autoridades e emissoras comerciais. Para
preencher essa lacuna na literatura jurídica, resolvemos escrever
este livro.
Manter parceria com entidades como a Abraço e o Fórum
Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC)216 pode
215 BRASIL, 1998a.
216 O Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações (FNDC) é uma institui-
ção que reúne diversas entidades que lutam pelo acesso de todos à informação e à comu-
nicação (FÓRUM NACIONAL PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO. 
Wesley Correa Carvalho
106
ser muito vantajoso às rádios comunitárias, pois, além de orientar
a gestão das emissoras, essas instituições lutam pela ampliação das
conquistas do setor. Atualmente, elas estão engajadas no projeto
popular da Lei da Mídia Democrática, buscando, entre outras coi-
sas, a obrigatoriedade do nanciamento público da radiodifusão
comunitária.
3.35 CuIdAdos Com As eleIções
Nos três meses anteriores às eleições, as rádios comunitárias
devem ter o cuidado de evitar problemas com candidatos, partidos
políticos, coligações partidárias e Justiça Eleitoral.
Muitas emissoras ditas comunitárias têm servido de instru-
mento eleitoral nas mãos de candidatos. São nanciadas pelo polí-
tico, organizadas por seus cabos eleitorais, funcionam como rádios
comerciais nos períodos não eleitorais e, em época de campanha,
expõem as verdadeiras razões de sua existência.217
Essas rádios servem apenas de palanque radiofônico e prestam
enorme desserviço à verdadeira radiodifusão comunitária, denegrin-
do a imagem das emissoras legalmente constituídas e atraindo a aten-
ção do aparelho repressor estatal para aquelas estações que, embora
clandestinas, conseguem prestar serviços de utilidade pública.
Por causa desses péssimos exemplos, as emissoras comuni-
tárias são vistas com relativa desconança no período eleitoral. As
suspeitas aumentam quando se conta com o nanciamento público,
embora parcial, de suas atividades.
As rádios comunitárias têm a imparcialidade como um de seus
princípios norteadores, não poderia ser diferente em época eleito-
ral, notadamente nas eleições municipais.
A legislação eleitoral, inspirada no princípio igualitário da
propaganda, visa promover uma [relativa] igualdade entre os
: liberdade, pluralidade e diversidade. Disponível em:
fndc.org.br>. Acesso em: 10 jun. 2013).
217 NUNES, 2010.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 107
candidatos e as agremiações político-partidárias, vislumbrando a
realização de eleições com resultado justo.218
Diz-se relativa porque os horários de propaganda eleitoral
gratuita no rádio e na TV não são distribuídos entre as coligações e
partidos políticos de maneira totalmente igualitária, mas de forma
proporcional à sua representação no Congresso Nacional.
As normas de direito eleitoral conseguiriam produzir um am-
biente em que todos os candidatos teriam as mesmas condições de
ser eleitos para os cargos disputados.
O direito eleitoral reprime, portanto, condutas que ponham
em risco a isonomia entre os candidatos e entre as diversas facções
políticas.
Por exemplo, um radialista poderia fazer uso do rádio para
angariar votos nas eleições em que fosse candidato. E, mesmo sem
pedir o voto dos ouvintes, ele seria beneciado nas urnas por sua
audiência. Isso porque o rádio e a TV têm reconhecida potencialida-
de de inuenciar o eleitor.219
Nunes examina a fundo esse processo de transformação de
audiência em votos.220
Por esse motivo, o art. 45, § 1º da Lei nº 9.504/97, alterada
pela Lei nº 11.300/96, proíbe as emissoras de rádio e/ou de televi-
são de transmitirem programa apresentado ou comentado por can-
didato escolhido em convenção partidária, no período abrangido
entre a data da convenção partidária e as eleições. A inobservância
dessa vedação sujeita a infratora ao pagamento de multa no valor de
20.000 a 100.000 Unidades Fiscais de Referência (UFIR), duplica-
da em caso de reincidência.221
Uma multa como essa surge como bomba em rádios comu-
nitárias nanceiramente debilitadas, portanto o apresentador
218 TOZZI, Leonel. : aspectos práticos. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Ju-
rídico, 2006.
219 CERQUEIRA, Thales Tácito; CERQUEIRA, Camila Albuquerque. 
. Coordenação de Pedro Lenza. São Paulo: Saraiva, 2012.
220 NUNES, 2010.
221 BRASIL, 1997b.
Wesley Correa Carvalho
108
escolhido em convenção deve ser imediatamente afastado de suas ati-
vidades, sob o risco de comprometer a saúde nanceira da emissora.
E se um morador da comunidade, candidato, quisesse fazer
uso do seu direito ao microfone em pleno período eleitoral? O que
fazer? Se, de um lado, existe a possibilidade do pagamento de mul-
ta em razão do descumprimento do disposto no art. 4º, § 3º da lei
nº 9.612/98, do outro, há a probabilidade de receber a multa do art. 45,
§ 2º da Lei nº 9.504/97. Se car o bicho pega, se correr o bicho come...
Nesse caso, aconselhamos a emissora a não permitir aos
candidatos o uso do microfone previsto no art. 4º, § 3º da Lei
nº 9.612/98, pois as multas aplicadas pela Anatel, além de virem
precedidas de advertência, costumam ser inferiores às da Justiça
Eleitoral, e essas chegam sem qualquer aviso.
Antes do início das transmissões da propaganda eleitoral gra-
tuita, Lei nº 9.504/97, os juízes eleitorais costumam reunir as coli-
gações partidárias e as emissoras de rádio e de televisão para escla-
recer dúvidas e para fornecer planilha contendo as datas e horários
das veiculações.
Pode-se aproveitar essa ocasião para se cobrar do magistrado
um posicionamento ocial quanto à questão do exercício do direito
de expressão, art. 4º, § 3º da lei nº 9.612/98, por candidato resi-
dente na comunidade. Ocializada a proibição, as emissoras estarão
vacinadas contra o problema.
E se um morador, não candidato, resolver exercer seu direi-
to ao microfone para fazer propaganda eleitoral? Exercer a censu-
ra prévia sobre o conteúdo de seu depoimento? De forma alguma,
essa não nos parece ser a melhor alternativa, pois viola o art. 13 da
CADH. Nesse caso, recomendamos remeter a transcrição do discur-
so ao promotor eleitoral, para se adotar as adequadas providências.
Quem trabalha em emissora comunitária precisa conhecer a
Lei nº 9.504/97, principalmente a parte sobre propaganda eleitoral,
art. 44 ao art. 58, pois ali estão estabelecidas diversas proibições:
1) cortes instantâneos e censura prévia nos programas dos candida-
tos; 2) tratamento privilegiado a candidato, partido ou agremiação
partidária; 3) divulgação de nome de programa alusivo a candidato;
e muitas outras.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 109
Vale recordar que as gravações dos programas eleitorais de-
vem ser conservadas por, no mínimo, 20 dias a partir da data da
transmissão, item 21.4 do RSRC.222
Orientamos as rádios comunitárias a não permitirem aos seus
radialistas fazerem locução para candidatos de sua região, pois suas
vozes já são conhecidas das pessoas e ouvi-las a serviço de determi-
nado político poderá fazê-las acreditar no apoio da emissora a esse
candidato.
Em alguns casos, chega-se a pensar que o programa eleitoral
é gravado no estúdio da rádio comunitária. O resultado é uma sarai-
vada de denúncias, representações eleitorais, rumores e contendas,
descrédito institucional.
Outra questão interessante é a discussão em torno da possibi-
lidade de rádio comunitária fazer doações eleitorais. Gomes trans-
creve reportagem denunciando essa situação:
Israel Bayma, pesquisador do Laboratório de Políticas de Co-
municação da Universidade de Brasília, tem um estudo ainda
inédito, sobre radiodifusão. Nele, a partir de uma amostra de
820 pedidos de licença para rádios comunitárias em 2002, o
especialista em telecomunicações constatou que 87% não cor-
respondem a emissoras efetivamente comunitárias apesar de
se apresentarem como tal. No mesmo ano, prossegue Bayma,
representantes de emissoras tidas como comunitárias, já com
concessão, doaram 256.156 reais para políticos em campa-
nha. O PMDB recebeu 14,5% desse total, o PMN cou com
14,28% e o PSDB com 12,42%. Já nas eleições de 2004, as
entidades de rádios comunitárias contribuíram com 879.750
reais para os partidos políticos, e o PPS recebeu 34,12% desse
valor. Bayma comenta: “- isso não é tecnicamente ilegal, mas
demonstra que há interesse político das entidades que repre-
sentam essas rádios”.223
A esse respeito, cumpre-nos duas importantes observações. A
primeira: no contexto atual, as rádios comunitárias éis à legisla-
ção vivem em meio a diculdades nanceiras. Somente emissoras
222 BRASIL, 2011a.
223 GOMES, 2009, p. 46.
Wesley Correa Carvalho
110
descomprometidas com suas nalidades legais e reprodutoras de
comportamento mercantilista poderiam dispor de recursos para -
nanciar campanhas eleitorais. E a segunda: rádios comunitárias não
podem fazer doações eleitorais! Bem da verdade, a Lei nº 9.504/97
(Lei das Eleições) não as proíbe de fazê-las, pois a vedação de seu
artigo 24, inc. III abarca somente os concessionários e permissioná-
rios de serviço público, deixando de fora os autorizatários.
Mas essa proibição advém da própria Lei nº 9.612/98, art. 1º,
caput, pela qual somente as fundações e associações sem ns lucra-
tivos podem receber autorização de radiodifusão comunitária.
No referido diploma, o legislador teve o cuidado de denir a
baixa potência e de delimitar a cobertura restrita, mas deixou de
esclarecer o que seria uma entidade sem ns lucrativos. Veio a elu-
cidá-lo pouco depois com a edição da Lei nº 9.718/98, sobre matéria
tributária, alterando o § 3º do art. 12 da Lei nº 9.532/97, a seguir
transcrito:
§ 3° Considera-se entidade sem ns lucrativos a que não apre-
sente superávit em suas contas ou, caso o apresente em deter-
minado exercício, destine referido resultado, integralmente, à
manutenção e ao desenvolvimento dos seus objetivos sociais.224
Logo, uma entidade sem ns lucrativos não pode destinar
eventual superávit a ns estranhos aos seus objetivos sociais, doa-
ções eleitorais, por exemplo. Financiando candidato, a rádio comu-
nitária pode perder sua condição de entidade sem ns lucrativos,
suas isenções tributárias e até mesmo sua autorização!
Se, em vez de custeadas com o superávit, as doações eleitorais
forem nanciadas com receitas comprometidas com a cobertura do
passivo, haverá desvio da nalidade institucional, pois o art. 3º da
Lei nº 9.612/98 impõe ao serviço de radiodifusão comunitária ns
precisos entre os quais a subvenção de campanha eleitoral não se
encontra. Não se trata de uma proibição tipicamente eleitoral cujo
224 BRASIL. Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997c. Altera a legislação tributária
federal. Disponível em:
lei953297.htm>. Acesso em: 10 jun. 2013.
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 111
desrespeito possa prejudicar o candidato, mas de um impedimento
às rádios comunitárias, elas arcarão sozinhas com as consequências.
Tratamos até aqui das doações eleitorais diretas, efetuadas em
dinheiro, mas as doações eleitorais indiretas, quais sejam: a pres-
tação de serviços gratuitos ou o empréstimo de bens da emissora a
candidato, também acarretam desvio de nalidade.
3.36 reCeBImento de Bens e serVIços grAtuItAmente e
doAções em dInheIro
As emissoras comunitárias podem obter bens e serviços gra-
tuitamente. Isso mesmo, sem pagar nada.
A Lei nº. 12.350/2010 alterou o art. 29 do Decreto-Lei
nº 1.455/76 conferindo-lhe a seguinte redação:
Art. 29. A destinação das mercadorias a que se refere o art. 28
será feita das seguintes formas:
I – alienação, mediante:
a) licitação; ou
b) doação a entidades sem ns lucrativos;225
Assim, as entidades sem ns lucrativos agora podem receber,
em doação, mercadorias apreendidas pela RFB em razão da prática
do crime de descaminho. São CDs, DVDs, mesas de som, microfo-
nes, instrumentos musicais, computadores, impressoras, scanners,
copiadoras, aparelhos de fax e muitos outros produtos ingressados
no país sem a documentação necessária. Uma vez recebidos em doa-
ção, esses bens passarão a integrar o patrimônio da emissora que
por eles deverá zelar e até prestar contas quando solicitada.
Embora a lei faça menção simplesmente a “entidades sem ns
lucrativos”, para realizar as doações, a RFB exige das instituições
225 BRASIL.    . Dispõe sobre medidas
tributárias referentes à realização, no Brasil, da Copa das Confederações Fifa 2013 e da
Copa do Mundo Fifa 2014; promove desoneração tributária de subvenções governamen-
tais destinadas ao fomento das atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento
de inovação tecnológica nas empresas... Disponível em:
ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Lei/L12350.htm>. Acesso em: 15 out. 2013.
Wesley Correa Carvalho
112
interessadas a apresentação de título de utilidade pública federal,
estadual ou municipal.
Com esse propósito, fornecemos um modelo de ofício plei-
teando a concessão do título de utilidade pública municipal (APÊN-
DICE O) e munimos o leitor com um modelo de ofício destinado à
Receita Federal do Brasil, solicitando a doação de bens apreendidos.
Esse ofício pode ser protocolado na agência da RFB mais próxima
da emissora (APÊNDICE P).
Os condenados em pena inferior a quatro anos de prisão,
quando réus primários, têm o direito de ver sua pena privativa de
liberdade convertida em restritiva de direitos. Em vez de serem pre-
sos, eles passam a cumprir penas alternativas consistentes na pres-
tação de serviços à comunidade.
O apenado é encaminhado a uma entidade sem ns lucrativos
para a qual trabalhará temporariamente sem receber qualquer re-
muneração.
Entre os punidos com serviços comunitários, encontram-se
prossionais de alto gabarito, nas mais diferentes prossões, tais
como construtores, eletricistas, encanadores, carpinteiros e até en-
genheiros e arquitetos. Reformas, reestruturações, ampliações e
edicações podem ser realizadas com o trabalho desses cidadãos
infratores da legislação penal.
Com sorte, alguns deles continuarão a colaborar com a rádio
comunitária mesmo após o cumprimento de sua pena. Além disso,
os condenados costumam ser obrigados a doar certo valor em di-
nheiro a entidades assistenciais.
Para serem beneciadas com a prestação de serviços comu-
nitários e até com as prestações pecuniárias decorrentes das con-
denações, recomendamos às emissoras interessadas obterem as
informações necessárias no fórum de sua comarca e na vara fede-
ral mais próxima.
O chamado “ativismo de sofá” pode ser mais uma alternati-
va de nanciamento da radiodifusão comunitária, a ideia é usar a
internet para unir entidades que precisam de ajuda e pessoas dese-
josas de doar. Por exemplo, o movimento Think&Love sob o slogan
Manual de Sobrevivência das Rádios Comunitárias 113
“escolha sua causa, faça sua doação” capta recursos para as insti-
tuições cadastradas, dentre as quais se encontram 36 Organizações
Não Governamentais (ONGs) e 24 institutos e fundações. As pes-
soas doam sem sair de casa por meio do PayPal, um sistema de pa-
gamentos pela rede.226
Iniciativas como essa podem prosperar e fazer escola, tornan-
do-se mais uma ferramenta na luta pela sobrevivência das rádios
comunitárias.
226 TONON, Rafael. Doar e receber: portal une entidades que precisam de recursos a
pessoas que querem ajudar. , São Paulo, nº 263, p. 19, jun. 2013.

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