Aspectos da Lei 8.630 e sua aplicabilidade

AutorEclésio da Silva/Otávia de Oliveira May
CargoAdvogados e Mestrando na linha de pesquisa Direito Internacional, Comércio e Atividade Portuária
Páginas324-332

    O presente artigo foi considerado trabalho final para a disciplina Elementos Jurídicos da Atividade Portuária, ministrada pelo Prof. Dr. Cesar Luiz Pasold no CPCJ-UNIVALI.


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1 Introdução

O presente artigo tem por escopo fazer uma análise crítica das operações portuárias nos Portos Brasileiros no momento hodierno. Para isto, mostra historicamente como o processo, embora tenha evoluído ao longo desses anos, não atende à realidade de custos compatíveis com os portos de países desenvolvidos. No sistema globalizado em que se apresenta, o Brasil precisa acordar para a realidade do comércio internacional: sua participação ainda é deveras pequena diante de sua capacidade de produção e venda. Faz-se imprescindível dotar os portos de infra-estrutura necessária para poder melhor competir. Da mesma forma, um componente desse custo, a Mão-de-Obra Avulsa, terá que admitir as mudanças impostas pelo mercado, principalmente o meio de transporte, ou seja, o modal marítimo. Este evolui significativamente, aumentando de tamanho os navios e tornando-os mais modernos. Como conseqüência imediata, há redução do esforço físico do trabalhador na estivagem de cargas. Contudo, é importante também acerca do processo que se acorde para uma nova realidade, adaptando-se a condições operacionais mais dinâmicas.

2 Situação portuária brasileira pré-lei 8 630/93
2. 1 Situação histórica

Anteriormente à Lei 8.630, a legislação portuária brasileira remontava ao período anterior a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente 1934. Vivia-se no Brasil o Estado Novo, com sua orientação corporativista e centralizadora. O sistema baseava-se no Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis - DNPVN, posteriormente transformado em Empresa de Portos do Brasil S/A - Portobrás, durante o regime militar. Esses organismos ditavam toda política portuária nacional, determinavam onde seriam feitos os investimentos e fixavam as tarifas. Pelo lado da mão-deobra dos trabalhadores portuários avulsos, existia a Superintendência Nacional da Marinha Mercante - SUNAMAM, que determinava a forma como se organizava o trabalho, a composição das equipes (ternos) de trabalho e sua remuneração. Fixava até mesmo remuneração das "entidades estivadoras", sendo estas empresas privadas a quem competia contratar e administrar as operações portuárias. O lado do treinamento e disciplina da mão-de-obra estava afeto ao Ministério do Trabalho, que delegava a responsabilidade ao Ministério da Marinha, através do Conselho Superior do Trabalho Marítimo, CSTM, dos Conselhos Regionais do Trabalho Marítimo-CRTM e das Delegacias do Trabalho Marítimo-DTM. Essa quantidade de entidades tentando regulamentar todos os aspectos da atividade marítima e portuária no Brasil, acabou gerando uma parafernália de leis, decretos, portarias e jurisprudências que levaram o sistema portuário ao caos, com ineficiência, maus hábitos trabalhistas e custos absurdos.

A situação tornou-se ainda mais caótica quando, no governo do ex-presidente Fernando Collor de Mello (1990), decidiu-se extinguir, em nome da reforma administrativa, a Portobrás, os Conselhos Superior e Regional e as Delegacias do Trabalho Marítimo, sem propor nada que substituísse suas funções, tornando acéfalas as obrigações portuárias. Desta forma, determinados portos, que eram vinculados diretamente à Portobrás, ficaram sem organização formal, até serem "encostados" em alguma Companhia Docas. A mão-de-obra avulsa, sem a presença de qualquer entidade reguladora, passou a ser presa fácil dos sindicatos. Estes se tornaram verdadeiros agenciadores dePage 325 mão-de-obra e portadores de monopólio absoluto, determinando a seu bel prazer tamanho das equipes, formas de remuneração, horários de trabalho.

Destarte, a mão-de-obra, denominada de estiva nos portos brasileiros, era praticamente secular; como quase secular também são as relações trabalhistas das categorias envolvidas nas operações de Estiva, Conferência, Conserto, Arrumação e Vigilância de embarcação e cargas.

2. 2 Aspectos da relação de trabalho

Vários foram os vícios criados ao longo dos anos que ficaram arraigados dentro dos Sindicatos. Ademais, estes se apresentavam como sistemas corporativistas, de forma inclusive a impor aos Portos Brasileiros, custos muito acima dos principais portos mundiais, colocando o Brasil em posição menos competitiva no comércio internacional. Sua participação em todo comércio exterior varia no índice entre 0,8% e 1,1%.

Não se tem, aqui, a pretensão em afirmar que o denominado "custo" Brasil seja de inteira responsabilidade da mão-de-obra avulsa nos portos. Até porque há vários outros elementos que provocam esta situação, como as questões problemáticas na infra-estrutura portuária.

Entretanto, a relação trabalhista entre os tomadores de serviços (agentes marítimos) e os prestadores avulsos (trabalhadores) sempre foram tratadas de maneira extremamente hostil, estes sempre levaram vantagens nas negociações. A razão disso está na grande e poderosa arma que era utilizada por eles: a greve nos portos. Ela criava uma situação na qual os armadores, para não terem que arcar com maiores prejuízos, acabavam por pagar toda a conta, e naturalmente que isso recaia sobre os exportadores e importadores, donos das cargas.

3 Necessidade de nova legislação
3. 1 Atraso legislativo e atraso logístico

Os portos brasileiros foram crescendo, não só fisicamente -aumentando os berços de atracação, armazéns e áreas pátios - como também em volume de cargas.

Conforme já relatado, com a extinção da Empresa de Portos do Brasil S/A - Portobrás em 1990, logo no início do Governo Collor, os Portos Brasileiros -aqueles que não eram administrados pelas Companhias Docas - ficaram acéfalos, tendo que se submeter à administração de Empresas de Portos distantes, muitas vezes, da cidade portuária onde outrora eram administradas pela Portobrás. Isso trouxe enormes prejuízos para alguns portos, no tocante à mão-de-obra de Capatazia - serviço este executado pelos trabalhadores portuários com vínculo empregatício.

Com esse "gap", surgiu a necessidade de se adequar a legislação à realidade brasileira do momento. Foram várias as tentativas de se buscar conciliação entre as partes (patronal x laboral) para se chegar ao consenso de uma mão-de-obra portuária mais próxima da realidade de portos estrangeiros. Noutras palavras, menos distante em relação a países que competiam diretamente com o Brasil nas vendas externas.

A legislação portuária era um somatório de normas, portarias e leis, que se confundiam e deixava a atividade completamente inchada, uma vez que era a SUNAMAM - já citada - que definia os reajustes das tabelas salariais. Além disso, determinava a composição das equipes de trabalhoPage 326 enquanto as relações trabalhistas eram regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, prescritos nos artigos 254 a 292 do diploma legal, revogados pela lei 8.630.

Tudo era feito sem critérios técnicos, sem levar em consideração a produtividade dos vários sindicatos envolvidos nas operações portuárias. As distorções eram as mais diversas, pagando-se um terno (equipe) de estiva por tonelada movimentada, enquanto que um terno de consertadores de cargas, que eventualmente executava reparos nas cargas avariadas, tinha o mesmo parâmetro de cálculo, ou seja, sobre toda a movimentação do terno de estiva. Desta forma, se impunha a mais clara injustiça com relação ao esforço despendido pelo homem nas operações de cargas e descargas de navios.

As...

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