Aspectos materiais

AutorFernando Maciel
Ocupação do AutorProcurador Federal em Brasília
Páginas15-50

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1. Conceito

A primeira controvérsia atinente à ARA do INSS situa-se logo na conceituação desse instituto jurídico. Isso porque, em uma análise superficial, essas ações poderiam ser conceituadas como: o meio processual utilizado pelo INSS para obter o ressarcimento das despesas com as prestações sociais implementadas em face dos acidentes do trabalho, ocorridos por culpa dos empregadores que descumprem as normas de saúde e segurança do trabalho.

Com efeito, ocorrido um acidente de trabalho por culpa dos empregadores, culpabilidade representada pelo descumprimento de alguma norma protetiva da saúde e segurança dos trabalhadores, bem como sobrevindo a implementação de alguma prestação social por parte do INSS, essa autarquia poderá voltar-se regressivamente contra o verdadeiro causador do dano, cobrando-lhe a integralidade dos gastos suportados.

Conforme será visto a seguir de modo mais aprofundado, a superficialidade desse conceito decorre de que, além do seu caráter ressarcitório, a ação regressiva acidentária possui uma feição punitiva para com aqueles que descumprem as normas de saúde e segurança do trabalho, bem como serve de medida pedagógica que incentiva a observância dessas normas, prevenindo a ocorrência de futuros acidentes do trabalho.

Essa multifuncionalidade da ARA foi muito bem definida pelo Procurador Federal Daniel Pulino9 da seguinte maneira: “Trata-se de um importante mecanismo de prevenção de inúmeros acidentes do trabalho e de ressarcimento dos gastos a eles consequentes”. Outra definição pode ser extraída na doutrina de Adriana Carla Morais Ignácio10, que conceitua as ações regressivas como um “instrumento de prevenção de novos acidentes, quando afasta a impunidade daqueles que, desprezando seu dever, negligenciam a vida e a integridade física do trabalhador”.

Dessa forma, entendemos que esse instituto deveria ser reconhecido e, por consequência, definido, não apenas como uma ação de cobrança pela qual o INSS visa ao ressarcimento dos gastos suportados por culpa dos empregadores, mas,

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principalmente, como um relevante instrumento punitivo-pedagógico de concretização da política pública de prevenção dos acidentes do trabalho.

2. Fundamentos normativos
2.1. Fundamento constitucional

A pretensão ressarcitória exercida pelo INSS na ARA possui fundamento no art. 7º, XXVIII, da CF/88, que além de atribuir aos empregadores o dever de custear o SAT em prol dos trabalhadores, imputa-lhe, cumulativamente, o dever de indenizar os danos advindos dos infortúnios que decorram de sua atuação dolosa ou culposa.

Eis a redação do referido dispositivo constitucional:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

(...)

XXVIII — seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Há quem divirja desse entendimento alegando a inviabilidade jurídica da ARA justamente por extrapolar o alcance do aludido preceito constitucional.

Partindo de uma interpretação restritiva e “topográfica” do Texto Constitucional, os defensores dessa corrente sustentam que a indenização prevista no inciso XXVIII seria um direito exclusivo dos trabalhadores (caput do art. 7º), tese defensiva essa que será oportunamente analisada mais adiante quando do estudo (in)constitucionalidade da ARA.

Além desse dispositivo, há quem reconheça no inciso XXII do art. 7º da CF/ 8811, o qual preconiza ser um direito social dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, mais um fundamento constitucional das ARAs, notadamente em face de sua eficácia punitivo-pedagógica que tem contribuído para a prevenção de acidentes laborais no Brasil.

2.2. Fundamento infraconstitucional
2.2.1. Art 120 da Lei n. 8.213/91

O dispositivo legal que, de forma imediata, serve de embasamento à ARA é o art. 120 da Lei n. 8.213/91, in verbis:

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Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Acerca desse preceito legal, duas considerações merecem ser referidas. A primeira diz respeito ao caráter imperativo da propositura da ARA por parte do INSS, enquanto que a segunda consiste na preexistência do direito ressarcitório.

  1. Caráter imperativo da propositura da ARA pelo INSS

    O art. 120 da Lei n. 8.213/91 não criou um direito ressarcitório em prol do INSS, ao contrário, instituiu um dever de a Previdência Social buscar o ressarcimento das despesas suportadas em face da conduta culposa de terceiros.

    É o que se extrai do caráter imperativo do verbo contido no referido preceito legal (“a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”).

    Destacando esse caráter imperativo da propositura da ARA o magistrado trabalhista Reginaldo Melhado12 leciona que:

    A previdência social deve ingressar com ação para ressarcir-se das despesas resultantes do acidente do trabalho, consistentes dos benefícios pagos ao trabalhador. Respeitadas as normas de segurança e higiene do trabalho, o acidente também pode ocorrer. É uma fatalidade e bem por isso é coberto integralmente pelo sistema se seguro social. Porém, se as normas de segurança e higiene do trabalho (basicamente, as contidas nos art. 154 a 200 da CLT e nas portarias de regulamentação) não foram cumpridas pelo empregador, ele deve ressarcir a Previdência Social. g.n.

    Cláudio Mascarenhas Brandão13 também corrobora o entendimento de que “a decisão de ingressar com a ação, portanto, não permanece no plano da conveniência da Previdência Social”, isso por que:

    Como se não bastasse, o legislador preocupou-se em reforçar não apenas o dever de ressarcimento, mas o caráter compulsório da postura a ser adotada pela previdência, quando a previu e até mesmo orientou a atuação em Juízo, ao definir que não seriam compensáveis o benefício por ela pago e a indenização a cargo do empregador (arts. 120 e 121 da Lei n. 8.213/91) g.n.

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    Com efeito, a primeira conclusão que se deve extrair do art. 120 da Lei n.
    8.213/91 é no sentido de que esse preceito não criou qualquer direito em prol do INSS, mas sim um dever de agir.

  2. Preexistência do direito ao ressarcimento

    O fato de o art. 120 da Lei n. 8.213/91 ter atribuído um dever ao invés de um direito não significa que somente a partir da vigência desse dispositivo é que a pretensão ressarcitória passou a ser exercitável pelo INSS. Isso porque, considerando que a ARA está embasada numa norma de responsabilidade civil, desde a vigência do Código Civil de 1916, mais especificamente na regra geral preconizada nos arts. 15914 e 1.52415, o direito ao ressarcimento já poderia ser exercido pelo INSS.

    Discorrendo acerca da preexistência do direito ao ressarcimento, Daniel Pulino16 refere que “essa ‘inovação’ legal restringe-se apenas à específica regulamentação da matéria, já que sempre foi possível a utilização da ação regressiva”. Isso porque, “à luz do princípio tempus regit actum tem-se que é a lei vigente ao tempo da ocorrência do fato jurídico que deve regular a indenização a ele consequente”, de modo que “a lei aplicável ao direito de regresso será a vigente na data em que se deu o acidente de trabalho”.

    Prossegue o referido autor dispondo que:

    Nada impede que o INSS exercesse o direito de regresso contra empresas negligentes quanto às normas-padrão de segurança e higiene do trabalho também sob a (sic) império da antiga ordem legal.

    Explica-se: o art. 120 da Lei n. 8.213/91 apenas regula de forma específica uma hipótese que já era possível em nosso ordenamento jurídico — exercício de direito de regresso contra empresas que não seguiram à risca as normas de segurança e higiene do trabalho — autorizada que estava, genericamente, pelos arts. 159 e 1.524 do Código Civil.

    Miguel Horvath Júnior17 também compartilha desse entendimento, referindo que “ainda que não houvesse a previsão do art. 120 seria possível o ajuizamento da ação regressiva, tendo em vista as previsões dos arts. 159, 1.521, inciso III, c/c arts. 1.423 e 1.524 do Código Civil [de 1916]”.

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    Nesse sentido o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já exarou precedente reconhecendo o art. 159 do CC/1916 como fundamento para a pretensão regressiva do INSS, o que se extrai a partir do seguinte trecho do voto proferido pelo Des. Fed. Valdemar Capeletti na AC 2001.70.03.000109-8/PR, julgada em
    19.3.200918:

    Quanto ao direito de regresso em si, dispõe o art. 120 da Lei n. 8.213/91: Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

    Além desse dispositivo, o art. 159 do Código...

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