O assédio existencial nas relações laborais e as suas consequências na esfera social

AutorMaria Cecília Máximo Teodoro/Márcio Túlio Viana/Cleber Lúcio De Almeida/Sabrina Colares Nogueira
Páginas224-228

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Apresentação

Tomando como base a evolução histórica do trabalho, perpassando por suas várias fases e, acompanhando a afirmação do standard de direitos que asseguram a dignidade da pessoa humana, por meio de legislações internas e tratados internacionais, ainda são recorrentes os casos de violações de direitos mínimos dos trabalhadores. Objetivando a realização de uma análise crítica do tema e, valendo-se do método lógico-dedutivo de pesquisa, vislumbra-se o assédio existencial enquanto uma das condutas maléficas ao labor, prática responsável pelo desenvolvimento de lesões morais, sociais e psíquicas, todas oriundas do dano existencial. Como resultado, apura-se a violação direta à dignidade da pessoa humana e aos direitos de personalidade do trabalhador, atingindo também aqueles com quem este se relaciona socialmente, face ao excesso de dedicação à instituição patronal, abalando, consequentemente, a sua saúde, planejamentos e planos de vida do trabalhador, por se passar à viver exclusivamente para o trabalho. Contudo, é de bom alvitre ressaltar que esse tipo de conduta não se confunde com a figura dos workaholics, os quais são os únicos responsáveis pelos danos experimentados. No assédio existencial, o trabalhador é coagido pelo empregador à produzir e atingir metas incessantemente, tendo que se submeter à exaustivas jornadas de trabalho e à inserção em uma espécie de exílio social, lidando ainda com as pressões oriundas da globalização desenfreada, destacando o risco de ser desempregado. Diante do exposto, depura-se que o assédio existencial viola todos os elementos caracterizadores do trabalho decente, previsto em uma série de tratados internacionais, bem como nas Convenções da OIT e, na própria Constituição Federal Brasileira, mormente no que cinge ao seu Título II, qual seja, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, repercutindo, ainda, nos direitos personalíssimos do trabalhador.

1. Introdução

Desde o surgimento das relações de trabalho, verifica-se a manifestação do assédio existencial. No Direito do Trabalho, esta temática vem sendo timidamente discutida e ganhando alguma relevância no âmbito jurídico, de modo que ainda não é pacífico no meio dos juristas.

Em uma sucinta conceituação, o assédio existencial consiste na impossibilidade da pessoa realizar o seu projeto de vida, em virtude das ações tomadas pelo seu empregador, no intuito de obrigá-la a trabalhar mais do que deveria, seja na quantidade de serviço, ou na realização de horas extraordinárias, observando, de antemão, que tal conduta não traz somente prejuízos ao trabalhador, atingindo também as pessoas que fazem parte do seu convívio familiar e social.

Logo, o objetivo do presente trabalho é analisar de forma detalhada os elementos que caracterizam o efetivo assédio existencial e a distinção dos elementos caracterizadores do assédio e dano existencial, bem como a forma que ambos repercutem no mundo jurídico.

2. Evolução histórica e consagração dos direitos trabalhistas

A História Mundial revela os constantes avanços sociais no campo do trabalho desde a Antiguidade até os dias atuais. Tal evolução pode ser observada por meio da

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definição do que é trabalho, surgindo de uma ideia de castigo — tendo a origem da palavra “trabalho” decorrência do latim, tripalium, um instrumento tripé utilizado para tortura —, até ser considerado, no século passado, como meio dignificante que, a teor do que estabelece Max Weber, engrandece o homem, ratificando, portanto, o seu viés transformador (CASSAR, 2014, p. 53).

Contudo, ao mesmo passo em que se tinha a evolução da concepção do trabalho, havia também a eclosão de revoluções, sobretudo na Europa, tendo estas como escopo os Direitos Naturais — sendo seus principais defensores Thomas Hobbes e Hugo Grócio —, os quais foram posteriormente consagrados como Direitos Humanos e, indispensáveis, portanto, para a solidificação das garantias trabalhistas consagradas atualmente na sociedade internacional.

Desta forma, o Direito do Trabalho surge no mundo em um contexto internacional, em meio aos comandos de “liberdade, igualdade e fraternidade”, oriundos da Revolução Francesa. A partir deste cenário que se chega, mais a frente, ao pleno vapor da Revolução Industrial, no século XIX, época de notório desrespeito à dignidade do ser humano — enquanto um direito natural — , abrindo margem para o pleito por medidas protetivas aos funcionários, propostas, à época, por Robert Owen1, na Inglaterra, e anos depois ratificadas na França, por Daniel Le Grand, tendo suas perspectivas o condão de influenciar alguns países da Europa a positivar em seu ordenamento jurídico pátrio a dignidade da pessoa humana, face às condições desumanas, insalubres e perigosas de trabalho forçado, vislumbradas à época.

A conjunção das condições indignas de labor, se assim pode ser dito, somadas à propulsão, na seara internacional, da defesa dos direitos dos obreiros, resultaram na criação, em 1890, da Associação Internacional para a Proteção do Trabalho, instituição que serviu de referência para o surgimento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, bem como a expedição da Encíclica Papal Rerum Novarum¸ rogando pela preservação da dignidade nas relações laborais. Sendo assim, todas essas condições históricas abriram margem para a instituição, à época, da democracia social em textos constitucionais, conforme se observa com as Constituições do México e Weimar, promulgadas em 1917 e 1919, respectivamente. (COMPARATO, 2015, p. 190).

Em meio a este viés histórico, marcado pelo cenário de decadência do liberalismo político e econômico, é que surge, em 1919, a OIT, organismo fundamental para a vitaliciedade, manutenção e desenvolvimento do Direito

Internacional do Trabalho e, consequentemente, da sua internalização pelos Estados, da maneira em que hoje é assegurado, sendo instituída, portanto, na perspectiva de se firmar um padrão mínimo de trabalho, por meio de uma normatização internacional, no afã de garantir um standard de dignidade aos trabalhadores (CASSAR, 2014, p. 53), mediante erradicação de todas as formas de labor consideradas como injustas, e logo desumanas, ao mesmo tempo em que se baseava na perspectiva de...

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