Assédio Moral

AutorSilvia Teixeira do Vale/Rosangela Rodrigues D. de Lacerda
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 5ª Região/Procuradora do Trabalho da PRT 5ª Região
Páginas453-468
9.
ASSÉDIO MORAL
(1) GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães; RIMOLI, Adriana Odalia. “Mobbing” (assédio psicológico) no trabalho: uma
síndrome psicossocial multidimensional. Revista Psicologia: teoria e pesquisa, v. 22, n. 2, Brasília, p. 183-191, maio/ago. 2006.
(2) OWINGS, Donald; COSS, Richard. Snake mobbing by California ground squirrels: adaptive variation and ontogeny.
Behaviour, v. 62, n. 1/2, p. 50-69, 1977.
(3) IWAMOTO, Toshitaka; MORI, Akio; KAWAI, Masao; BEKELE, Afework. Anti-predator behavior of gelada baboons.
Primates, v. 37, n. 4, p. 389-397, 1996.
(4) PASSAMANI, Marcelo. Field observation of a group of Geoffroy’s marmosets mobbing a margay cat. Folia Primatologica,
v. 64, n. 3, p. 163-166, 1995.
(5) LEYMANN, Heinz. Mobbing and psychological terror at workplaces. Violence and Victims, v. 5, p. 119-126, 1990.
(6) ZAPF, Dieter. Organisational, work group related and personal causes of mobbing/bullying at work. International Journal
of Manpower, v. 20, n. 1-2, p. 70-85, fev./ 1999.
(7) LIMA FILHO, Francisco das Chagas. O assédio moral nas relações laborais e a tutela da dignidade da pessoa humana
do trabalhador. São Paulo: LTr, 2009, p. 36.
Segundo Guimarães e Rimoli, o termo mobbing
foi descrito pela primeira vez pelos etólogos Niko
Tinbergen e Konrad Lorenz, que descreveram o
comportamento de expulsão de um intruso de for-
ma agressiva por um grupo de animais (gaivotas e
gansos), na década de 1960(1). Os estudos etológicos
sobre mobbing têm sido realizados, principalmente,
com aves. No entanto, este comportamento foi ob-
servado em esquilos(2) e em algumas espécies de pri-
matas, como babuínos(3) e saguis(4).
O conceito de mobbing foi popularizado pelo psi-
cólogo Heinz Leymann, alemão radicado na Suécia,
na década de 1990. Foram retomadas as observações
realizadas anteriormente por Lorenz, relacionando-
-as ao estudo da conduta humana nas organizações
laborais. Naquela época, Leymann definiu mobbing
como o fenômeno no qual uma pessoa ou grupo
de pessoas exerce violência psicológica extrema, de
forma sistemática e recorrente e durante um tem-
po prolongado – por mais de seis meses e que os
ataques se repitam numa frequência média de duas
vezes na semana – sobre outra pessoa no local de
trabalho, com a finalidade de destruir as redes
de comunicação da vítima ou vítimas, destruir sua
reputação, perturbar a execução de seu trabalho e
conseguir finalmente que essa pessoa ou pessoas
acabe abandonando o local de trabalho(5).
Ao ser analisado o conceito de mobbing propos-
to pela etologia e o fenômeno descrito por Leymann,
não se observa nenhuma semelhança, à primeira vista.
Contudo, a partir do final da década de 1990, foi pro-
posta por Dieter Zapf uma nova concepção de mob-
bing, que é descrito como uma forma severa de estres-
sores sociais no trabalho. Ao contrário dos estressores
sociais “normais”, o assédio moral é um conflito pro-
longado e duradouro, com frequentes ações de assédio
sistematicamente destinadas a uma pessoa-alvo, exis-
tindo uma multi-causalidade para o assédio(6).
A partir desta nova concepção, portanto, é pos-
sível aproximar o assédio organizacional do mobbing
etológico para afirmar que o primeiro é uma reação
extrema de um indivíduo a uma situação estressora
ou ameaçadora no ambiente de trabalho (provocada
por um colega, chefe ou subalterno), segundo sua
própria interpretação, da mesma maneira que os ani-
mais reagem à presença de um predador.
Consoante estudo de Lima Filho, o termo assédio
moral é o mais difundido, no Brasil. Entretanto, o
fenômeno também é denominado como mobbing (na
Alemanha, Itália e países escandinavos), bullying (na
Inglaterra), harassment (nos EUA), harcélement moral
(na França), ijime (no Japão), psicoterror laboral ou
acoso moral (na Espanha), terror psicológico, tortura
psicológica ou humilhações no trabalho (nos países de
língua portuguesa)(7). No entanto, segundo Leymann,
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO
o termo mobbing deve ser utilizado em relações labo-
rais, ao passo que bullying deve ser a denominação de
fenômeno semelhante entre crianças e adolescentes,
geralmente envolvendo agressão física(8).
A grande diferenciação das terminologias indica
que as circunstâncias fáticas que configuram o assé-
dio moral encontram-se difundidas em ambientes de
trabalho em todo o mundo.
Historicamente, a Organização Internacional do
Trabalho tratava do assédio moral de modo tangen-
cial, através das suas Convenções ns. 148 e 155, que
versam sobre o direito a um meio ambiente do tra-
balho sadio e seguro. Não havia, efetivamente, uma
Convenção no direito internacional sobre assédio
moral e sexual. Em 21 de junho de 2019, todavia,
foi adotada a primeira Convenção para a Eliminação
da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho
na sessão de encerramento da conferência anual da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Este
novo instrumento jurídico internacional alcança to-
das as categorias de trabalhadores, assim como to-
das as pessoas cujos contratos de trabalho termina-
ram e pessoas que procuram emprego. A Convenção
n. 190 da OIT, contudo, ainda não foi ratificada pelo
Brasil.
9.1 CONCEITO, ELEMENTOS E NATUREZA
JURÍDICA
A psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen,
que também possui formação em psicanálise freudia-
na, define o assédio moral nos seguintes termos:
[...] o assédio moral no trabalho é definido como
qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, com-
portamento, atitude...) que atente, por sua repe-
tição ou sistematização, contra a dignidade ou
integridade psíquica ou física de uma pessoa,
ameaçando seu emprego ou degradando o clima
de trabalho(9).
(8) LEYMANN, Heinz. Mobbing and psychological terror at workplaces. Violence and Victims, v. 5, p. 119-126, 1990.
(9) HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho – redefinindo o assédio moral. Tradução de Rejane Janowitzer. 6. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 17.
(10) CARRASCO, Manuel Correa. El concepto juridico de acoso moral em el trabajo. In: CARRASCO, Manuel Correa
(Coord.). Acoso moral en el trabajo: concepto, prevención, tutela procesal y reparación de daños. Madri: Thomson Reu-
ters Aranzadi, 2006, p. 89.
(11) PRATA, Marcelo Rodrigues. Anatomia do assédio moral no trabalho: uma abordagem transdisciplinar. São Paulo: LTr,
2008, p. 57.
Trata-se de definição com elementos eminente-
mente psicológicos, o que demonstra a correlação
entre as disciplinas (Direito e Psicologia) no trato do
assédio moral organizacional. Segundo Manuel Cor-
rea Carrasco, o assédio moral no trabalho é constituí-
do por toda conduta, ativa ou omissiva, no contexto
de uma relação laboral ou de serviço, que consista
em ataques reiterados e sistemáticos de caráter de-
gradante e que atentem contra a integridade moral
de uma pessoa, com aptidão de provocar danos de
natureza psíquica, patrimonial ou de prejudicar
de forma grave a empregabilidade da vítima(10). Na
lição de Marcelo Rodrigues Prata, o assédio moral
no trabalho se caracteriza por qualquer tipo de ati-
tude hostil, individual ou coletiva, dirigida contra o
trabalhador por seu superior hierárquico (ou cliente
do qual dependa economicamente), por colega do
mesmo nível, subalterno ou por terceiro relaciona-
do com a empregadora, que provoque uma degrada-
ção da atmosfera de trabalho, capaz de ofender a sua
dignidade ou de causar-lhe danos físicos ou psicoló-
gicos, bem como de induzi-lo à prática de atitudes
contrárias à própria ética, que possam excluí-lo ou
prejudicá-lo no progresso em sua carreira(11). Entre-
mentes, o referido autor defende que o assédio pode
ser caracterizado por uma única conduta, a depender
de sua gravidade, aspecto sobre o qual há severas dis-
cordâncias na doutrina.
O conceito adotado no presente estudo, por ser
mais consentâneo com os direitos fundamentais so-
ciais, pode ser enunciado da seguinte forma: assédio
moral é uma conduta abusiva, reiterada, com caráter
processual, praticada com ou sem intencionalidade,
tendo por vítimas um só indivíduo, um conjunto de
indivíduos ou todos os trabalhadores, pelo empre-
gador, quaisquer de seus prepostos ou terceiros, no
âmbito da relação de trabalho ou por causa desta, que
se configura como ato ilícito e viola o direito à digni-
dade da pessoa humana (art. 1º, II, da Constituição
Federal), com potencial de violação da saúde do tra-
balhador (art. 7º, XXII, da Carta Magna).

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