Assédio moral por metas abusivas e direito fundamental ao trabalho digno

AutorRodrigo Goldschmidt - Andressa Zanco
CargoPós-doutor em Direito pela PUC/RS. Doutor em Direito pela UFSC. - Graduanda em Direito pela UNOESC. Pesquisadora da UNOESC.
Páginas189-202

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1. Considerações iniciais

O assédio moral é um tema recente no cenário do direito do trabalho, porém, não significa que esta prática seja recente, ou seja, tem sido levada em consideração há pouco tempo.

Assim, o presente estudo visa demonstrar que o assédio moral ofende princípios fundamentais ao desenvolvimento do trabalhador.

O objetivo desta análise é verificar de que forma o assédio moral fere a dignidade da pessoa humana, bem como as possíveis consequências para o desenvolvimento do trabalhador quando submetido a esta prática, enfatizando a exigência do cumprimento de metas não factíveis. Ademais, ressaltando como a saúde e o meio ambiente de trabalho são prejudicados ante a essa prática.

Em um primeiro momento, este estudo procura estabelecer a noção do que se entende por dignidade da pessoa humana, destacando a sua relevância. Em seguida, procura evidenciar de que forma a prática do assédio moral afeta a dignidade humana do trabalhador, bem como prejudica o direito fundamental à saúde e ao meio ambiente laboral. Em seguida, é demons-trado como o assédio se coni gura na relação de trabalho e a necessidade da criação de legislação federal para combater esse fenômeno.

Para a realização da pesquisa, foi utilizada a pesquisa doutrinária, bem como jurisprudencial, além de consulta a algumas convenções, leis estaduais e municipais. Ressalta-se, também, que foram utilizadas diversas publicações em anais eletrônicos para o maior enriquecimento do estudo.

2. A dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é considerada um dos arcabouços da Constituição Federal de 1988, bem como dos direitos humanos, uma vez que é intrínseco ao ser humano. Para tanto, em primeira análise, será demonstrada a importância da preservação da dignidade do trabalhador nas relações laborais.

Em outro estudo, ai rmamos que a noção de dignidade da pessoa humana é o que torna o ser humano diferente dos demais, da mesma forma que o iguala aos seus semelhantes. Sendo assim, por ser dotado de dignidade não pode ser instrumentalizado por outro ser humano, o que o caracterizaria como merca-doria ou comércio, e assim o trabalho seria considerado da mesma maneira, sendo essa uma concepção inadmissível.

Moraes (2011, p. 18) entende a dignidade da pessoa humana como uma unidade de direitos e garantias fundamentais que fazem parte do ser humano. Para tanto, defende que a dignidade tem valor espiritual e moral e que é característico à pessoa, manifestando-se de forma singular e na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, trazendo consigo o anseio ao respeito por parte dos demais integrantes da sociedade.

Em adendo, assevera que é pelo trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país e, dessa forma, é que a Constituição prevê a liberdade e o respeito a sua dignidade, uma vez que a i gura do trabalhador se mostra importante para a evolução da sociedade.

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De outra sorte, vale ressaltar que, pelo fato de o homem ser igual aos demais no que tange à dignidade, todos são merecedores do mesmo tratamento jurídico, excluindo qualquer distinção e resguardando-os de arbitrariedades, abusos e perseguições. Assim sendo, o art. 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 enfatiza que todo ser humano, membro de uma sociedade, tem direitos econômicos, sociais e culturais, indispensáveis para seu desenvolvimento.

Tal ai rmação representa o reconhecimento da dimensão da dignidade humana, que se consubstancia com a participação do Estado e da sociedade civil, que promovem, de maneira conjunta, o acesso a bens e serviços, tais como: saúde, educação e trabalho, instrumentos esses que garantem a real efetivação da dignidade da pessoa humana.

Assim, pode-se observar que a referida Declaração evidencia como o Direito preocupou-se em efetivar a dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico revestindo-a de exigibilidade mediante a coerção. Porém, cabe ressaltar que a dignidade subsiste mesmo sem ser reconhecida pelo Direito assim como defende Sarlet (2006, p. 69 e 85) que, por sua vez, admite que a dignidade da pessoa humana não pode ser concedida pelo ordenamento jurídico, pois é intrínseca ao ser humano.

No mesmo sentido, Sarlet argumenta que a dignidade da pessoa humana baseia-se, mesmo não sendo de forma exclusiva, na autonomia pessoal, ou seja, na liberdade que cada pessoa possui de edificar sua própria existência e maneira de ser. Assim, ainda aduz que por ser dotado desta liberdade, possui direitos fundamentais peculiares e inquestionáveis que concretizam sua própria dignidade. Entretanto, Sarlet acrescenta que sem a referida liberdade (negativa e positiva) não há dignidade, ou que essa, pelo menos, não está sendo reconhecida e assegurada.

Botelho (2014) expõe que o ordenamento constitucional brasileiro ai rma que o Direito do Trabalho é uma conquista importantíssima para o trabalhador, e que a dignidade humana é um dos princípios essenciais para sua realização, bem como para os direitos de personalidade. Assim sendo, o trabalho é considerado como um direito social que está ligado à dignidade do ser humano.

Por seu turno, o art. 6º da Carta Magna estabelece que a saúde e o trabalho são direitos sociais protegidos constitucionalmente. Nesse sentido, faz-se necessária a criação de mecanismos capazes de reduzir e/ou eliminar a incidência de práticas capazes de afetar a ei cácia de tais direitos.

Nessa linha, observa-se que a saúde do trabalhador é considerada um direito social, e que está intimamente ligada ao direito à vida, uma vez que a deterioração da saúde pode levar o ser humano à morte.

Como assevera Moraes (2011, p. 39): "o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos." Assim, a Constituição Federal evidencia o direito à vida, incumbindo, da mesma forma, ao Estado a responsabilidade de assegurá-lo em dupla acepção, sendo a primeira a de continuar vivo que, como citado, está intimamente ligada ao direito à saúde, e a segunda a de possuir uma vida digna quanto à subsistência da pessoa humana.

Do mesmo modo, a Organização Mun-dial da Saúde (OMS) dei ne a saúde como "o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de enfermidade", ressaltando ainda que desfrutar da saúde, em seu melhor estado, consiste em um dos direitos fundamentais de todas as pessoas, sem qualquer distinção.

No mesmo sentido, pode-se ressaltar que a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, dei ne em seu art. 2º que: "a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício." Vale ressaltar, ainda, que, em

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seu art. 3º e parágrafo único, respectivamente, a Lei em comento expressa que uma das principais condições para viver com saúde é pelo trabalho digno, capaz de garantir o bem-estar físico, mental e social.

Assim, entende-se que o direito à saúde está diretamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, por esse ser inato ao ser humano e principalmente por ser inerente ao direito à vida.

Peduzzi (2007) aduz que a teoria do assédio moral tem suporte na Constituição Federal, já que constitui um dos fundamentos da República, além de decorrer do direito à saúde, como preconiza o art. 6º da Carta Magna, já mencionado acima, bem como o direito à honra, previsto no art. 5º da Constituição.

Para tanto, a dignidade da pessoa humana é considerada como um dos princípios mais importantes nas relações de trabalho. Assim sendo, a Constituição Federal o prevê em seu art. 1º, inciso III. Tal princípio é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e, por isso, um dos mais importantes.

Neto, Gunther e Pombo (2008, p. 39 a 42), com espeque na lição de Kant, ressaltam que o homem é um fim em si mesmo e não pode ser utilizado como instrumento de forma arbitrária para alguma função que seja contra sua vontade. Assim, argumentam que ,quando uma coisa tem um preço, pode ser substituída por outra equivalente, porém, quando uma coisa não possui preço, e não permite algo equivalente, tal coisa é dotada de dignidade, sendo esta a principal característica do ser humano.

Ademais, os referidos autores ai rmam que a dignidade não pode ser medida por valores, pois é muito mais do que isso, trata-se de um sentimento, com o qual faz com que o indivíduo sinta-se parte de uma sociedade, sendo respeitado perante os demais. Desta forma, observa-se que este é um princípio que visa proteger um bem imaterial que perpassa a ideia de apenas ser um princípio inserto a ser protegido pelo ordenamento.

No mesmo sentido, preceituam que, discriminar, limitar ou diferenciar indivíduos com base em suas características sociais é algo inadmissível, e que tal atitude pode ocorrer no próprio ambiente de trabalho, como no caso em que o trabalhador é submetido ao assédio moral, assim coni gura-se uma ofensa gravíssima a sua dignidade. No entanto, quando o trabalhador é submetido à alguma ofensa, o mesmo possui amparo constitucional do princípio da dignidade, assim pode-se fazer cumprir o respeito à sua dignidade na condição de ser humano.

Para tanto, o respeito aos direitos fundamentais é o respeito à dignidade do ser humano. Sendo assim, entende-se que outros diversos direitos, inerentes ao ser humano, devem ser respeitados, para que a dignidade seja preservada. Destaca-se que o trabalhador não é mais visto como "coisa", ou meio de produção, mas como um indivíduo possuidor de direitos personalíssimos.

Depois desta breve análise sobre a dignidade da pessoa humana, bem como sua relevância...

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