O assédio moral na legislação brasileira

AutorJorge Luiz de Oliveira da Silva
Ocupação do AutorMestre em Direito Público e Evolução Social (UNESA-2004)
Páginas171-251

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5. 1 - Panorama geral da legislação

Com a evolução da visibilidade social e jurídica do assédio moral no ambiente de trabalho no Brasil, não podemos ratificar a afirmação consignada na 1a edição, no sentido de ser o fenômeno desconhecido da grande maioria dos trabalhadores brasileiros. Atualmente, com a atuação dos Sindicatos, do Ministério Público e do próprio Judiciário, grande parte dos trabalhadores brasileiros já possui noção acerca do assédio moral, muito embora, na maioria das vezes, tais conhecimentos sejam insuficientes e equivocados. Porém, não há dúvidas que o tema tomou conta de inúmeras discussões no seio do mundo laboral, contribuindo sobremaneira para dotar as classes trabalhistas e empresariais de noções básicas relacionadas ao assédio moral. Além disso, atualmente no Brasil, a questão do assédio moral também está sendo discutida com ênfase na Administração Pública e mesmo na área militar.

Neste contexto, o ordenamento jurídico pátrio é um dos mais incrementados do mundo, apresentando uma série de leis específicas tendentes a responsabilizar o assediador moral, basicamente no âmbito dos Estados e Municípios, em relação aos funcionários públicos. No entanto, nossa legislação geral também oferece normas protetoras que podem ser utilizadas pelas vítimas do assédio moral,

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tanto nas áreas trabalhista e civil quanto na área criminal, possibilitando a responsabilização concreta do assediador e das empresas ou entidades que se mostrem omissas em relação aos atos de psico-terror laboral perpetrados por seus funcionários.

A consciência sobre a realidade do assédio moral no ambiente de trabalho e a relevância dos danos que esse fenômeno acarreta à saúde do trabalhador somente começaram a ser desenvolvidos a partir do trabalho elaborado por Margarida Barreto, da PUC-SP, implementado com base no estudo de mais de 2.000 casos1. Porém, advertimos que a evolução dessa consciência é bastante relativa, já que ainda existe uma grande massa de trabalhadores brasileiros sem nenhuma noção do que seja o assédio moral; muitos deles figurando como vítimas, incorporando os danos à sua saúde, ao seu patrimônio e às suas relações interpessoais e sequer sabem o que está ocorrendo.

A verdade é que, apesar de toda a propaganda envolvendo as questões afetas ao assédio moral, esse fenômeno ainda é visto como um tabu na maioria das empresas e entidades, que possuem a equivocada ideia de que o esclarecimento sobre o assédio moral, assim com o seu combate efetivo, poderia gerar um clima de oportunismo que possibilitaria uma série de acusações infundadas sobre a prática de assédio moral. Em especial nas Forças Armadas e nas Forças Auxiliares este equivoco é repetido com maior ênfase. Sem dúvida, a questão das falsas acusações é preocupante, mas também deve ser combatida e sancionada, não podendo servir de justificativa para a negação da discussão do tema. Aliás, um dos tópicos inseridos no capítulo 7 tratará justamente das falsas acusações.

A maior pesquisa implementada no Brasil sobre assédio moral, realizada com 4.718 trabalhadores, constatou que 33% deste universo afirmaram ter sido vítimas de assédio moral. A pesquisa revelou, também, que a maior incidência de assédio moral se deu na região Sudeste (66%) e na região Sul (21%).2

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Quanto aos prejuízos que o processo de assédio moral acarreta às empresas, a realidade brasileira é bastante incipiente, porque o empresariado, de forma geral, não tem se mostrado sensível a essa situação, até mesmo em razão de práticas empresariais arcaicas e da falta de conscientização acerca dos deslindes danosos do fenômeno. Há diversos registros de empresas que firmaram um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, sendo compulsadas a providenciar instrução de esclarecimento sobre assédio moral, ministrada por especialista no tema, destinada a gestores e colaboradores. No mesmo sentido, registram-se diversas sentenças reconhecendo a prática de assédio moral, condenando empresas a pagar verba indenizatória à vítima e também a providenciar, na mesma forma dos TACs, treinamento a seus integrantes. Apesar de louvável essa prática, o que verificamos é que, como regra, o staff da empresa não está preocupado em modificar a cultura de gestão do empreendimento, o que reveste esses treinamentos de caráter teórico e com o nítido intuito de cumprir um mero formalismo imposto pela sentença ou inscrito no TAC.

A Administração Pública brasileira, de uma forma geral, começa a se preocupar com a questão. Aliás, é justamente no âmbito público que as legislações específicas existentes sobre assédio moral destinam sua proteção, conforme será visto. Diversos municípios e Unidades de Federação já apresentam sua legislação protetora contra o processo de assédio moral na Administração Pública. Em âmbito federal existem algumas iniciativas legislativas, mas sem qualquer prognóstico positivo em termos de aprovação. No entanto, o assédio moral pode ser combatido tendo por base a legislação pátria já existente, que engloba o fenômeno de uma forma genérica, conforme será comprovado a seguir.

5. 2 - Tutela jurídica genérica

Quando o assunto é assédio moral, não se pode perder de vista que este configura um processo destrutivo que atinge a dignida-

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de da pessoa humana, quer seja um de seus direitos fundamentais mais sagrados conectado aos direitos da personalidade.

Diversos outros direitos relacionados aos direitos sociais também são afetados pelo psicoterror laboral, conforme estabeleceremos adiante. Márcia Novaes Guedes afirma que no processo de mobbing os direitos da personalidade diretamente afetados são os de natureza psíquica e moral3. Não há dúvidas, por todas as nuances inerentes ao assédio moral, que este é um processo que se direciona frontalmente à dignidade do trabalhador, aniquilando sua autoestima, debilitando sua saúde física e mental, degradando suas relações interpessoais e atingindo seu patrimônio. Assim, conforme bem assevera o espanhol José Antonio Flores Vera, deve haver uma conscientização no sentido de visualizar o assédio moral como um atentado à dignidade da pessoa humana, com a particularidade de que este atentado ocorre na esfera do ambiente de trabalho4.

Com base neste referencial, nossa Constituição Federal apresenta diversos dispositivos que podem ser direcionados à problemática do assédio moral.

A Constituição Federal, em seu art. 1º, incisos III e IV, fornece a base da tutela constitucional em relação ao assédio moral no ambiente de trabalho, em virtude de considerar como fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Este, sem dúvida, é o alicerce sobre o qual se constrói todo o arcabouço jurídico relacionado à proteção contra o assédio moral. Jussara Maria Moreno Jacintho adverte que a dignidade humana funciona como limita-dora da ação do Estado, sendo sua observância uma imposição das sociedades desenvolvidas:5

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A dignidade da pessoa humana, hoje, não é mais um conceito transcendental, expressão de uma necessidade metafísica. Expressa isso sim, uma imprescindibilidade da condição humana. A sua concretização é uma imposição dos tempos atuais do grau de desenvolvimento das sociedades, do nível de aprofundamento da investigação científica a que se propõe a nascente dogmática dos direitos fundamentais.

A partir destas premissas, a Carta Magna, em diversos pontos, pode ser aplicada ao fenômeno.

O art. 5º, inc. X, estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrentes da sua violação”. Basicamente, o assédio moral afeta a dignidade da pessoa humana no tocante à degradação de sua honra subjetiva e objetiva, aniquilando, ainda, com a imagem da vítima. Portanto, o dispositivo em análise está plenamente em coerência com os contornos do fenômeno, servindo como base da tutela constitucional. Assim, uma vez caracterizado o processo de assédio moral como vilipendiador da dignidade da vítima, é possível, sob os auspícios deste dispositivo, o implemento do pleito judicial buscando a reparação dos danos morais e materiais advindos da conduta do assediador.

O art. 5º, inc. V, também estabelece regra genérica que pode ser aplicada às hipóteses de assédio moral, ao assegurar o direito de resposta proporcional ao agravo, além da competente indenização por dano material, moral ou à imagem. Muito embora este dispositivo tenha uma maior aplicabilidade aos danos provocados por intermédio da imprensa, pode muito bem ser direcionado a outras hipóteses. No assédio moral, as gestões do ofensor atingem sobremaneira a imagem da vítima, que se vê em situação de humilhação perante seus companheiros de trabalho e, muitas vezes, perante sua família, seus amigos e até seus clientes. Assim, é possível a evocação do presente dispositivo como forma de tutela constitucional do assédio moral.

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Alexandre de Moraes assevera que “os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”6. Esta abordagem justifica a tutela prevista no art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, em relação ao assédio moral, cujo processo gera exatamente uma série de intromissões ilícitas externas, atingindo sobremaneira não só a vida...

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